- Depois de vos ouvir e...
O toque alarmante de um telemóvel ecoa pelo pequeno gabinete e, pela primeira vez, os nossos dedos sentem a brisa amena que entra pela janela aberta, antes de separar as nossas mãos e procurar no bolso interior do smoking o aparelho.
- Esteja à vontade, Leonardo. Pode atender, se precisar.
- Eu já volto - desliza rapidamente o dedo na tela, no mesmo segundo em que se levanta e abre a porta branca nas minhas costas - Sim, Clara?
Ainda ouço o seu murmuro, no entanto, e dada à pequena confusão instalada no corredor forrado de portas abertas, a fechadura metálica da barreira que nos separa, faz-se ouvir no silêncio altamente desconfortável que se instala.
O olhar da mulher com um cartão de psiquiatra ao pescoço, permanece no ecrã do computador onde, num dedilhar apressado, preenche os espaços, ainda, em branco do documento personalizado com o logotipo da clínica.
- Fiquei bastante feliz por ter aparecido, mas mentir-lhe-ia se dissesse que não fiquei surpreendida - rompe o silêncio
- Não foi fácil convencer o Leonardo. A Isabel acha que fiz bem em vir?
Afasta o seu olhar escuro do ecrã e concentra-se em mim.
- Completamente. Ambas sabemos que, debaixo daquele muro indestrutível, está um homem bastante frágil. E, assim como temos alguém que nos dê apoio quando adoecemos, cada pessoa que cruza a linha de entrada desta clínica, necessita de ter alguém ao seu lado.
- Estou completamente de acordo, mas experimente fazer o Leonardo entender isso. Tente fazê-lo compreender que não há razões para se esconder de mim no que toca, particularmente, à doença.
- Sente que o Leonardo, pelo menos nesse aspeto, se desvaloriza em relação às outras pessoas?
- Totalmente.
Acomoda-se na cadeira da mesma cor das suas unhas.
Rosa brilhante.
- Chama-se complexo de inferioridade e, ao que tudo indica, é mais uma manifestação da doença. A lista de causas é extensa, mas a ver por todo o passado que o Leonardo me foi desvelando, a mais lógica é a relação que mantinha com os pais. Ou a falta dela - entrelaça os seus próprios dedos sob a mesa - O Leonardo receia voltar a ser rejeitado por aqueles que ama. Seja por si, pela irmã ou, até mesmo, pelo filho. E crê que a sua condição é razão suficiente para essas pessoas o abandonarem, por isso, decide afastá-las de tudo o que tenha a ver com o seu estado mental. É algo que vai melhorando, progressivamente, com o tempo. Até lá, a Madalena, tem a missão de o apoiar nas pequenas partilhas que ele começar a fazer. Sem pressões. Até porque o Leonardo enfrentou tudo isto, sozinho, durante três anos, deixe-o habituar-se à ideia que essa solidão terminou, mas não o sufoque com a sua preocupação.
- Como assim?
- O que quero dizer é que, a preocupação que sente por ele existe e é perfeitamente normal, mas haverá dias em que não pode ser tão transparente. Deixe o Leonardo tomar a iniciativa e dizer-lhe, por exemplo, que tem uma consulta marcada comigo no próximo mês ou que se sentiu um pou...
O sonido metálico da fechadura ecoa, uma vez mais, pelas paredes brancas e vazias de qualquer tipo de decoração, antes de me remexer na cadeira e vê-lo entrar com a segurança que lhe tem escapado, por entre os dedos, desde a primeira vez que respirou o ar sensibilizado pela crueldade das mentes adoecidas.
- Está tudo bem com a Clara? - murmuro com olhar enlaçado no seu, enquanto se acomoda na cadeira posicionada ao meu lado
- Tinha uma dúvida nos trabalhos de matemática.
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𝑑𝑖𝑧-𝑚𝑒 𝑞𝑢𝑒 𝑚𝑒 𝑎𝑚𝑎𝑠
RomanceTrês foram os anos que ele se aguentou sem a sua âncora e submergido nos seus próprios demónios que não tiveram piedade alguma em afundá-lo num mar escuro. Agora que, por uma casualidade do destino, ela está de volta, Leonardo vai lutar pela mulher...