9. Raios e trovões

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Apesar de Rony e Emily sorrirem abertamente do outro lado da mesa, Mile sabe que tem algo errado com eles.

Mas está feliz demais para perguntar o que está acontecendo. Prefere não arriscar ouvir uma resposta que possa lhe exigir algum aconselhamento. Não está no clima. Não está no clima porque está feliz. Feliz demais. E quer se permitir desfrutar do raro momento.

Elza finalmente conseguiu a liberdade provisória. Foi solta pela manhã.

Elza adora bailes beneficentes. Com certeza teria vindo se não fosse a imensa probabilidade de dar de cara com os velhos conhecidos: figuras ricas e autoridades que gostam de expressar seu "comprometimento" com os asilos da cidade. Pelo menos as doações gordas deles eram reais, mas nada mais do que o preço dos benefícios fiscais e de suas boas reputações.

Já faz quase um ano que Mile trabalha meio período no asilo Polon, um dos grandes beneficiários da noite. E se tem uma coisa que descobriu nesse tempo, é que os velhinhos preferem uma boa companhia a roupas e dentaduras novas. E ela está no evento por eles. Só por eles. Isso porque é mais um tipo de coisa que a obriga a se lembrar do pai.

Jorge já foi o tipo de discursar quase uma hora ininterrupta para só para dizer como estava feliz em transferir uma quantia bizarramente enorme para as casas lares. E por falar em discurso, um homem de barba branca acaba de interromper a banda para falar.

_ Quem é esse? _ Emily pergunta com sua boca pequena e carnuda, fazendo um corredor com as mãos para Mile.

_ Anderson Melino _ Ela responde, mas desta vez meio na dúvida, inclinando-se um pouco para falar, ajeitando a alça de pedraria do vestido longo e preto.

Emily parece se divertir com o fato de amiga conhecer a maioria das "celebridades" do evento.

_ Anderson Melina _ Rony corrige, depois de beber um pouco do Cabernet. _ Ele tem uma enorme coleção de anões de jardim. Comprou uma chácara só para eles. E como eu sei disso? Fui lá com meu pai para instalar uma placa solar esses dias.

Dez minutos depois, o rosto maquiado de Emily se aplana. Foca o palco florido e bem iluminado, por cima do ombro de Mile, o que a obriga virar o pescoço para trás.

_ Boa noite, senhoras e senhores.

 É a voz de Freddy Schererzer, que acaba de pegar o microfone.

Emily olha preocupada para Mile, numa expressão do tipo: "Não faça nada aqui. Não agora." Tem verdadeira horror a escândalos.

Mile vira o corpo paulatinamente na cadeira.

O tom solene do rapaz atrai alguns olhares admirados na plateia. A versão preta e acetinada de um terno Tagliatore, acompanhado de uma gravata tradicional listrada em branco e azul, somado aos cabelos amarrados atrás num coque meio bagunçado, é certamente um conjunto de motivos para algumas pessoas pensarem que Freddy é um homem equilibrado e judicioso como o pai. Não que Marlos seja um exemplo de honestidade. Longe disso. Mas pelo menos não é um sujeito obsceno.

***

Depois de encerrar, recitando uma cifra de doação que beira a meio milhão de reais, Freddy se senta a uma das mesas próximas do palco.

Quando Mile volta a se ajeitar na cadeira, o pescoço queimando, o coração batendo como se fosse estourar, é obrigada a lidar com os olhos fumegantes de Rony para o Schererzer.

Rony cede a gravata vermelha no pescoço. Os fios da franja estão mais dispersos do que um minuto atrás, por causa do tique de levá-la para trás quando fica nervoso.

Certo como Murphy (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora