53 | aquele dia

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O silêncio, se lhe prestarmos a atenção suficiente, também é, por si só, uma resposta.

E o seu silêncio mais do que nenhum outro.

- Penso, claro que sim - contesta por fim e algo em mim respira de alívio - Mas acho, e tens de concordar comigo, que agora não é momento.

- Sim, claro. Tens toda a razão - afasto-me do seu corpo e apresso-me a apanhar a roupa largada no chão - Vou buscar água. Queres?

A sua cabeça balança de um lado para o outro num não quase arrancado a ferros antes de me sentar na borda da cama e vestir a roupa interior à sombra do calor abrasador do seu olhar.

Apesar do esforço para dissimular o alívio de respirar um ar diferente de todo aquele que se tensa pela cor bege das paredes, um suspiro acaba por se escapar dos meus lábios assim que ultrapasso a linha que separa o chão de madeira do seu quarto e os azulejos gélidos do corredor que me leva até à cozinha.

A folha culpada de toda a desordem das últimas horas continua abandonada na bancada que contorno sem dificuldade alguma, antes de me deter junto do frigorífico e retirar um pequeno jarro de água e, inesperadamente, o som de uma música inglesa percorrer o corredor e envolver-me num misto de sensações.

Inevitavelmente, as memórias levam-me à noite em que verbalizamos, pela primeira vez, aquilo que há muito tempo já se infiltrava pela delicadeza do músculo aprisionado no pequeno baú do nosso peito e, desrespeitosamente, massacrado pelas tentativas falhadas de fugir do precipício a que já tínhamos chegado à berma, na ilusão de que se o fizéssemos escaparíamos para sempre à pequeníssima palavra de cinco letras capaz de reabrir cicatrizes da pessoa interior que um dia pensou que um amo-te era sinónimo de compromisso e eternidade, quando, na verdade, não passaram de dias contados num vazio de sentimentos.

Um fio de eletricidade lateja pelas minhas veias mal sinto o fogo do seu peito amornar-me as costas e os seus braços, em volta da minha cintura, aprisionar-me ao seu corpo à medida que nos balança ao ritmo da música que o seu telemóvel produz.

- I don't wanna close my eyes - os seus lábios roçam o lóbulo da minha orelha enquanto, nos meus, um sorriso começa a ganhar forma - I don't to fall asleep, 'cause I'd miss you baby and I don't want to miss a thing...

- Queres dizer-me alguma coisa, Leonardo Menezes? - sinto a curva que desenha os seus lábios contra o meu pescoço

- Por acaso até quero, Madalena Noronha - um beijo onde os seus lábios dobravam - Quero dizer que te amo - outro beijo perto da minha orelha e uma curva no meu rosto - Quero pedir-te desculpas por ter reagido de uma forma exagerada e, de certa forma, infantil com toda a história da carta - um beijo na bochecha - Quero agradecer-te por teres vindo e... - obriga-me a dar volta sobre mim mesma e o brilho escurecido do seu olhar golpeia-me, imediatamente, com perversidade - Quero que saibas que adoro a forma como resolvemos os nossos problemas, aliás, devo informar-te que, de agora em adiante, é assim que nos vamos entender sempre que discutirmos.

Sustém-me o queixo entre o calor dos seus dedos e põe fim à curta distância das nossas bocas num beijo que funde os seus lábios úmidos e macios nos meus. A eletricidade presente no bombear do meu coração espalha-se pelo vermelho do sangue que me corre pelas veias e impulsiona as minhas mãos a deslizarem pelas saliências delicadas marcadas nas suas costas, o que, involuntariamente, me faz juntar as sobrancelhas numa expressão confusa.

- Vira-te.

- Normalmente, sou eu quem te pede isso...

Os seus lábios encurvam-se num sorriso travesso antes de acatar a minha ordem e os arranhões, ainda de uma cor avermelhada, cravados nas suas costas roubarem grande parte da minha atenção.

𝑑𝑖𝑧-𝑚𝑒 𝑞𝑢𝑒 𝑚𝑒 𝑎𝑚𝑎𝑠Onde histórias criam vida. Descubra agora