37. Para saber o gosto, prove

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Nathan acorda com batidas na porta. Não demora para abrir os olhos. O mesmo não se pode dizer do tempo que leva se situando no vazio do quarto do hospital, como se a ausência da mãe lhe exigisse ponderação.

Então parece se lembrar da alta médica, noticiada do fim da noite passada, decorrente do resultado tranquilizante dos exames. A alta poderia ter vindo bem antes, se não fossem as complicações provocadas pelo choque hemorrágico, que exigiram mais uns dias de intensa observação. Úrsula está cuidando da alta, que por uma razão curiosa, é bem burocrática.

Agora, com os braços livres das agulhas, ele se conduz facilmente para a beira da cama. Mas às vezes prende o estômago nas mãos de um jeito que faz parecer que pode escapulir do corpo. Senta-se, a camiseta branca de listras pretas verticais embolada em cima do peito. Coça a hélice da orelha com as unhas crescidas, no espaço entre a segunda e a terceira batida na porta.

_ Entra! _ Finalmente diz, estralando o pescoço, a voz preguiçosa.

A porta se abre sem ruídos. Rony a cruza, os olhos esquivos nas manchas artificiais de madeira no piso.

Caminha sob o olhar surpreso e até bem humorado de Nathan. Põe o embaraço para fora através de uma tosse quase inaudível, o pescoço curvado para frente. Percorre, meio flutuando, em silêncio, os espaços vazios do quarto, as pálpebras avolumadas piscando devagar, os olhos observando todo e qualquer móvel ou objeto a menos de meio metro do chão.

A cabeça de Nathan cai de lado enquanto o observa.

_ Posso lhe oferecer um chá? _ Nathan pergunta, numa inflexão brincalhona.

_ Não. Estou bem.

_ Uma água?

Rony o ignora. Aproxima-se da mesa de canto, de costas para o rapaz. Alcança um carregador de celular, um tipo redondo, que funciona através de um campo eletromagnético gerado por bobinas. Observa-o.

O silêncio começa a induzir algumas correntes elétricas no corpo de Nathan. Não está irritado. Não é isso. Está se agitando, como se alguma ideia emergisse em sua cabeça de repente.

_ Sabe o que Freddy fez com a Mile? _ O Volgone pergunta. E Rony gira o pescoço para ele, devolvendo o objeto calmamente no lugar. _ Eu acho que ele pode ter a obrigado a acompanhá-lo naquela noite.  Sabe se ele chegou a coagi-la ou...?

_Veja que bizarro _ Ele o bloqueia, trocando passos rumo ao leito, as mãos atravessando para dentro dos bolsos da calça jeans, a testa franzida. _ Tenho essa mesma curiosidade. Inclusive, essa é certamente uma das razões de eu estar aqui agora.

_ O quê?

_ Você quem estava lá desde o começo, Nathan. Não eu.

O silêncio.

_ Olha só _ De repente, o tom de Nathan é sóbrio. _ eu desconfio que ela foi levada a força pelo Freddy. Encontrei a bolsa caída perto do carro dela, no sítio do meu pai. Mas o celular dela não estava lá. Não sei o que pensar. Andam dizendo que ela está com o Freddy agora, e eu não duvido nada, já que é louca o bastante para isso. _ Nathan desfruta da própria confusão, a cabeça convulsionando. _ Você acha que ela não lhe diria o que aconteceu?

_ Não acho que ela diria.

As sobrancelhas de Nathan arqueiam com o que ouve.

_ Não acho _ Rony continua. _ E por que penso assim? Ontem à noite eu estava jantando na casa dela e a dona Elza soltou uma perto de mim. Disse que a Mile saiu com Freddy certa vez, um jantar num restaurante bem famoso da cidade. Acho que... _ Pausa, assoa o ar no nariz. _ acho que, na verdade, você sabe bem mais sobre os dois do que eu, não é mesmo? Sim, porque a dona Elza falou seu nome depois. Disse que pediu a você para buscar a Mile naquela noite.

Certo como Murphy (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora