Há uma parte de mim, a racional, que deseja ver o Leonardo hoje à tarde no meu escritório porque isso significa que está disposto a lutar pelo filho e tentar ser pai, se é que se pode chamar assim.
A outra parte, a emocional, e aquela que, claramente, pesa muito mais, não quer vê-lo e se isso acontecer estou segura que vou batalhar contra uma vontade enorme de o arrastar até à porta de saída e gritar-lhe para que nunca mais apareça.
- Há algo que te quero perguntar e não sei exatamente como fazê-lo...
Quando alguém nos diz que não sabe como nos perguntar algo é porque, seguramente, essa pergunta nos vai magoar independentemente da forma como é abordada e a ver pela forma como o Francisco remexe o café com a colher uma e outra vez, tenho a certeza que o nome que circula a velocidades extremas na sua mente é apenas um: Leonardo.
- Quem foi o pai do Leo para ti?
Como eu disse. Quando alguém nos diz que não sabe como nos perguntar algo é porque, seguramente, nos vai magoar.
Quem foi o Leonardo para mim? Tudo. Antes não acreditava na lengalenga de viver por alguém, mas depois de o conhecer percebi que a minha vida tinha sido feita para ele.
Eu não queria saber se o meu coração batia ou se os meus pulmões funcionavam desde que os de ele trabalhassem porque se ele estava vivo, eu também estava, e se ele desistisse de viver então eu também o faria e muito antes que ele me deixasse.
Viver sem ele era atravessar o inferno num passo lento de maneira a sentir o calor das chamas em cada milímetro da minha pele. E quando me vi sozinha do outro lado do oceano percebi que antes de se amar profundamente, não se viveu ainda e depois começa-se a morrer lenta e dolorosamente.
Portanto, agora, a grande questão não é quem foi o Leonardo para mim, mas sim quem é, e curiosamente tem o mesmo número de letras.
Nada.
Rigorosamente nada.
Porque quando amas alguém dás-lhe o poder de te destruir da forma que queira e a Madalena que estava loucamente enamorada por aquele homem de cabelo cor de avelã e olhos turquesa morreu no mesmo segundo que uma mulher chamada Isabel atendeu o décimo terceiro telefonema e disse para não voltar a ligar porque ele tinha seguido em frente.
- Um erro que ironicamente me deu o melhor que tenho na vida - acabo por responder - Vou buscar o Leo ao quarto, já estamos a ficar atrasados.
- Pensas contar-lhe sobre o pai? - pega na caneca do café e larga-a no lava louças
- Se houver necessidade disso. Não lhe quero dar falsas esperanças.
Não lhe quero dar falsas esperanças porque o Leonardo é um íman de destruição e por mais cobarde que seja, porque é, não é egoísta e tenho a certeza que vai pensar mais do que duas vezes antes de se infiltrar na vida do filho e magoá-lo.
Ou pelo menos é nisso que quero acreditar.
Quero crer que hoje não vai colocar os pés no meu escritório para discutirmos o futuro de alguém que ele desconhecia até há umas horas.
- Vamos, filho, queres que te ajude a vestir o casaco?
Faz um movimento lento com a cabeça de um lado para o outro e começa a introduzir os braços dentro das mangas do casaco.
Não me lembro de quando o começou a fazer, mas há um par de semanas que já se veste sozinho, e sempre que o faz o meu coração dá uma série de cambalhotas dentro do meu peito.
- Vais estar presente quando me encontrar com o pai do Leo?
- Queres que esteja?
- Claro. Tu tens sido um pai para o meu filho por isso todas as decisões que lhe dizem respeito também te dizem a ti.
- Lá estarei então - afundo os meus lábios nos seus - Amo-te.
- Amo-te.
Foi numa quarta-feira à noite que voltei a dizer «amo-te» a alguém. Foi no dia em que fez um ano desde que nos tínhamos conhecido e seis meses desde que tínhamos começado a namorar.
O Leo tinha feito um ano dois dias antes e a Núria obrigou-me a deixá-lo em sua casa para aproveitar a noite sem preocupações ou choros que pudessem interromper o jantar.
E a meio do jantar quando já estávamos na sobremesa a palavra «amo-te» saiu-me pelos lábios com a maior naturalidade possível.
Era como se levasse a minha vida inteira a dizer-lhe aquelas cinco letras quando na verdade foi a primeira de muitas vezes.
- Porta-te bem, Leo.
Aperto-o contra o meu peito e despeço-me dele com um beijo no rosto.
Não quero deixá-lo ir.
Quero roubar o planeta vizinho e mudar-me para lá com ele para que ninguém nos separe, mas sei que isso não pode acontecer, até porque o mais provável é que não sobreviveríamos em Marte, por isso deixo-o ir juntamente com as outras crianças e conduzo até ao meu escritório.
A Legal Vision nasceu há dois anos, quatro meses depois de regressar dos Estados Unidos, e foi mais uma ideia do Francisco do que minha.
Não estava nos meus planos abrir um escritório meu e muito menos na cidade que me viu dizer adeus lavada em lágrimas meses antes da abertura da empresa.
E o que mais me surpreende nem sequer é o facto de em tão pouco tempo se ter tornado no segundo melhor escritório do país, mas sim o Leonardo não ter percebido que quem estava por detrás da Legal Vision era eu.
Ou talvez tenha percebido e, uma vez mais, decidiu fingir que eu não existia, o que, por um lado, até lhe tenho a agradecer por isso.
Os anos que me ignorou foram sem dúvida os melhores da minha vida, isto claro, depois de ter superado a brecha que deixou no centro do meio peito.
- Bom dia, Miguel. Podes vir ao meu gabinete?
- Novidades com o cliente do Sul?
Novidades negativas, sim, mas ainda há esperança de conseguir assinar todos os documentos para o representar, e tenciono lutar até ao último milésimo para o conseguir, por isso não há necessidade de espalhar a notícia que há mais alguns escritórios envolvidos no negócio, basta baixar um pouco mais as exigências e cruzar os dedos para que consigamos que o cliente do Sul seja nosso.
No fim de contas é assim que os negócios funcionam, uma boa capacidade de negociação, obviamente, e muita sorte.
- Lembraste-te do Leonardo? - sento-me na minha cadeira
- O Menezes? - assinto - Claro, roubou-me a oportunidade de sair contigo há uns anos. Até hoje me pergunto como é que ele não me bateu naquele jantar de comemoração dos dez anos da empresa do pai.
- Merecias que ele o tivesse feito. Enfim, só te queria dizer que é possível que o vejas hoje - abre para a boca para, seguramente, esclarecer as suas dúvidas - É uma longa história.
Uma longa história que, apesar de me ter dado o melhor que tenho na vida, é algo que quero esquecer.
Tinha tudo para dar um conto de fadas e, invés disso, acabou por ser um conto de falhas.
Muitas falhas.
As horas passam e quando deixo de trabalhar nos julgamentos marcados para a próxima semana percebo que estou sozinha no escritório.
A única luz que se mantém acesa é a do candeeiro da minha secretária e o único som audível é o da minha respiração.
Devia ter saído há pelo menos duas horas para ir buscar o Leo ao colégio e invés disso agarrei-me à mínima esperança que me restava acreditando que o Leonardo pudesse realmente querer envolver-se na vida do filho.
Confiro as notificações do telemóvel e respiro fundo quando uma das mensagens é do Francisco a dar-me conta que foi buscar o Leo à escola e que estão os dois em casa a jantar.
Desligo o computador, organizo os papéis nas pastas e assim que me levanto da minha cadeira ouço uns passos do lado de fora da porta.
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𝑑𝑖𝑧-𝑚𝑒 𝑞𝑢𝑒 𝑚𝑒 𝑎𝑚𝑎𝑠
RomanceTrês foram os anos que ele se aguentou sem a sua âncora e submergido nos seus próprios demónios que não tiveram piedade alguma em afundá-lo num mar escuro. Agora que, por uma casualidade do destino, ela está de volta, Leonardo vai lutar pela mulher...