CAPÍTULO 16

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Eva corre atrás de Erick, como se conseguisse impedi-lo, mas quando ela retorna para dentro do apartamento, está sozinha e zangada.

— Eu não acredito que ele fez isso. — fala ela, com raiva, fechando a porta.

— Está tudo bem, Sra. Prior. — falo, tentando sorrir e mostrar que não foi nada de mais. — Tenho certeza que era algo do trabalho.

— Espero mesmo que seja. — sussurra, ficando ao meu lado novamente.

Berta e Michael olham para mim, buscando alguma reação, mas apenas tento manter minha expressão neutra, enquanto aperto com força o colar na minha mão.

— Vamos comer um pedaço de bolo, pessoal. — Berta sorri, tentando amenizar a situação, e começa a cortar algumas fatias, as distribuindo nos pratos.

Nós jogamos conversa fora e tentamos nos distrair do que Erick acabou de fazer, principalmente Eva. Ela tenta mostrar que está tudo bem, mas nós sabemos que não é bem assim.

Eu consigo comer até duas fatias de bolo de chocolate, fazendo com que Berta e Michael me observem com os olhos arregalados. Roubo mais alguns salgadinhos e brigadeiros, sem perceber que estava faminta.

— Obrigado por ter vindo, Michael. — falo, enquanto Berta separa alguns petiscos para ele levar.

— Imagina, Srta. Emily. — ele sorri. — E me avise se não gostar de algo que estava no presente que eu troco.

— Não tem com o que se preocupar, eu amei todos. — digo.

— Prontinho, Michael. — Berta entrega o pote pronto a ele.

— Obrigado, Berta. — ele dá um abraço na governanta. — Desculpe não poder ficar até mais tarde, mas prometi ajudar a Carol no dever de casa.

— Quantos anos a sua filha tem? — pergunto.

— Ela vai fazer quinze daqui a um mês. — ele sorri, orgulhoso.

— Eu adoraria conhecê-la um dia. — o acompanho até a porta, quando ele começa a andar.

— Vocês duas vão se dar muito bem.

Nós nos despedimos de Michael e me sento à mesa novamente, ao lado de Eva, que está mastigando um bolinho de queijo sem ânimo.

— Tenho certeza de que Erick está bem. — falo, pegando um brigadeiro.

— Essa não é a minha preocupação. — fala, deixando de lado o resto do salgado e me olhando. — Eu sinto muito pelo o que aconteceu, querida.

— Não se preocupe com isso. — sorrio de um jeito reconfortante, enquanto Berta ocupa o lugar ao meu lado. — Tenho certeza que foi o trabalho.

— Ele parecia assustado, na verdade. — comenta Berta, bebendo um pouco de refrigerante. — Deve ser algo sério.

— Eu posso ver o colar que você ganhou, Emily? — pergunta Eva.

— É claro. — tiro a joia de dentro do bolso da minha saia preta e a entrego.

— Gabriel tem muito bom gosto. — fala Berta, sorrindo.

— É. — sussurro, concordando, sabendo que é impossível que tenha sido mesmo ele que tenha me dado isso.

— Quer que eu coloque em você? — Eva se levanta e fica atrás de mim.

— Por favor. — digo, jogando meu cabelo para o lado.

Ela coloca o colar em mim e apoia as mãos nos meus ombros no final.

— Cuide muito bem dele, está bem? — ouço sua voz assumir um tom melancólico, triste demais para o seu habitual humor.

— Cuidarei. — envolvo o pingente na minha mão.

Ela suspira, triste, enquanto se senta novamente na sua cadeira.

— É uma pena que eu tenha que ir embora amanhã de manhã.

— Já? — questiono.

— Eu tenho coisas do trabalho para resolver. — responde, fazendo uma careta.

— Você precisa vir visitar mais a gente. — fala Berta, recebendo um sorriso de Eva em troca.

— E vocês também precisam ir me visitar.

— Onde você mora? — pergunto, apoiando meus braços na mesa.

— Por acaso, você já conheceu a Itália? — nego com a cabeça e ela continua. — Então você precisa mesmo ir me visitar, tenho certeza que vai adorar o lugar.

— A Itália não é o lar dos bons vinhos? — pergunta Berta.

— E por que você acha que eu moro lá?

As duas senhoras riem e sorrio ao ver o clima descontraído e leve novamente.

— Que horas sai o seu voo? — questiona a governanta.

— Cedo demais. — Eva revira os olhos, como se a ideia de acordar cedo não a agradasse. — Eu só espero que Erick esteja em casa a essa hora para me despedir.

Berta troca um olhar triste comigo, enquanto meus dedos inconscientemente se fecham ao redor do colar.

— Vou ter que acordar cedo, então — Eva se levanta com um suspiro. —-, melhor eu ir dormir.

— Vou arrumar o quarto pra você. — me levanto também.

— Imagina, querida. — ela balança a mão na minha direção. — A única coisa que peço é que me deixe dormir no sofá. — antes que eu proteste, ela continua. — Vou ter que sair cedo, então não vale a pena fazer você dormir no sofá de novo.

— Eu não me importo, Sra. Prior.

— Sei que não. — ela sorri.

— Vou me retirar também. — Berta fica ao meu lado e me abraça. — Feliz aniversário, meu amor.

— Obrigado, Berta. — a abraço com força, apoiando minha cabeça em seu ombro. — Obrigado por hoje.

— Você merece. — ela acaricia minhas costas antes de se afastar.

— Boa noite, querida. — Eva a envolve em um abraço apertado. — Foi bom te ver de novo.

— Igualmente, meu bem.

Elas sorriem uma para a outra quando se afastam e, depois, Berta vai para o quarto.

Estou quase fazendo o mesmo, quando Eva me interrompe.

— Posso ter uma última conversa com você antes de ir? — pergunta ela, me puxando pela mão até o sofá.

— Há algo errado? — me sento ao lado dela, sentindo minhas mãos começarem a suar.

— Eu só queria te agradecer. — ela sorri para mim, acariciando minha mão.

— Pelo quê?

— Por tudo, mas principalmente por ficar ao lado do meu filho. — a voz dela assume um tom triste. — Eu sei que ele não é uma pessoa fácil de se conviver quando o conhecemos de primeira, porque ele se fechou demais para o mundo, mas quando vejo a maneira que ele fica ao seu lado... — ela sorri, e seus olhos brilham pelas lágrimas que estão surgindo. — Você faz bem a ele, Emily, e tudo que eu peço é que não desista de Erick.

— Não acho que eu tenha feito isso tudo, Sra. Prior. — respondo, embora meu peito esteja apertado pelas palavras dela. — Acho que Erick só pega leve comigo porque sou a secretária dele, então ele é obrigado a me ver quase todos os dias.

— Meu bem... — ela suspira. — Jessy também era a secretaria dele, mas você sabe muito bem qual era o relacionamento entre os dois.

Não respondo, pois minha mente está girando e enlouquecendo com tudo que Eva está me falando. Ainda mais depois do que Erick me disse ontem quando estávamos na cozinha, tudo que ele sentia e que também sinto.

— Eu sei que você gosta dele. — sussurra ela, fazendo minhas bochechas queimarem de vergonha. — E sei também que ele gosta de você, de uma maneira que você ainda não faz ideia. Mas isso é algo que não é meu dever contar. — ela encara a minha mão, enquanto continuo sem entender o que ela está falando. — Mas saiba que ele sempre guardou você aqui dentro.

O dedo indicador dela encosta no centro do meu peito, enquanto minha confusão só aumenta.

— E quanto ao seu amigo Gabriel? — pergunta ela. — Você gosta dele?

— Eu não sei. — sussurro, franzindo o cenho. — Eu gostava dele quando era mais nova, mas é diferente agora, só não sei porquê.

O sorriso de Eva aumenta.

— A única coisa que eu peço, se você escolher Gabriel, é que não machuque o meu menino durante isso.

— Não vou. — respondo, apertando a mão dela. — Eu prometo.

Eva acaricia o meu rosto, com um carinho evidente em sua face e um sentimento de tristeza que faz o meu peito doer ainda mais.

— Você é gentil como a minha Evelyn era. — ela suspira, enquanto sua voz fica cada vez mais baixa. — Vocês duas teriam se dado muito bem.

— Eu sinto muito pelo o que aconteceu com ela. — falo.

Seus olhos se arregalam de surpresa.

— Você sabe?

— Erick me contou.

— Mesmo? — um sorriso triste surge no rosto dela. — Ele nunca contou a ninguém sobre a irmã dele, ainda mais depois que ela morreu. Eu só... — ela balança a cabeça, enquanto as lágrimas rolam pelo seu rosto. — Eu só queria ter feito algo pra ajudá-la.

A abraço gentilmente e sinto o rosto dela no meu ombro, enquanto soluça baixinho. Tento controlar as minhas próprias lágrimas, mas falho miseravelmente.

— Eu acho que não havia nada que pudesse ser feito. — sussurro, tentando acalmá-la. — Quando coisas desse tipo acontecem, a própria pessoa precisa querer ser ajudada. Quando passei por isso, pra a minha sorte, eu tinha os meus amigos e, mesmo que não estivesse falando ou conversando com eles, os três ainda estavam lá pra me apoiar.

Eva se afasta.

— Eu não sabia. — sussurra, passando a mão pelo meu rosto.

— Está tudo bem, foi há muito tempo. — aperto a mão dela, procurando forças para que minha mente não volte para aquela época. — Mas eu sei que a sua filha, mesmo que tenha desistido, era mais forte do que qualquer um.

— Eu sei. — ela funga algumas vezes e sorri. — Assim como você também foi quando passou por isso.

— Obrigado. — retribuo o gesto.

— Vou deixar você descansar agora, querida. — fala, secando rosto.

— É uma pena que você não possa ir com a gente amanhã na inauguração. — limpo as lágrimas acumuladas no meu queixo.

— Eu sei. — ela suspira. — Eu queria muito ver você usando o vestido que te dei.

— Ele é lindo, Sra. Prior. — falo, sorrindo. — Obrigado novamente pelo presente.

— Eu não sabia qual era o seu estilo, então perguntei a Erick. — conta, enquanto acaricia minha mão.

— Ele disse a você que eu gosto de azul, não foi? — pergunto, enquanto relembro se foi isso que ela havia me dito antes.

— Isso mesmo.

— Entendo. — sussurro.

— Algum problema?

— Não, nada. — balanço a cabeça rapidamente, mas ela continua a me encarar, esperando. — Eu... eu nunca contei pra ninguém que minha cor favorita era azul.

— Ah. — a ouço resmungar, e ela desvia o olhar rapidamente. — Bom, pra Erick saber disso talvez você tenha contato e não se lembra, não é?

— É. — concordo, percebendo a mudança no seu comportamento. — Talvez.

— Peça pra Berta tirar uma foto sua amanhã quando estiver pronta pra sair. — ela sorri, e tento esquecer o que ela acabou de me dizer. — Pelo menos assim ainda vou conseguir ver você usando o vestido.

— Pode deixar comigo. — sorrio.

Eva me abraça novamente uma última vez, antes de dizer "boa noite" e arrumar a coberta e o travesseiro para se deitar.

Me levanto, pego os meus presentes em cima da mesa e caminho até o meu quarto, encontrando Thor já deitado na cama.

— Boa noite, Thor. — sussurro, acariciando a barriga dele.

O dorminhoco se espreguiça e solta um longo suspiro em seguida, voltando a dormir. Sorrio com isso, largo as coisas em cima da mesa de trabalho e caminho até o banheiro.

Enquanto tiro minha maquiagem borrada pelas lágrimas, fico pensando no que acabei de conversar com Eva.

Apesar de adorar a ideia de Erick gostar de mim, é impossível isso acontecer quando já sabemos qual é o seu histórico com mulheres. Não faço ideia qual foi o tipo de mulheres que ele se relacionou, porém, tenho certeza que foram de alto nível, e sei que não estou no mesmo nível que elas. Muito menos no nível que alguém que Jessy. Mulheres assim devem se jogar aos pés de Erick, mas ele recusa todas.

Erick me disse que se apaixonou uma vez quando era mais novo, será que essa pessoa quebrou o coração dele? Será que foi isso que o fez se fechar para o mundo, como Eva me falou?

Sei que não posso julgar, mas se fosse por isso eu também não amaria mais ninguém outra vez. Não depois do garoto que conheci uma vez. O garoto que me deu esse colar.

Suspiro, passando meus dedos pelo pingente da joia da lua, lembrando daquele dia, lembrando do garoto que nunca retornou.

Nós estávamos sentados em silêncio em frente à varanda da minha velha casa. Meus pequenos pés balançavam descalços, enquanto os dele ao meu lado estavam cobertos pelo sapato social caro. Mesmo sendo apenas uma criança, a forma como se vestia parecia a de um adulto.

Olho de novo para ele, o estudando melhor. O garoto sem nome está usando um boné e um óculos escuros desde que o encontramos e me pergunto o porquê disso. Também está usando uma camisa social azul com um dos botões de cima aberto e bermuda preta. Mesmo não vendo o seu rosto, ele ainda não me encara totalmente. Mas isso não me impede de tentar vê-lo melhor.

Observo uma corrente ao redor do seu pescoço.

— O que é isso? — pergunto, apontando para ele.

— Não é nada. — ele vira o rosto de novo.

— Então, por que você está usando?

O ouço suspirar fundo, parecendo sem paciência.

— Por que você faz tantas perguntas?

— Por que você não me responde?

O rosto dele se vira na minha direção e sei que está me analisando de cima a baixo mesmo por trás dos óculos escuros.

— É um colar. — resmunga, baixinho.

— Posso ver? — me aproximo dele, quase encostando seu ombro no meu.

— Não. — ele afasta.

— Por favor. — me aproximo de novo, fazendo com que recue novamente.

Meus olhos se enchem de lágrimas, sem saber porque ele não fala comigo.

Não tem crianças no bairro que brinquem comigo ou que eu possa conversar, ele é o único que eu estou interagindo desde que me lembro de estar aqui.

— Por que você está chorando? — pergunta o garoto.

Não respondo e o choro sai mais alto. Ele olha ao redor, sem saber o que fazer e então se aproxima de novo.

— Por que está chorando? — questiona novamente, dessa vez mais perto de mim.

— Porque você não conversa comigo. — respondo, passando a mão pelos meus olhos, tentando enxugá-los. — Eu não tenho ninguém pra brincar e ninguém fala comigo aqui.

O menino continua a me encarar, pelo menos é o que acho, pois seu rosto ainda está virado na minha direção.

— Eu também. — sussurra, e quase não consigo ouvi-lo.

— O quê? — pergunto, fungando algumas vezes.

— Eu não tenho ninguém pra brincar comigo também. — responde, mexendo os dedos ansiosos. — Eu tenho uma irmãzinha, mas ela é nova demais.

— Eu não tenho irmãos. — respondo, encarando os dedos dos meus pés. — Deve ser legal.

Nós ficamos em silêncio de novo, até que ele suspira e o vejo tirar o colar.

— Aqui. — ele me entrega.

— Uau. — sussurro, pegando o pingente de lua nas minhas mãos. — É bonito.

— Eu ganhei da minha mãe, mas você pode ficar com ele. — o garoto sorri.

— Jura? — sorrio também, pressionando o colar contra o meu peito.

— É algo pra você se lembrar de mim. — sussurra, virando o rosto de novo, mas não antes que eu consiga ver as bochechas vermelhas.

— Você vai voltar pra gente poder brincar juntos? — viro meu corpo em direção a ele.

— Eu acho que não. — responde triste, e minha expressão animada some.

— Por que? — posso sentir as lágrimas voltando.

— Porque sim. — ele arruma o boné. — Aqui não é o meu lugar.

— Então. — olho para o colar de novo. — Não vou te ver de novo?

Ele balança a cabeça e meus lábios tremem. Quando percebe que vou chorar novamente, ele estica o dedo mindinho na minha direção e abre um sorriso doce.

— Mas eu prometo que volto um dia pra gente brincar. — fala.

Engulo o choro com dificuldade, acreditando na promessa dele.

— Mesmo? — questiono, desejando que ele não estivesse de óculos para poder ver os seus olhos e me lembrar deles.

— Mesmo. — responde, balançando a cabeça.

Junto o meu mindinho com o dele e selamos encostando nossos dedões, como um contrato que precisa ser seguido a risca.

Mas ele não cumpriu.

Sei que nossa promessa foi apenas para eu não chorar, para minha versão de cinco anos acreditar da palavra do garoto sem nome. Sim, eu acreditei. Acreditei porque achei que ele cumpriria, que minha inocência não estaria errada, porque foi a primeira criança com quem conversei e que me senti próxima. Próxima demais.

No dia seguinte em que conheci o garoto, Gabriel entrou na minha vida.

Eu estava sentada na calçada, esperando o menino aparecer para brincarmos, e Gabriel se sentou ao meu lado. Ele ficou dias, semanas e meses comigo, apenas em silêncio, esperando por alguém que ele sequer conheceu um dia. Gabriel esteve ao meu lado em dias que eu estava alegre, mas principalmente nos dias em que estava mergulhada na escuridão, nos dias em que pensei em desistir. Ele estava lá no dia em que Philip me tocou e estava lá quando ele tentou de novo. Mesmo me fechando com todos esses acontecimentos, que me impulsionavam cada vez mais para o fundo do poço, Gabriel ficou ao meu lado em silêncio e, assim como naquela época, esperou pelos meus dias ruins passarem.

Sim, o amo com todo o meu coração, mas não tenho tanta certeza se é da mesma intensidade de quando era mais jovem. Assim como Erick, que preciso ter certeza do que sinto.

Preciso decidir o que sinto por cada um deles.

Jogo um pouco de água no rosto, tirando o resto do demaquilante e fazendo a temperatura do meu corpo diminuir um pouco.

Só de pensar nos dois rapazes, e na minha incerteza, meu rosto inteiro reagiu ao pensamento e as lembranças. Meu maior medo não é me machucar ao perceber quem realmente meu coração escolheu, mas sim machucar um deles.

Tiro minha roupa e visto uma camisola preta, tentando espantar o calor, e me deito na cama. E, mais uma vez, minhas mãos vão direto até o pingente de lua.

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