O segundo passo de Mile para dentro da sala é recebido pelo semblante apreensivo de Rony, que rapidamente se dissolve numa fachada assustadora de ira.
Os olhos dele revolvem para cima, ao som da chamada súbita do celular.
Mile para a um metro depois da porta, enquanto ele confere, ainda em silêncio e sentado no sofá, quem é o autor da ligação que está claramente disposto a ignorar. É de Elza. E certamente não é a primeira e nem a segunda vez que ela liga para ele este dia, a julgar pela nova revirada de olhos. Expira.
_ Saiu do trabalho mais cedo? _ Ela pergunta, meio acuada, observando no relógio da parede que ainda são cinco e meia da tarde.
Mas ele a contempla por um tempo, os olhos apertados, como numa dura crítica.
_ O que está fazendo aqui tão cedo? _ Ela volta a perguntar, e só então percebe o tom flácido da voz.
_ Cadê seu celular, Mile?
_ Meu celular quebrou assim que lhe enviei a mensagem, hoje à tarde. _ Ela diz, torcendo para que ela não peça para vê-lo.
_ Quebrou? Deixa eu ver? _ Mas assim ele o faz, fazendo-lhe um sinal com a mão para se aproximar.
Agora ela é quem revira os olhos. Ela não está com paciência, não está no clima para cobranças e correções de conduta.
_ Então veio para me torrar, Rony? O dia de hoje foi uma exceção. Pelo menos assim espero.
Ela pendura a bolsa no cabideiro, ao lado da porta. Passa direto por ele e vai à cozinha. Enche um copo de água no filtro. Ele se levanta e segue a sombra dela.
_ O que está havendo, hein? _ Ele questiona. _ Sua mãe me enviou mensagens a tarde inteira, preocupada com você. Daí eu perguntei a ela o que estava acontecendo e nada. Ela não me explicou nada. Pensei que fosse algum problema com o resultado do julgamento. Daí eu pesquisei na internet e parece que ela foi absolvida.
_ Sim, ela foi.
_ Que bom. Mas eu realmente preciso entender. Por que esse alvoroço todo? Onde você estava?
_ No trabalho, como eu disse por mensagem.
Ela responde, depois bebe a água de uma vez.
_ Não. Sua mãe ligou nos seus dois trabalhos. Você faltou, não deu uma satisfação sequer aos diretores. E adivinha só? Freddy. É, Mile, esse cara não saiu da minha imaginação a tarde inteira. Eu só pensava para onde ele tinha te levado e que tipo de coisa estava fazendo com você. Eu estava a um triz de avisar a polícia.
Vendo a aflição dele, ela pensa em contar sobre seu dia nefasto, mas não consegue. É inacreditável demais, vergonhoso demais. Mais inacreditável do que a personalidade do próprio Freddy.
Ela devolve o copo na pia. Instantes depois, seus olhos galgam para os dele.
Dá três passos ao lado. Abraça-o abruptamente, como se precisasse se segurar de um tombo. Por acaso, ela não pode conter as lágrimas. O soluço aprofunda-se à medida que o dia rebobina-se em sua mente, numa cruel riqueza de detalhes.
Ela não diz nada e Rony respeita seu silêncio. Apenas transfere as duas mãos para as costas agitadas dela, afaga-as, o queixo assentando no topo da sua cabeça.
_ O que eu faço com você, hein? _ Ele pergunta, agora pacífico, quebrando os três minutos de silêncio que se passaram lentamente, assim que a respiração dela descansa um pouco. _ E agora, como eu deixo você sozinha por quatro dias inteiros? Pode me dizer? Seu azar está me contaminando.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Certo como Murphy (COMPLETO)
RomansaVocê acredita em azar? Para a Milena de 18 anos de idade, enquanto filha do rico e poderoso Jorge Zanella, a resposta poderia ser resumida num simples e bem direto: "o quê, tá falando sério?" Por sua vez, para a Milena falida e injustiçada de 24 ano...