20 | a partida

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Tudo à nossa volta desaparece.

Desvanece.

Funde-se.

Somos apenas nós.

Ele, eu e algo difícil de descodificar que se intromete na distância invisível entre os nossos corpos. Não há tendas a uns metros de nós, não há pessoas que se juntam no terreno baldio para jogar uma partida de futebol, não há crianças a correr de um lado para o outro como se a vida delas fosse depender disso. O chilrear dos pássaros e os sons dos restantes animais ouvem-se algures a uma distância tão longínqua que quase se torna inaudível.

Contudo, há um sol, ou o que resta dele, tímido que se esconde por detrás das colinas e deixa um rasto de raios alaranjados no céu e no seu rosto.

Há dois braços que o envolvem como se a força que o tem vindo a sustentar por muito tempo desaparecesse e deixasse-o cair junto dos meus pés, como um copo que escorrega das nossas mãos e parte-se em mil e um pedaços ao nosso redor. Há dois braços que me envolvem como se eu fosse fugir, assim como uma criança que corre depois de tocar na campainha de um desconhecido. Há o cheiro a menta do seu cabelo e o aroma masculino que o caracteriza. Uma fragrância forte, doce e extremamente agradável. Há o conforto moldado pelos nossos corpos.

E há tantas outras coisas que se torna difícil identificá-las.

Exprimi-las.

Senti-las.

- Perdoa-me.

Os seus lábios quase roçam no meu ouvido num sussurro tão súbtil que por segundos tenho dúvidas do que acabo de ouvir.

Uma voz rouca.

Magoada.

Sincera.

E um arrepio.

Um arrepio na espinha, um frio no estômago e a aceleração dos meus batimentos.

- Desculpem - uma voz grossa nas minhas costas faz-me afastar do Leonardo - Estamos prontos para começar a partida - informa na direção do Leonardo - Madalena até te convidava, mas já vi que estás ocupada com o saco do gelo - aponta com o queixo para o meu pé - Ainda assim, porque não te juntas a nós? Algumas pessoas, como não querem participar, vão ficar sentadas naqueles bancos.

Assim que dou um leve assentir com a cabeça, ele vira-me as costas e começa a caminhar em direção ao campo de futebol improvisado. Dois bancos em cada lado do chão de terra para simbolizar as balizas e nove pessoas em roda que falam entre si.

- Ajudas-me?

- Sempre às tuas ordens - os seus lábios encurvam-se - Senta-te na mesa e agarra-te a mim.

Rapidamente faço o que ele diz e com uma facilidade absurda suporta-me nas suas costas.

- Começo a achar que gostas de estar presa à minha cintura e isso agrada-me... - deixo escapar um sorriso porque sei que ele não o vê

- Vou te deixar no teu mundo de fantasias - ouço-o gargalhar - Não sabia que gostavas de jogar futebol...

- Não? Pois, fica sabendo que quando era mais novo queria ser jogador.

- E como é que passas de futuro jogador a advogado?

Pousa-me com cuidado num dos bancos junto das restantes pessoas que esperam pelo início da partida.

- Chamemos-lhe de lesão.

Algo de oculto roça as suas palavras antes de me virar as costas e juntar-se às pessoas que o esperam para começar a partida.

𝑑𝑖𝑧-𝑚𝑒 𝑞𝑢𝑒 𝑚𝑒 𝑎𝑚𝑎𝑠Onde histórias criam vida. Descubra agora