Era um dia chuvoso. O frio envolvia o local tornando o clima perfeito...
Perfeito para se estar em casa...
E eu estava indo para a minha! A biblioteca. Há um mês esse era o meu único lar, meu porto seguro. Depois que fui obrigada a ir morar com minha tia e os filhos insuportáveis dela nunca mais tive um verdadeiro "lar" para onde voltar depois de um dia cansativo no colégio. Sinceramente eu preferia passar o dia inteiro no colégio, incluindo finais de semana e feriados, mesmo sendo ignorada e excluída por todos, do que ter que voltar todo dia para aquela Casa do Terror. Principalmente depois de ter descoberto aquele paraíso dos deuses que era a biblioteca, o único lugar aceitável e sossegado do colégio. Enquanto todos estavam pelos corredores conversando, namorando e me ignorando completamente, eu me dirigi para o Santuário dos Livros.
E sim, esse era o nome da biblioteca...
Abri a porta lentamente e automaticamente fechei os olhos, desfrutando do aroma dos livros antigos misturados a livros novos que me envolveu completamente. Puxei as mangas do casaco até os pulsos e pus o capuz sobre a cabeça. Abri os olhos e observei, continuava a mesma de ontem, do dia anterior a ontem e do dia anterior aquele. Era o algo concreto, imutável da minha vida e eu precisava disso, eu gostava disso, dessa rotina bibliotecária, dela estar sempre do mesmo jeito. O ar condicionado parecia estar no máximo e seu cheiro mecânico tentava tomar o aroma dos livros para ele, mas eu não me importava. Como ligar para o frio quando se esta no aconchego de casa?
- Bom dia Ana! – sorri para a bibliotecária. Desde que descobri a biblioteca, Ana foi com quem mais me identifiquei. As outras bibliotecárias eram velhas e rabugentas, trabalhavam com desgosto e mau humor, mas Ana amava o que fazia. Era jovem, simpática e amava livros, combinação perfeita para ser uma boa amiga.
- Bom dia Duda, quais livros vai adotar hoje? – Ela falou correspondendo ao sorriso e tomando um gole de seu café.
- Quantos eu conseguir carregar! Se eu já não tiver lido todos... – E olhei ao redor da biblioteca esperando que alguma harpiotecária, nome gentil que dei as velhinhas bibliotecárias rabugentas, aparecesse e me mandasse falar baixo, mas não tinha mais ninguém ali. – Não há mais ninguém com você hoje? Ou as harpiotecárias estão se escondendo para me dar um susto?
- Harpiotecárias. Nunca me canso desse apelido. Mas acho que Hades já levou todas elas para sofrerem no Mundo Inferior ou, como é chamado aqui, o Dia de Folga! – Ela falou com uma voz assustadora e nós caímos na risada. Sim, ela também era super fã de mitologia grega o que me fazia gostar ainda mais dela. E em meio às risadas ela completou: - Não, hoje serei apenas eu aqui. Então seja bem vinda, mais uma vez, e divirta-se! Qualquer dúvida é só chamar, o que acho meio difícil já que você conhece essa biblioteca melhor do que qualquer um.
Ela piscou pra mim e voltou a trabalhar no computador. Agradeci e segui para os corredores que possuíam estantes que chegavam ao teto, abarrotadas de livros. Segui para um corredor que eu conhecia bem e na placa, um pouco apagada, ainda lia-se "Literatura Estrangeira Ficcional". Andei por ele passando o dedo por todos os livros, procurando algum que ainda não tivesse lido. Sem sucesso, continuei folheando todos os livros até chegar ao final do corredor, quando vi um livro que me chamou a atenção. Não apenas por nunca tê-lo lido, mas porque ele nunca estivera naquela estante (e olha que eu conhecia cada livro daquele corredor!) e eu podia jurar que alguns minutos atrás ele nem estava ali, como se tivesse surgido num passe de mágica. Peguei-o e na capa, com letras em alto relevo, estava escrito "O Ladrão de Raios".
- Baby, eu escolho você! – Como se o livro pudesse me responder...
Estava me dirigindo de volta para o balcão de aluguel de livros quando ouvi uma risada atrás de mim. Melodiosa e simples, mas que tomou todo o corredor. Olhei para frente e esperei com todas as minhas forças que fosse apenas a risada leve e alegre de Ana, mas ela continuava trabalhando no computador, no mesmo lugar, e eu conhecia muito bem sua risada e aquela que soou com certeza não era dela. E ela havia dito que ninguém estaria trabalhando hoje além dela. E de alguma forma eu sabia, eu sentia, que aquela risada não era de uma bibliotecária comum, não era de alguém comum. Eu gelei da cabeça aos pés e meu coração bateu cada vez mais rápido a medida que eu me virava para ver quem estava atrás de mim e, quando vi, meu susto foi ainda maior.
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Realidade Imaginária
FantasyE se deuses, semideuses e monstros forem reais? E se toda a história do livro realmente aconteceu? E se algumas palavras pudessem mudar o curso do destino? Quando a leitura é sua arma mais poderosa, é preciso empunhá-la com sabedoria, pois o destino...