Ele não me procurou.
Ele nunca nos procurou.
E ele está justamente à minha frente três anos depois de me prometer que me procuraria, coisa que claramente nunca aconteceu caso contrário não estaríamos os dois petrificados frente a frente no meio de um cemitério sem saber o que dizer ou o que sentir para além do ódio que afoga cada pedaço do meu corpo.
- Filho... - coloco-me à sua altura - Já está a ficar tarde. É melhor irmos para casa.
Por mais que queira ignorar não consigo.
Ele é igual ao pai.
Ainda que fisicamente seja impossível, há dias que chego a duvidar que é meu, o que algumas vezes se torna difícil porque olhar para ele é lembrar-me do homem que mais me magoou.
É lembrar-me de todas as vezes que afundava os meus dedos no seu cabelo macio de cor avelã.
É lembrar-me de todos os segundos que mergulhava no seu pequeno mar no fundo dos seus olhos.
É lembrar-me de todas as palavras testemunhadas pelos seus lábios e todas aquelas que foram condenadas por falta de testemunho, ou por outras palavras, tudo o que deveria ter sido dito e não foi porque ele decidiu abandonar-me juntamente com o seu filho por uma mulher.
A maior covardia de um homem é despertar o amor de uma mulher sem intenção de amá-la. E ele é o maior covarde que alguma vez conheci.
Agarro o Leo por debaixo dos braços e encosto-o ao meu corpo enquanto que as suas pernas entrelaçam-se na minha cintura, ouço-o balburciar algo para o homem de fato negro mas não me atrevo a olhar para trás ainda assim tenho a certeza que ele não se moveu um único centímetro.
- Madalena... espera - arrependimento atravessa as suas palavras
O meu corpo paralisa. Quero continuar a andar. Quero entrar no meu carro e conduzir até casa. Quero esquecê-lo, mas se isso não aconteceu antes, também não vai acontecer agora que descobriu que tem um filho. Afasto o Leo do meu corpo e pouso-o no chão.
- Vai andando para o carro, eu já vou ter contigo.
O seu sorriso aquece-me o peito antes de o ver a abrir a porta traseira do carro e sentar-se na cadeirinha com o seu piano de brincar na mão. Até nisso ele é igual ao pai.
Dou meia volta quando tenho a certeza que está em segurança e o meu olhar encontra-se com o do Leonardo, cruzo os braços em frente do peito e isso serve-lhe de incentivo para caminhar a meia dúzia de passos que nos separa.
- Creio que precisamos de falar - preciso de me conter para não deixar escapar uma gargalhada
- Levas três anos de atraso... - digo quase num sussurro - Agora é aquele momento que me acusas de não te ter dito nada - abana a cabeça
- Eu sei que me tentaste contar - algo no tom da sua voz muda
- A tua namorada disse-te? É o mínimo, não te parece?
Espero uma resposta sua, não para confirmar o que quer que seja, mas para deixar de me sentir culpada por não ter insistido mais há três anos quando descobri que a nossa história não iria ficar apenas no passado. A nossa troca de olhares é altamente fatal e o silêncio que se formou é desconfortável o suficiente para o meu corpo se começar a mover e tirar um pequeno cartão de dentro da minha mala. Um cartão de um escritório de advogados.
- Passa amanhã por essa morada se tiveres intenção de ficar na vida do Leo - a sua mandíbula fica tensa
- É suposto eu levar o meu advogado?
- Não. Esse é o meu escritório. Não tenciono levar as coisas a tribunal até porque se o fizesse tu não tinhas a mínima hipótese de conseguir a guarda do Leo, mas claro está tudo nas tuas mãos.
Não espero por uma resposta sua até porque uma parte de mim não quer que ele esteja presente na vida do meu, nosso, filho. E o justo seria nem sequer dar-lhe a oportunidade de conseguir algum tempo com ele já que durante três anos decidiu não se importar com o Leo.
Talvez a culpada seja eu por ter colocado tantas expectativas em cima dele e por ter acreditado que seria homem o suficiente para me procurar ou pelo menos para me atender às dezenas de chamadas que fiz nos dias seguintes ao nosso rompimento.
Fui uma romântica incurável por pensar que ele seria o último e que significava tudo para ele, porque ele sim, ele significava tudo para mim, e durante muito tempo pensei que não sabia sequer respirar sem ele. E agora? Agora não significa nada. Nada mais que o pai do meu filho.
- Olha, mãe, o Chico! - pelo espelho vejo-o apontar para o homem encostado à ombreira da porta de casa
O meu olhar cruza com a cor achocolatada dos seus olhos e não consigo evitar sorrir quando os seus lábios também fazem uma curva.
O Francisco foi a paz no meio da tormenta e apareceu na minha vida no momento certo. No momento em que tinha um bebé de dois dias nos braços a chorar como se, de alguma maneira, conseguisse sentir a minha dor por estar sozinha naquele quarto, abandonada pela pessoa por quem estava doidamente apaixonada.
Lembro-me de ele entrar no quarto num uniforme verde relva, com um crachá de enfermeiro ao peito e com um sorriso meigo no rosto agarrou o Leo nos braços e silenciou-o no mesmo segundo. Ele aceitou-me mesmo sem eu dar muitos pormenores do meu passado e aceitou o meu filho sabendo que nunca seria dele, pelo menos geneticamente já que desde aquela noite, o Francisco tornou-se pai do Leo.
- Como correu a escola, campeão? - coloca-se à sua altura e chocam as mãos
- Aprendemos as cores!
- UAU! Preciso que me ensines então...
- Leo, o que me dizes ires brincar para o jardim um bocadinho?
Um sorriso cresce nos seus lábios antes de se afastar de nós num passo acelerado. Aproximo-me um pouco mais do Francisco e abraço-o, tenho a certeza que com apenas este abraço ele já percebeu que algo não está bem.
E tenho a certeza também que não me vai perguntar o que aconteceu porque nunca o fez, não porque ele não queira saber, mas sim porque sabe que tenho dificuldades em falar do meu passado e que tenho sérios problemas em dizer o que realmente sinto.
Basta ver o que aconteceu a última vez que confiei os meus sentimentos a alguém. Afasto-me do seu corpo e levo os meus lábios aos seus, preciso da sua boca quase tanto como preciso de respirar.
- Problemas no trabalho? - rompe o silêncio
- Antes fosse... tenta adivinhar quem é que vi hoje.
- Um antigo cliente? - nego - Algum juiz ou advogado?
- Advogado, sim, ou pelo menos era - inspiro - O pai do Leo.
- Lembrou-se que tinha um filho - uma gargalhada aprofunda-se na sua garganta - O Leo viu-o?
- Sim, mas não percebeu quem era. Eu dei-lhe o meu cartão para se encontrar comigo amanhã no escritório, achas que fiz mal?
- Não - aperta o meu corpo contra o seu - É o pai dele e mesmo não gostando da ideia, acho que devíamos dar-lhe uma última oportunidade, até porque um dia terás de ter uma conversa com o Leo e assim ele já não te pode acusar que o proíbiste de ter contacto com o pai.
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𝑑𝑖𝑧-𝑚𝑒 𝑞𝑢𝑒 𝑚𝑒 𝑎𝑚𝑎𝑠
RomansTrês foram os anos que ele se aguentou sem a sua âncora e submergido nos seus próprios demónios que não tiveram piedade alguma em afundá-lo num mar escuro. Agora que, por uma casualidade do destino, ela está de volta, Leonardo vai lutar pela mulher...