Leonardo
- Lina, quando tiver os documentos da última reunião pode enviá-los por e-mail, por favor?
- Claro, não se preocupe - os meus lábios fazem uma linha reta - O doutor, desculpe, mas há rumores a circular pelos corredores... - levanta-se da cadeira por detrás do balcão - E como sabe tenho dois filhos e...
- Lina, não se preocupe, não vai haver despedimentos, se é isso que está a insinuar. É verdade que o escritório está a passar uma fase mais difícil a nível financeiro, mas, enquanto eu for o responsável, nada faltará a ninguém.
O ar que deixa escapar parece ter estado acumulado durante algum tempo, talvez desde o primeiro segundo que a notícia da falta de investimentos, e consequente queda do valor das ações, começou a correr pelas paredes com a mesma velocidade que a chuva cai num dia de inverno. Rápida e barulhenta.
Cada decisão tem uma consequência. Por vezes somos premiados com um caminho livre de ervas daninhas e espinhos. E outras vezes somos encurralados à beira de um precipício onde a única coisa que pode ser feita é pisar os catos um a um com os pés descalços. E no momento que decidi desistir do cliente do Sul soube que tudo se tornaria um desastre, ainda assim, não me arrependo de uma única palavra daquela reunião.
Desço pelo elevador depois da Lina me presentear com um pequeno sorriso de agradecimento, e assim que o leitor em cima das portas marca o -1 e estas se abrem, dirigo-me ao meu carro estacionado num dos cantos do parque e destranco-o, entrando no mesmo segundo. Pouso a pasta negra no banco vazio do passageiro, desfaço-me da gravata, também ela negra, ligo o carro e conduzo até casa.
Embrulhado no silêncio, na ausência do ruído das buzinas quando o sinal vermelho muda para verde e o primeiro carro da fila demora mais do que meio segundo para acelerar. Iluminado pela cor alaranjada do céu e dos últimos raios do sol que desaparece pelo horizonte e por entre os prédios mais altos e as árvores de tamanhos anormais que lhes fazem competência.
- Obrigado.
Agradeço ao homem, que tenho quase a certeza que mora no apartamento dois andares abaixo do meu, por segurar a porta do prédio antes de desaparecer do meu campo de visão. Pressiono o botão junto do elevador e as portas cinzentas abrem-se de imediato. Entro, carrego no botão com o número cinco desenhado e quando as portas se voltam a abrir, saio e percorro o pequeno corredor que me leva até à porta de minha casa.
Penduro a gravata e o smoking no cabide alto atrás da porta assim que a abro e sem me preocupar com rigorosamente mais nada, vou até à casa de banho e entro na box.
Deixo a água fria correr-me pelas costas e levar todas as preocupações e tensão acumulada durante o dia. A queda das ações. A descida no ranking de melhores escritórios de advogados do país. A diferença negativa entre os lucros e as despesas. A hipótese dos despedimentos. Tudo isso pelo mesmo ralo onde a água desaparece.
O som desesperado da campainha ecoa-se pelo apartamento e apenas tenho tempo de enrolar uma toalha à cintura antes de ser levado à loucura pelo ruído agudo que se espalha através das paredes. Deixo um rastro de gotas de água pelo corredor e uma pequena poça quando me detenho junto da porta e espreito pelo binóculo da mesma. Inevitavelmente, um sorriso aparece no meu rosto e todo o incômodo deixado pelo barulho da campainha desaparece.
- Um jantar a dois. Parece-me bem.
Abro a porta e ela entra com alguma rapidez.
- Recebes toda a gente assim? De toalha? - desliza o olhar pelo meu corpo e posso jurar que as suas bochechas coram
- Não, não te preocupes. Estão reservados só para ti - passo a mão pelos músculos da minha barriga que ainda continuam húmidos.
- Podes vestir-te? Precisamos de falar.
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𝑑𝑖𝑧-𝑚𝑒 𝑞𝑢𝑒 𝑚𝑒 𝑎𝑚𝑎𝑠
RomanceTrês foram os anos que ele se aguentou sem a sua âncora e submergido nos seus próprios demónios que não tiveram piedade alguma em afundá-lo num mar escuro. Agora que, por uma casualidade do destino, ela está de volta, Leonardo vai lutar pela mulher...