O ruído dos pneus ao deslizarem a alta velocidade pelo alcatrão humido.
Os seus dedos enterrados em cada centímetro da minha pele, como se em algum momento durante os três anos que não a dedilhou, se tivesse esquecido dessa sensação e agora tem a necessidade de a descobrir novamente. De forma lenta, sem pressas, nem distrações.
As luzes brancas encadeantes dos carros que circulam em sentido contrário ao meu.
Os seus gemidos roucos juntos do meu ouvido.
O som rítmico das escovas do pára-brisas que varrem as gotas da chuva que não têm pressa alguma em cairem no vidro.
O seu corpo a roçar, a entrar e a satisfazer o meu.
O barulho das vibrações do meu telemóvel.
Debruço-me sobre o banco do passageiro e, sem nunca tirar os olhos da estrada, sigo as oscilações do aparelho dentro da minha mala e, assim que o seguro na minha mão, leio o nome do meu irmão por cima da sua foto.
- Madalena, onde estás? - o seu tom de voz é áspero - Já viste que horas são?
- Eu sei... O Leo já está a dormir?
- Adormeceu há pouco tempo. Não queria ir para a cama antes de tu chegares, mas a Núria conseguiu convencê-lo - os meus lábios fazem uma linha reta - A que horas chegas? Precisamos de falar.
Deixo fugir um pequeno suspiro.
- Tenho a certeza que não é nada urgente, por isso vai-te deitar... não sei a que horas chego. Preciso de um tempo para mim. Para pensar.
- Tudo bem. Estás em segurança, pelo menos?
Olho de relance para a meia dúzia de pessoas que cruzam a porta de entrada do pequeno bar a uns metros de distância.
- Não te preocupes.
Descanso-o antes de desligar o telemóvel e guardá-lo dentro do bolso do casaco que me apresso a vestir depois de sair do carro e trancá-lo.
O som que as pequenas pedras fazem ao serem pisadas vai se tornando cada vez mais inaudível à medida que me aproximo da entrada do bar que se esconde por entre os arbustos. Apesar de haver várias cadeiras e bancos vazios, uma onda de calor amorna-me as bochechas assim que ultrapasso as portas de vidro e, por isso, não demoro mais do que um par de segundos a despir o casaco.
- Um gin tónico, por favor.
O homem por detrás do pequeno balcão de madeira iluminado por uma luz turquesa anui com um simples gesto com a cabeça.
Turquesa.
Os seus olhos a tão poucos centímetros de mim. O meu olhar mergulhado no seu sem medo de me perder nas ondas do seu mar. Porque, sem me dar conta, já perdi o rumo há algum tempo. Há bastante tempo.
Deixo cair o meu foco no homem tatuado junto das prateleiras das garrafas e, uma vez que a única coisa que preenche o copo largo pousado perto de mim é um par de cubos de gelo, levanto-me do banco alto, pouso o casaco dobrado em dois no meu lugar e procuro o pequeno corredor que me leva à casa de banho.
Apoio-me no lavatório, sem coragem de me olhar ao espelho, com a esperança de o que me resta, depois de tudo o que lhe entreguei, não se desfaça no chão inundado de poças de água.
Rodo a torneira da água e, depois de a deixar correr por uns segundos, molho ambas as mãos passando-as no rosto antes de me olhar pela primeira vez pelo espelho salpicado de manchas.
O meu cabelo um pouco alvoroçado.
As minhas bochechas rosadas pelo calor que se faz sentir.
A minha roupa amachucada.
E, inevitavelmente, sou invadida novamente por ele.
Pelo seu toque.
Pelo calor da sua pele.
Pelo seu perfume.
Pelas suas palavras.
Porque te amava mais do que alguma vez amei alguém!
Talvez já seja demasiado tarde para recuperar esse sentimento que eu sei que sentes por mim. Mas nunca é demasiado tarde para dizer que te amo.
Sei que é amor porque prefiro ver-te feliz com outro qualquer do que te ter a meu lado.
A porta da casa de banho abre-se de repente, trazendo-me à realidade, e quase como um reflexo volto a rodar a torneira, desta vez para o lado oposto, e saio pela porta que ainda não se fechou por completo desde que a mulher de cabelos loiros entrou.
- Obrigada.
Murmuro ao encontrar o copo, agora cheio de um líquido transparente juntamente com umas pequenas folhas de hortelã e uma rodela de limão, no lugar onde há minutos estava sentada.
Pego no casaco, coloco-o nas costas do banco branco e sento-me no mesmo, levando, imediatamente, o copo à boca. O sabor fresco da hortelã não demora muito a escorregar-me pela garganta e o meu corpo a ferver agradece-me por tal.
As gargalhadas masculinas, acabadas de entrar pela aquela que suponho ser a porta das traseiras, ecoam pelo espaço, no entanto, e apesar da minha bebida ainda não estar a meio, não consigo identificar mais do que um par de sombras que se movimentam em direção a uma das mesas junto das grandes janelas.
Remexo o líquido com a palhinha, incrivelmente colorida, fazendo um esforço para afundar cada uma das folhas verdes que sempre que deixo de fazer pressão com o pedaço de papel enrolado acabam por subir até à superfície. Engraçado.
- Dá-me outro!
Aponto com o dedo para o copo vazio e consigo distinguir o olhar de confusão no homem repleto de tatuagens antes de tirar uma das garrafas da prateleira e deitar o líquido transparente para dentro de um outro copo muito mais pequeno de metal.
Aquilo é um urso? Ouço a minha voz arrastar-se na minha mente. Não, parva, é um leão! Deixo fugir uma gargalhada e o olhar do moreno cai sobre mim, como se me tivesse transformado numa espécie estranha descoberta num habitat novo, e, antes de fazer deslizar o copo largo pelo balcão, o seu foco eleva-se para algo atrás de mim.
Uma mão desliza pelas minhas costas e não preciso mais do que meio segundo para perceber que se trata de uma mão masculina dada as dimensões.
- Parece-me que já bebeste o suficiente, Madalena.
Em algum cantinho do meu cérebro a sua voz é reconhecida, mas, e mesmo com o seu corpo sentado no banco a uns centímetros de mim, não consigo lembrar-me do seu nome, muito menos de onde o conheço.
- Eu estou bem... - tento disfarçar a sonolência que começa a apoderar-se de mim
- Não, não estás. Amor.
Comprimo os lábios para não deixar escapar a gargalhada que se funde na minha garganta pela última palavra.
Amor.
Amor é uma droga que nos mata aos poucos.
Que nos consome um bocadinho mais a cada dia que passa.
Que nos deixa dependentes.
Por acaso sou uma droga?
- Daquelas que causam dependência muito rapidamente.
Responde-me e percebo que, talvez, nem tudo o que desabafo com a minha mente, fica na minha mente. Estúpida mente.
- Tens uma ferida na cara - murmuro
- Eu sei.
- Pois. Pois sabes - bebo um pouco mais do líquido transparente - Nós conhecemo-nos?
- Bastante bem.
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𝑑𝑖𝑧-𝑚𝑒 𝑞𝑢𝑒 𝑚𝑒 𝑎𝑚𝑎𝑠
RomanceTrês foram os anos que ele se aguentou sem a sua âncora e submergido nos seus próprios demónios que não tiveram piedade alguma em afundá-lo num mar escuro. Agora que, por uma casualidade do destino, ela está de volta, Leonardo vai lutar pela mulher...