CAPÍTULO 22

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— Isso aqui é alto. — sussurro, arrancando um sorriso de Gabriel.

— Isso é muito legal. — corrige ele, parado ao meu lado enquanto tento criar coragem.

Encaro a pequena descida do morro de neve, enquanto outras pessoas começam a descer e praticar esqui. Todos parecem felizes, mesmo caindo, mas isso não diminui meu medo.

— Vamos devagar. — repete Gabriel, como já havia me dito há cinco minutos ao me convencer a descer.

— Ok. — respondo, como a minuto atrás.

— Você só precisa dar um impulso e então vamos começar a esquiar. — fala, imitando o gesto com os bastões que está segurando.

Olho para ele, tentando encontrar conforto em sua expressão confiante e brincalhona, mas tudo o que encontro é o seu rosto quase todo coberto pelos óculos grande de proteção, o gorro e a gola do casaco. Apesar de estarmos vestindo as mesmas roupas, me sinto exposta ao extremo e nem um pouco segura de mim mesma.

— Ok. — repito, respirando fundo mais uma vez e copiando o movimento que ele fez antes.

Finco meus bastões na neve, me impulsiono para a frente e me sinto deslizar. Tento me manter equilibrada e concentrada, enquanto Gabriel me acompanhada na mesma velocidade.

— Isso! Você conseguiu! — ele sorri. — Agora mais uma vez.

Faço o movimento novamente e pego mais um pouco de velocidade e dessa vez o meu coração começa a se agitar dentro do peito. Posso sentir meu corpo todo tremer de medo e frio, enquanto tento respirar calmamente e me manter tranquila.

— Como que eu faço pra parar? — pergunto, temendo que eu pegue mais velocidade e acabe de encontro com uma árvore.

— Só abrir as pernas e apontar os esquis pra dentro. — responde, e o vejo fazer a técnica e parar atrás de mim, enquanto continuo a seguir em frente.

Gabriel acena com a mão para que eu continue quando vê que estou prestes a copiar o movimento e se apressa a ficar ao meu lado. Ele pega mais velocidade do que antes e acaba passando de mim, e apenas o vejo erguer as mãos para o alto e rir alegremente, como uma criança pequena em um parque de diversões.

Acabo sorrindo com a cena, pensando que nós jamais conseguiríamos presenciar esse momento maravilhoso e excitante em nossas antigas vidas. Nós nunca sequer pensamos que poderíamos fugir do nosso bairro, apesar de planejarmos muito, mas mesmo assim nós sonhávamos que um dia poderíamos ter a infância que sempre quisemos.

Pego mais um pouco de velocidade e logo consigo alcançá-lo, vendo sua surpresa ao me ver.

Admito que meu coração está martelando loucamente contra o meu peito, que minha respiração está ofegante e que estou suando frio, mesmo que eu esteja com um sorriso no rosto. O vento está acertando minhas bochechas frias e algumas mechas do meu cabelo que escaparam do gorro e do casaco estão voando conforme pegamos mais velocidade.

Apesar de só conseguir ir reto, sem se mover muito ou fazer uma curva, nós chegamos ao fim da pista para iniciantes alguns minutos depois, ao lado do teleférico.

— Meu Deus, eu estou tremendo. — sussurro, sentada em um degrau de escada enquanto Gabriel tira os meus esquis.

— Mas foi o máximo, não foi? — diz, com o mesmo sorriso fofo e infantil no rosto.

— Você não estava com medo?

— Estava me cagando, pra falar a verdade. — admite, me fazendo rir. — Mas eu queria parecer forte pra você conseguir esquiar.

— Obrigado, Gabriel. — agradeço.

Ele sorri para mim e seus olhos gentis e alegres aquecem meu coração nesse clima frio e congelante. Passo a mão pelo seu rosto, agora livre dos óculos, e acaricio sua bochecha. Gabriel preenche o espaço que há entre nós e me beija, apoiando sua mão atrás da minha cabeça, intensificando nosso beijo.

— Minha nossa, arrumem um quarto.

Gabriel se afasta assim que ouvimos a voz irritante e chata de Jessy e a observamos se aproximar com Dylan, Erick e Michael.

— Sei que vocês são dois pontinhos apaixonados que se declararam, mas precisam fazer isso em quatro paredes. — continua ela, tirando os óculos e se aproximando de nós ainda em cima dos esquis.

Os outros repetem o gesto dela e posso ver a expressão vigilante de Michael, o rosto entediado de Erick e o de Dylan assustado.

— Eu odeio essas coisas. — fala Dylan, andando como se fosse um pinguim todo desengonçado.

— Então por que você veio? — pergunta Erick, com a voz em um tom neutro, mas claramente provocativo.

— Não existem muitas coisas pra se fazer em um resort, sabia? A não ser que eu queria ficar sentado ouvindo a conversa entediante dos meus pais com o amigo dele. — Dylan revira os olhos e despenca ao meu lado, fazendo uma carinha de coitado e olhando para Gabriel, enquanto ergue um dos pés. — Você pode tirar os meus também?

— Jura? — questiona Gabriel, erguendo uma sobrancelha.

— Não fui eu quem colocou esses esquis em mim, foi o instrutor. — explica ele.

— Então peça pra que ele os tire. — fala Gabriel, se levantando e tirando um pouco de neve que ficou nos joelhos. — Vamos.

Ele estende a mão na minha direção e eu a pego, enquanto subimos as escadas com os esquis nas mãos.

— Vocês são maus. — grita Dylan, depois de subirmos alguns degraus, fazendo Gabriel sorrir.

Após chegarmos até lá em cima e conseguirmos pegar um teleférico, começamos a subir de volta até o hotel.

Gabriel permanece parada e imóvel ao meu lado, enquanto seu braço está ao redor de mim. Minha cabeça descansa em seu ombro e meus dedos apertam os seus, sem conseguir olhar para qualquer outro lugar que não seja para a vista a minha frente.

— Aqui não é tão alto. — fala, esfregando minhas costas de um jeito tranquilizador.

Sei que está mentindo, pois aqui é extremamente alto, além do frio horrível e cortante que está me penetrando os ossos. Com certeza o clima frio não é a minha praia, pelo menos não tão severamente, e acabo concordando com o que Berta disse.

Nós continuamos subindo, passando por torres e mais torres, até que meu corpo relaxa finalmente contra o assento quando vejo o hotel a minha frente.

Agarro a barra de segurança quando sinto o veículo balançar mais para a frente e depois parar, nos deixando suspensos a muitos, e muitos metros de altura.

— O que aconteceu? — pergunto, fechando meus olhos e pressionando meu rosto contra o seu ombro.

— Acho que paramos. — responde, e depois acaricia meu rosto. — Devem ter achado que gostaríamos de ver a paisagem e por isso pararam.

— Eu não quero ver nenhuma paisagem. — resmungo, junto do tecido do seu casaco. — Quero pisar em algo firme e sólido.

Ele ri e acaricia meu braço, enquanto me puxa mais contra si.

— Eles já vão fazer com que volte ao normal, não se preocupe. — me reconforta, e beija o topo da minha cabeça. — Vai se sentir melhor se eu te distrair?

Aceno que sim com a cabeça, ainda contra o seu casaco, e o ouço suspirar. Gabriel fica em silêncio por alguns segundos e seus dedos apertam os meus levemente, parecendo hesitantes.

— Então eu vou confessar algo. — fala finalmente, e ergo minha cabeça para poder decifrar a expressão no seu rosto.

— O que foi? — franzo o cenho ao perceber seu nervosismo

— Lembra do dia em que nos conhecemos? — pergunta, sem olhar para mim.

— É claro. — sorrio ao me recordar da lembrança.

Gabriel parece fazer o mesmo, pois um sorriso surge em seus lábios e ele abaixa os olhos para os nossos dedos entrelaçados.

— Eu acho que foi daquele dia em diante que comecei a gostar de você. — ele continua antes que eu possa falar algo. — Sei que é idiota. Nos primeiros meses nós nem conversamos e que só ouvia você chorar por causa de alguém, mas mesmo assim eu sentia algo naquela época. Assim como senti a alguns anos atrás e de como ainda sinto, mesmo sabendo que pra você devo ter sido sempre apenas o irmão mais velho. O que tô querendo dizer é que eu... eu gosto de você.

O encaro sem acreditar, enquanto meu sonho de adolescente e minha paixonite por Gabriel se tornam realidade.

Ele gosta de mim.

Assim como gosto dele e assim como era desde o início da minha adolescência. Tantas noites pensando nele, tantas lágrimas que já derramei por sonhar e saber que isso jamais aconteceria pelo lugar onde morávamos e no fim o sentimento era correspondido.

Lembro dos dias em que passei ao seu lado, planejando meios para sobreviver, planejando permanecer viva para ficar perto dele por mais um dia. Lembro dos dias em que enxugou minhas lágrimas, que segurou minhas mãos e me assegurou que tudo ficaria bem, que nós ficaríamos bem.

— Mesmo? — pergunto em um sussurro, enquanto posso sentir as lágrimas nos meus olhos.

— Mesmo. — ele sorri de um jeito tímido, sem conseguir me encarar ainda. — Pra mim você é a garota mais bonita e forte do mundo.

Minhas bochechas coram ao ouvir o elogio e o frio de repente não é o mais um problema.

— Sabe quando Berta te contou que eu falei a ela que você era bonito? — pergunto, mantendo minha atenção na sua luva sem conseguir controlar minha timidez.

— Sim. — sussurra.

— Naquele dia contei a ela que eu gostava de você quando era mais nova. — espio rapidamente o rosto dele, vendo sua expressão de surpresa e seus lábios entreabertos. — Eu sempre gostei de você também.

A mão livre de Gabriel repousa no meu rosto e minha atenção se volta para ele, no jeito nervoso e indeciso. No jeito como seu peito sobe e desce de maneira rápida, na sua respiração ofegante e na sua boca que inesperadamente estão me provocando. Em resposta, tudo que consigo fazer é me manter estática, esperando para ver o que minha confissão vai proporcionar nele e aguardando minha vergonha ir embora.

— E agora o que você sente? — questiona baixinho, com o rosto perto do meu, os olhos esperançosos pela resposta.

— Isso.

Ergo meu queixo, reduzindo o pouco de espaço em que havia entre nossas bocas, e pressiono meus lábios contra o dele de uma forma urgente e intenso. Um gemido baixo e provocador escapa dos lábios de Gabriel quando nossas línguas se encontram e eu o puxo para mais perto. O som provoca uma sensação deliciosa e excitante no meu corpo e sinto cada membro meu querer se entregar a esse momento.

— Eu quero ficar com você, Em. — sussurra, se afastando rapidamente com a respiração ofegante.

— Então fique. — deposito um beijo longo e suave em seus lábios. — Por favor.

Ele sorri e meu coração se derrete ao ver o carinho presente em seus olhos e a sinceridade em suas palavras.

— Em. — murmura, enquanto acaricia meu rosto. — Quer namorar comigo?

Balanço a cabeça repetidas vezes, sem conseguir aguentar sorrir e sentindo as lágrimas nas minhas bochechas.

Meu sonho está se tornando realidade.

Meu sonho de adolescente.

— Quero. — respondo, e ele sorri. — Eu sempre quis.

— Eu só não vou ter o anel. — fala, meio cabisbaixo e franzindo os lábios.

— Eu não me importo. — coloco a minha mão no seu rosto e o faço olhar para mim. — Assim já está perfeito.

Ele me beija novamente.

Nós sentimos o veículo mexer e olhamos para a frente simultaneamente, percebendo que já voltamos a subir a montanha.

Nós pulamos quando chegamos perto do hotel e nos mantemos na porta, tirando o resto de neve que está nas nossas pernas. Em seguida, entramos e vamos direto até a sala onde a lareira está acessa e o ambiente está quentinho e aconchegante.

— Credo. — fala Gabriel, enquanto contornamos o tapete de urso falsificada que está com a boca aberta e os dentes a mostra.

— Eu sei. — sussurro em resposta. — Mesmo sendo falso, ainda é horroroso.

Gabriel se senta no sofá que fica de frente para a lareira e me indica o lugar ao seu lado, que ocupo rapidamente.

— Gostou de esquiar? — pergunta, relaxando contra o assento, enquanto passa um braço ao redor de mim.

— Tirando o medo que eu senti, até que é legal. — descanso contra o seu peito, e logo somos interrompidos.

— Caramba, eu estou exausto. — Dylan se joga no sofá ao meu lado, ocupando o resto do assento.

— Tem outros lugares disponíveis aqui. — resmunga Gabriel, apoiando o rosto da mão livre e encarando o rapaz com raiva contida.

— Mas aqui está quentinho. — ele se inclina para a frente e esfrega as mãos, tentando se esquentar. — E você é tão egoísta assim que não quer dividir sua garota?

— Como é? — pergunto.

— Minha garota? — repete Gabriel.

Dylan ri, enquanto Gabriel e eu ficamos envergonhados pelas palavras que escolheu usar.

— Vocês formam um belo par, sabiam? Não tanto quanto se fosse ela e eu, mas ainda assim...

— É sério, tem tantos outros lugares disponíveis aqui. — fala Gabriel, se referindo ao lugar que está quase que completamente vazio.

— Eu prefiro ficar com os meus amigos do que sozinho.

— Não sou seu amigo.

— Vou deixar esse comentário passar. — Dylan se recosta contra o assento. — Só pelo bem da nossa amizade.

— Já disse que não somos amigos. — repete Gabriel, franzindo as sobrancelhas, irritado pela provocação do garoto.

— Vou deixar essa passar também.

Seguro o riso, enquanto Gabriel revira os olhos e Dylan sorri, se divertindo.

— Isso é algum tipo de reunião? — pergunta Jessy.

Ela se aproxima com Erick na sua cola, como o cachorrinho de estimação que virou. Michael está logo atrás dele e se senta no braço do sofá, perto de Dylan.

— Estava sendo ótimo até você chegar, irmãzinha. — responde Dylan.

— Com raiva por eu ainda ser a melhor em esquiar?

— Você é a melhor em qualquer coisa que seja inútil. — ele sorri e ela faz uma careta.

Erick se acomoda na poltrona ao lado da lareira e Jessy se senta em seu colo, e não posso deixar de me sentir abatida ao ver a mão dele se apoiar na cintura dela.

— Você esquia muito bem, Gabriel. — fala Jessy, sorrindo. — Já tinha feito isso antes?

O ouço respirar fundo, pois quase todos presentes aqui na sala sabem que isso é impossível de acontecer, principalmente Jessy, já que ela parece saber de que tipo de lugar Gabriel e eu viemos.

— Sabe que não. — responde, tão impaciente quanto eu com as provocações dela.

— Devíamos fazer isso de novo, nós dois.

— Por que eu faria isso?

A atenção de todos agora estão sobre os dois e na clara tensão no ar que pode ser facilmente cortada por uma faca.

— Erick não gosta muito de esquiar, mesmo eu tentando convencer ele, e Emily... — ela dá de ombros e sorri. — Bom, pelo que eu vi ela não é muito boa nisso.

— Ninguém precisa ser perfeito em nada, ainda mais quando é a primeira vez fazendo algo. — Gabriel acaricia meu braço enquanto fala. — E tenho certeza que qualquer homem prefere fazer algo com a namorada do que com a de outro cara.

Namorada.

Sinto meu rosto corar assim que Gabriel termina de falar e a atenção se vira imediatamente para mim, quase todos surpresos. Inclusive Erick.

— Isso é fantástico! — Jessy bate palmas de uma forma exagerada, enquanto o sorriso largo e forçado retorna ao seu rosto. — Fico feliz por vocês.

— Obrigado. — fala Gabriel.

— Esse é o meu camarada. — Dylan toca na mão de Gabriel no meu ombro e sorri, o provocando. — Mandou bem, meu garoto.

— Não somos amigos. — sussurra Gabriel impaciente, e com a cabeça baixa.

Sorrio ao ver os dois se dando bem, na medida do possível, e a expressão de Gabriel relaxa ao me encarar.

Dylan volta a provocar a Jessy, enquanto Michael e Erick apenas ficam sentados vendo a briga entre os irmãos. Gabriel deposita um beijo rápido em meus cabelos e apoio minha cabeça em seu ombro, enquanto observamos o fogo da lareira.

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