37 | as nossas melhores testemunhas

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Leonardo

Na pouca claridade que nos ilumina há uma música que vibra ao ritmo lento com que os nossos corpos se roçam e balançam com tranquilidade.

A minha mão presa na sua com a certeza de que esta noite não fugirá do precipício que o destino nos tem vindo a obrigar a caminhar até à borda sob ameaça de um empurrão bastante forte que nos fará, ou não, cair naquele que é o abismo do amor.

O abismo que, por muito tempo, tentei escapar. E falhei como um tolo. Porque aqui estamos os dois. De mãos dadas, corpos colados, almas entrelaçadas e uma música que nos descreve quase na perfeição debaixo daquelas que serão sempre as nossas testemunhas perfeitas: as estrelas.

Uma música que fala de uma alma que deambula por uma cidade em busca de alguém que cure as feridas abertas num passado longínquo, debaixo da única luz que a ilumina: a claridade das estrelas, e sobre um caminho de sensações e miragens que insistem em conduzi-la à peça que o completa.

À mesma peça com quem dança à sombra de uma enchente de olhares depois de jurar que tudo é como um boomerang.

Tudo vai e tudo volta, ainda que não seja à posição de onde partiu.

A alguém a quem não soube segurar pela cobardia da verdade e a fraqueza das palavras.

- Alguma vez te questionaste sobre a Phoenix?

Um misto de confusão e curiosidade circula pelo brilho das suas pequenas ovais acinzentadas.

- Aquela noite que nos conhecemos foi uma noite especial e única - ajeito a minha mão nas suas costas descobertas e quase como um gesto automático, começo a fazer-lhe carícias com o polegar - A Phoenix é uma constelação que pertence ao Hemisfério Sul e no local onde estávamos nunca poderíamos vê-la - tenta dizer algo - A menos que fosse uma noite especial. Explicar-te-ia o porquê de, naquele dia, ela estar visível, mas creio que não haja uma explicação para isso. Pelo menos nas pesquisas que fiz.

- Mas tenho a certeza que tu arranjaste uma explicação para tal ter acontecido... - oferece-me um sorriso desafiador

- Digamos que me faz um pouco de confusão não ter respostas para as minhas questões, por isso... sim. Arranjei uma explicação. E não é nada mais, nem nada menos, do que o destino.

- Então achas que o destino nos levou àquele jardim naquela noite?

- Não pensas no mesmo? Se bem me lembro, um dia disseste-me que depois do acidente não tinhas voltado a sair e naquele dia, por alguma razão, aceitaste o convite da Clara - parece concordar comigo - Agora, foca-te na Fénix. Não na constelação, mas na lenda.

Os seus olhos semicerram-se e na sua testa nasce um par de rugas perante a sua confusão. Por segundos, tenho a sensação que ouço as suas engrenagens chiarem ao tentarem acompanhar a velocidade absurda dos seus pensamentos.

- A lenda que diz que, depois da sua morte, a Fénix renascia das suas próprias cinzas?

- Essa mesma.

Sem nunca quebrar a dança que os nossos olhos já se habituaram a dançar sempre que se encontram, liberto a sua mão e rodeio a sua cintura com os meus braços um pouco a medo de que o arrependimento que ainda não invadiu a sua mente, possa nos saudar agora que as minhas mãos a puxam um pouco mais para o meu corpo. Quase como uma necessidade de fundi-lo com o meu e completar as minhas brechas com tudo o que lhe pertence.

- O nome Phoenix surgiu dessa lenda - contínuo - E algo me diz que nós somos uma Fénix e por isso não foi coincidência ela aparecer justamente naquela noite. Querendo ou não, aqueles doze pontos irão sempre marcar as nossas vidas. Foi naquela noite que começou a nossa história. E talvez... naquela altura fossemos a pessoa certa no momento errado um do outro, mas quando tens sorte suficiente para encontrar essa tal pessoa certa, o momento errado é apenas algo temporal - aproximo o meu rosto do seu e sinto que a sua respiração, por uns segundos, deixa de existir - Nós somos como uma Fénix. Não importa as vezes que possamos nos separar, de uma maneira ou de outra, voltaremos a renascer. Porque nós, Madalena... nós somos a pessoa certa um do outro e o momento errado nunca será uma sentença.

Dois pensamentos surgem a toda a velocidade na minha mente. O primeiro que tenho mais vontade de beijá-la do que respirar. O segundo que vou mandar à merda a promessa que lhe fiz há uns dias de que respeitaria o seu tempo assim como ela fez comigo.

E mando. Mando tudo à merda no segundo que seguro o seu rosto entre as minhas mãos e colo os meus lábios aos seus.

Submerso na certeza de que os seus lábios mergulhados nos meus são o final do abismo para o qual temos vindo a ser empurrados.

Asfixiado pelo ar que se escassa a cada segundo que as nossas línguas comunicam entre elas e recuperam o tempo em que se perderam uma da outra. E talvez a maior asfixia não seja do pouco ar que me resta, mas sim de todo aquele que perdi depois de a ter deixado ir. Porque esse é, foi e será sempre o seu propósito. Mostrar-me que viver vai muito além da sobrevivência e que fazê-lo não é tão mau quanto parece. Especialmente se for ao seu lado.

- Volta-me a pedir tempo e eu juro que te beijo até perceberes que tempo é o último que precisas neste momento.

Com a testa colada à sua, inspiro o máximo de ar que consigo para tentar atender aos pedidos de socorro dos meus pulmões e, de certa forma, dar um pequeno descanso ao músculo que ameaça explodir dentro do meu peito.

- Leo... - massaja-me a nuca - Continuo a achar que preciso de um pouco mais de tempo...

Por uns segundos sinto a garganta secar e uma dor cortante que desliza pelo meu coração, mas as curvas que os seus lábios fazem são o suficiente para demolir as toneladas de areia que se acumularam nos meus ombros nesses mesmos segundos.

- Estás a brincar com o fogo, Nena, e vais te queimar - deslizo a ponta dos meus dedos até ao fundo das suas costas - Volta a dizer-me isso quando estivermos em casa e vais ver como mudas de opinião.

- É uma advertência?

O seu polegar roça a comissura dos meus lábios para, seguramente, eliminar os vestígios avermelhados do seu batom.

- É um spoiler do que vai acontecer - repito o seu gesto, dando o meu melhor para conseguir reparar os estragos feitos pela minha boca - Por agora vamo-nos focar no cliente que tens ali em cima - aponto com o queixo para o terraço cheio de gente - Tenho a certeza que ele não gosta de esperar.

E, de repente, com o seu pequeno corpo envolvido pelos meus braços e a sua cabeça deitada no meu peito, o meu coração encontra paz.

As feridas que, em outros tempos, esvaíam-se em sangue, agora não são nada mais do que cicatrizes quase imperceptíveis.
Daquelas que é necessário analisarmos cada centímetro de pele para encontrar os poucos milímetros que marcam a dor que agora nada mais é do que uma simples recordação.

- Podemos... - o eco dos seus sapatos a bater no chão da calçada torna-se mais alto do que nunca, no segundo em que a sua atenção desce até às nossas mãos entrelaçadas que balançam à medida que avançamos pelo caminho rústico que nos levará até ao terraço repleto de gente - Podemos ir com calma?

- Em que estás a pensar, exatamente?

- Que, aconteça o que acontecer entre nós os dois, teremos sempre de manter uma relação por causa do Leo e...

- Tens medo que volte a acontecer o que aconteceu... - assente - Madalena, eu esperei por ti três anos e voltaria a esperá-los sem problema algum. Porque não o fiz por ti. Fi-lo por mim. Porque encontrar uma mulher que me faça sentir metade daquilo que tu me fazes sentir, é impossível de encontrar. Eu só preciso de te ter ao meu lado para estar bem comigo mesmo e não me importa uma merda se casamos daqui a dez anos ou amanhã.

𝑑𝑖𝑧-𝑚𝑒 𝑞𝑢𝑒 𝑚𝑒 𝑎𝑚𝑎𝑠Onde histórias criam vida. Descubra agora