Três toques com os nódulos dos dedos antes de eu dar autorização para a porta se abrir, e ao contrário do que eu pensei por uns milésimos de segundo, não é o Leonardo quem entra, mas sim o segurança de serviço.
- Doutora Madalena, desculpe incomodá-la, mas há várias horas que está um homem em frente da porta da rua, não será melhor chamar a polícia?
Não preciso que o senhor Joaquim me descreva o tal homem para saber de quem se trata, ainda assim decido espreitar por entre as persianas para confirmar que é o Leonardo o que só serve para agravar a minha dúvida.
Devo alegrar-me por ele aparecer ou preocupar-me por não ter tomado iniciativa de subir e falar comigo?
Porque apenas uma coisa o pode ter levado a passar as últimas horas encostado ao carro: a incerteza.
Não sabe o que fazer ou sequer se quer fazê-lo e não o julgo nessa questão até porque se, hipoteticamente, descobrisse de um dia para o outro que tinha um filho de três anos, a minha reação seria mais ou menos a mesma e por isso mesmo, não são as suas dúvidas que me preocupam, mas sim o poder de destruição que arrasta com elas porque, inconsciente, quando não sabemos o que queremos acabamos por magoar quem nos rodeia.
E o Leonardo é, claramente, alguém que atrai a desilusão com alguma facilidade.
- Não duvides, nem sequer por um segundo, a minha vontade de subir - diz sem tirar o olhar do chão assim que abro a janela
Não duvido? É alguma espécie de piada?
Claro que duvido, se ele estivesse certo da sua vontade já teria subido há muito tempo.
Já teríamos-nos sentado frente a frente para discutir o futuro do nosso filho.
E muito provavelmente já estaria em casa a ser consolada pelos braços do Francisco.
Invés disso estou apoiada sobre o parapeito da janela do meu escritório a dar mais uma, entre tantas outras, oportunidades a alguém que me abandonou quando mais necessitei.
O seu olhar cruza com o meu e o único que consigo ver no seu rosto é a imagem do nosso filho e não consigo não me sentir traicionada pelo meu próprio corpo por não ter produzido alguém com algumas feições minhas.
Afasta o seu corpo do carro e por segundos a imagem dele a entrar no carro e desaparecer como se nada fosse circula na minha mente, no entanto ouço os degraus da escada a ranger à medida que os sobe.
- Senta-te.
Antes de o fazer, inspeciona cada milímetro do meu gabinete.
As prateleiras.
O sofá de cor acinzentada.
O quadro com uma frase motivacional pendurado na parede.
As duas cadeiras à sua frente.
E a moldura em cima da minha secretária. Um menino que prende dois pedaços de mar nos olhos.
- Ele sabe quem sou?
- Ainda não, para ser sincera nem eu, nem o Francisco acreditávamos que ias aparecer - confusão passeia pelos seus olhos - É o meu noivo.
Algo que não consigo descodificar muda no seu rosto antes de descer a sua atenção até ao meu dedo e confirmar, através da aliança, o que acabo de dizer.
- Eu tinha pensado...
O som do meu telemóvel interrompe-me.
O meu primeiro instinto é desligá-lo até porque necessito urgentemente que o Leonardo saía da minha frente e isso só vai acontecer quando discutirmos a divisão do tempo do Leo, no entanto assim que vejo o nome do Francisco aparecer na tela mudo rapidamente de opinião e atendo a chamada.

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𝑑𝑖𝑧-𝑚𝑒 𝑞𝑢𝑒 𝑚𝑒 𝑎𝑚𝑎𝑠
RomansTrês foram os anos que ele se aguentou sem a sua âncora e submergido nos seus próprios demónios que não tiveram piedade alguma em afundá-lo num mar escuro. Agora que, por uma casualidade do destino, ela está de volta, Leonardo vai lutar pela mulher...