45 | um pesadelo mais

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Leonardo

Os gritos massacrantes entram e consomem a tinta branca das paredes e o negro das grades que enjaulam as janelas por onde entra toda a claridade que trotura os meus olhos e faz arder o rastilho de toda a pólvora infiltrada em cada centímetro do meu corpo.

As amarras manchadas de sangue que me prendem à cama e não me deixam mover mais do que uns míseros milímetros por mais força que faça para me desfazer delas. Por mais sangue que derrame pelo sufoco agonizante aos cortes marcados no meu pulso. Por maior que seja a dor que esvazia o meu peito e enjaula o meu coração numa sala onde as paredes são facas afiadas e o chão uma labareda capaz de incendiar meio mundo.

As vozes na minha cabeça que me arrastam à escuridão do abismo da loucura e do descontrolo, porque só ela tinha a capacidade de me segurar na mão e afastar-me da corrente insistente  que me faz rastejar de volta ao buraco negro de que dificilmente sairei.

Os gritos.

As amarras.

O sangue que me escorre pelos pulsos.

De novo os gritos.

As vozes na minha cabeça.

O descontrolo. O meu e dos meus pulmões que se recusam a cumprir com as suas funções.

- Leo? - o sussurro da sua voz - Leo, ouve-me - a sua voz novamente, desta vez mais nítida - Mor...

Uma mão gigante resgata-me de um poço sem fim quando abro os olhos de golpe e o meu coração palpita euforicamente em cada extremidade do meu corpo húmido de um par de gotas de suor.

- Ei...

Num ato quase impulsivo, rodeio o seu corpo com os meus braços e aperto-a contra o meu peito desnudo sem avisá-la da necessidade gritante que me tem vindo a atormentar cada noite por não sentir a sua pele roçar a minha.

- Calma, foi só um pesadelo... - sinto as suas mãos na minha nuca - Estou aqui. Não aconteceu nada.

Os meus pulmões parecem, finalmente, encontrar de novo um rumo, no segundo em que deito a minha cabeça no seu peito e o som rítmico do seu coração redescobre a tranquilidade que a escuridão da minha mente me roubou. Os seus pequenos braços puxam-me para si com uma necessidade oculta de fundir o meu corpo com o seu, enquanto a cobardia da sua mão não a deixa abandonar o meu cabelo.

- Desculpa por te ter acordado...

- Nunca te desculpes por coisas que não podes controlar.

Enterro o meu rosto na curva do seu pescoço inundado da fragrância única que lhe pertence. Uma mistura do aroma de camomila do seu champú com a suavidade do perfume que se funde na sua pele e parece ser eterno. A combinação perfeita para desfazer a rigidez dos meus músculos e sarar todas as feridas que insistem em esvair-se no centro do meu peito.  

- Queres contar-me? - murmura com o seu queixo encostado à minha testa

O colchão emite um pequeno ruído quando me remexo nos seus braços e o seu olhar, iluminado pela luz madrugadora que entra pela janela, enlaça-se no meu. Inevitavelmente, depois de tanto tempo, o meu coração volta a encontrar um porto seguro para se resguardar de todas as tempestades que atormentaram o meu peito nas noites em que, depois de ter o mundo nas minhas mãos, acordava e percebia que por entre as gretas dos meus dedos, o mundo desfazia-se em pequenos e insignificantes grãos de areia.

- Estava a sonhar com... com um dos dias em que estava na clínica... - suspiro - Coisas do passado, não vale a pena remexer no assunto - parece debater-se mentalmente com algo antes de colar os seus lábios à minha mandíbula - O que queres saber?

𝑑𝑖𝑧-𝑚𝑒 𝑞𝑢𝑒 𝑚𝑒 𝑎𝑚𝑎𝑠Onde histórias criam vida. Descubra agora