18 | amanhecer

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Leonardo

Um corpo abraçado ao meu.

É tudo o que consigo sentir nos milésimos de segundos a seguir a despertar com a recém claridade do sol que invade a tenda.

Não sei em que momento da noite os nossos corpos se encontraram, mas não quero perder tempo em averiguá-lo, porque em uns minutos tenho a certeza que ela vai acordar e deixarei de sentir a sua respiração na curva do meu ombro e o cheiro do seu champú a tão poucos centímetros do meu nariz.

Camomila.

O mesmo cheiro doce que recordava.

Não me mexo.

Talvez, desde o momento que abri os olhos e senti-a ao meu lado, deixei de respirar só para não a acordar com os movimentos subtis do meu peito.

Os pequenos raios de sol que insistem em entrar pela camada fina que cobre a tenda acertam-lhe em cheio no rosto e, merda, os seus lábios estão ainda mais apetecíveis.

A sua pequena boca avermelhada, totalmente perfeita, aliás desconfio que algo em nela não tenha essa perfeição, desespera pelos meus lábios.

Talvez o desespero seja meu.

Podia encurtar os cinco centímetros que nos separam e acabar com essa súplica, mas não o farei.

Porque no momento que a minha saliva misturar-se com a sua não vou saber parar, e espero que ela também não.

No momento que os meus lábios tocarem os seus, quero-a de corpo e alma e não apenas a sua presença, e para esse estado de espírito ainda há um longo caminho a percorrer, e talvez sejam os passos mais dolorosos que alguma vez darei, mas cada obstáculo no caminho valerá a pena porque é por ela.

Sempre será.

Num ato impulsivo roço os meus dedos pelo seu rosto até aos seus cabelos. Quiçá seja do quente natural do meu corpo, mas a sua pele queima como o alcatrão num dia de verão, o que, de certa maneira, é um autêntico contraste se me focar na fragilidade do seu rosto e na forma angelical com que dorme.

Não posso. Não posso torturar-me desta forma.

Contra as minhas vontades e o suplício do meu corpo, afasto-me dela tão cuidadosamente como posso, como se ela fosse uma camada tão fina de cristal que o mínimo abanão seja o suficiente para a partir em dois, e, depois de tirar duas peças de roupa e a bolsa dos produtos de higiene de uma das mochilas que passou a noite encostada a um canto, abro o fecho da tenda e saio.

Os raios de sol que, até há uns segundos, eram minimamente suportáveis, agora tornam-se muito mais fortes, assim como o sopro frio que desliza pela minha pele causando um arrepio pela diferença de temperaturas.

No ar apenas circula o som de alguns animais a uns metros de distância, e é nessa tentativa de silêncio que percorro todo o caminho de terra até aos balneários forrados com uma espécie de madeira que oferece um lado rústico e acolhedor.

Entro numa das cabines disponíveis e ligo o chuveiro na torneira responsável pela água fria. Mais do que querer a água com uma temperatura baixa, necessito-a para despertar, para controlar os impulsos e para apagar um pouco a chama que ela incendiou só pelo simples facto de ter o seu pequeno corpo colado ao meu.

Assim que termino de me vestir com uma simples t-shirt e uns calções negros, volto a fazer o caminho baldio até à tenda, desta vez com um pouco mais de confusão à mistura tendo em conta que muitas das restantes pessoas já despertaram.

Quando me detenho em frente da tenda de campismo azulada, debruço-me e, mesmo sem a abrir, não tenho dúvidas que tanto a Madalena como o Leo já estão despertos, o que acabo por confirmar assim que deslizo o fecho.

𝑑𝑖𝑧-𝑚𝑒 𝑞𝑢𝑒 𝑚𝑒 𝑎𝑚𝑎𝑠Onde histórias criam vida. Descubra agora