CAPÍTULO 34

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Um cheiro forte de álcool impregna as minhas narinas e abro os meus olhos.

Uma contusão na parte de trás da minha cabeça me faz gemer de dor quando me mexo e respiro fundo tentando me recompor.

— Já acordou, princesinha?

Uma voz aguda faz a minha cabeça doer novamente e olho ao redor a procura da fonte do som.

— Jessy? — sussurro, franzindo o cenho.

Quando tento me mexer, sinto cordas ao redor dos meus pulsos nos braços da cadeira. Inspiro fundo ao tentar processar o que está acontecendo, o pânico tomando conta do meu corpo enquanto começo a tremer.

Olho ao redor, absorvendo cada detalhe do quarto em que encontro. Há uma cama de casal ao meu lado, uma cabeceira simples e uma porta que está aberta, sendo possível eu ver que é um banheiro. O quarto é tão simples e inacreditavelmente nojento que me pego segurando o enjoo ao respirar o ar. Para piorar, não há janela, nem mesmo uma pequena entrada de ar, o que torna o ambiente todo ainda pior.

— Onde é que eu tô? — pergunto, ainda olhando ao redor.

Jessy, que está sentada na ponta da cama, se levanta com calma e tranquilidade, fazendo meu medo aumentar ao perceber seu rosto completamente inexpressivo.

— Estamos onde você deveria ter ficado desde o início dessa palhaçada. — responde, parando na minha frente com as mãos nos quadris.

Minha cabeça lateja novamente de dor e fecho os olhos com força.

— Erick. — sussurro de repente, quando minha memória da noite anterior retorna. — Onde ele está? Ele está bem?

— É óbvio que ele está bem. — Jessy se apoia na parede atrás de si, me cuidando atentamente.

— Mas Thomas estava tentando matar ele. — rebato, mexendo meus braços ao tentar me soltar. A corda nem chega a se mover e mais feridas aparecem ao redor do meu pulso.

— Eu precisava entregar Erick pra você ir atrás dele, mas eu fiz um acordo com Thomas pra que o deixasse vivo, afinal, você é o que nós dois mais queremos.

Respiro fundo.

— Por que você me odeia tanto? O que eu fiz pra você?

— Além de ter roubado o homem que eu amo e me fazer parecer uma louca? — ela abre um sorriso de canto, e me encolho na cadeira.

— Você mesma disse que Erick sempre estava interessado na garota que ele encontrou na infância e, pra mim, parecia que você sabia o fim de toda essa história, então por que está assim quando sabia como ia acabar? — questiono, torcendo para que a nossa conversa dessa vez seja mais produtiva do que a que tivemos no hotel.

— Só porque eu sabia, não significa que se tornou mais fácil ver ele te bajular enquanto me deixava de lado. — responde, se aproximando ao levantar a voz.

Sei que toquei em uma ferida profunda, mas ela jamais irá perceber o que está fazendo sem que se dê conta disso, mesmo que seja de uma maneira dolorosa e com palavras nada gentis.

— Prefere que ele seja infeliz em um relacionamento que vai beneficiar apenas uma das partes?

— Beneficiar? Acha que nosso relacionamento é algum tipo de negócio? — ela se curva e apoia as mãos nos braços da cadeira. — Eu o amo e sei que no fundo Erick também me ama.

— Ele não ama e jamais vai amar, Jessy. — falo, tentando manter minha voz em um tom gentil e cauteloso. — Ele mesmo disse isso a você no hotel, não se lembra?

— E eu tenho certeza que você está por trás disso, não é? — ela aponta um dedo acusatório na minha direção. — Tenho certeza que foi você quem o mandou dizer essas coisas, porque você queria se livrar de mim.

— Jessy, para. — peço, balançando a cabeça ao tentar dispersar todas as palavras malucas que acabei de ouvir. — Se você não vai ser sincera consigo mesma, eu vou ser com você. — encaro os olhos frios e raivosos dela e tomo coragem para continuar. — Eu amo o Erick, Jessy. Eu percebi finalmente o quanto o amo e o quanto quero ficar ao lado dele, e não precisaria impedir você e o seu amor problemático porque eu sei que ele me ama de volta.

— Por favor, Emily. — ela ri, jogando o cabelo por cima do ombro. — Eu sei que você pensa que ama ele, mas no final você vai perceber que está interessada no dinheiro dele e no poder que vai ganhar com isso.

— Eu? Eu perceber que estou usando o Erick? — tento segurar o riso percebendo o quanto essa garota consegue me tirar a paciência. — Por que acha que seu pai queria tanto que você se casasse com ele? Acha que ele estava pensando na sua felicidade? Acha que isso seria pra deixar ele feliz também?

— Você vai vir de novo com o papo do meu pai? — questiona, revirando os olhos e se apoiando de novo no braço da cadeira.

— Eu vou tentar abrir os seus olhos até você finalmente perceber que tipo de homem ele é. — respondo, mordendo a língua com força ao tentar segurar palavras que com certeza irei me arrepender. — Eu sei o que ele fez com você e sei o que você está passando, mas você precisa ser sincera com você mesma e se afastar. Você precisa ir embora e começar uma nova vida, com uma nova pessoa. Alguém que realmente vai te amar.

Jessy me encara por segundos longos e torturantes, como se tentasse processar tudo o que falei, mas estivesse tendo dificuldade. Uma das sobrancelhas dela está erguida e a expressão em seu rosto enquanto me encara é como se eu tivesse enlouquecido.

— Você não sabe o que aconteceu naquele armazém. — falo, quando ela não diz nada. — Você não viu o rosto de Erick todo machucado ou o quão disposto Thomas estava pra matar ele. Acha que aquele filho da puta deixaria de matar Erick apenas por uma parceria com você ou com o seu pai? Você está depositando a confiança nas pessoas erradas.

Jessy vira o rosto e faz um som com boca em descrença, enquanto parece precisar de mais minutos para se acalmar. Quando olha para mim de novo, seus olhos recaem para o meu colar e ela abre um sorriso.

— Gabriel te contou como eu consegui essa bijuteria barata? — pergunta, se desviando do nosso assunto atual, sorrindo ao ver a minha expressão confusa. — Antes de ir até a casa dele, eu encontrei Thomas e ele me falou sobre a sua mãe. Sabe, ela e eu temos tantas coisas em comum que nos demos bem na mesma hora. Nós bebemos e conversamos sobre você, e eu apenas fiquei quietinha enquanto ela desabava sobre o quão péssima você era como filha. Depois de muito beber, ela me disse sobre esse colar, que você ganhou do filho de Henrique Prior e que estava protegendo ele mais do que qualquer coisa. Ela disse que você chorava todas as noites e que enchia o saco dela perguntando quando eles iriam voltar e que por isso decidiu esconder o colar de você. Ela o pegou enquanto você estava dormindo e disse a você que alguém provavelmente havia o roubado.

— O quê? — sussurro.

Minha mãe escondeu o colar de mim?

Essa joia sempre significou o mundo para mim e era a base da minha promessa com o menino que conheci naquele dia, como ela pôde simplesmente ignorar as noites que chorei e esconder o colar de mim? Desde aquela época, esse colar foi a única coisa em que um dia realmente pude chamar de meu.

— Você está mentindo. — sussurro, balançando a cabeça. — Você está inventando essa história apenas porque eu disse tudo aquilo sobre Erick.

— Pra minha felicidade, não, eu não estou mentindo. — ela sorri e volta a se apoiar na parede. — Sua mãe é uma grande mulher e a coisa que mais nos aproximou foi o quanto ela e eu te odiamos.

— Não...

— Ela me contou também sobre o tal de Philip. — comenta, fazendo meu corpo tremer ao ouvir o nome do meu padrasto. — Ele parecia ser uma pessoa tão gente boa, Emily. Soube que vocês se davam bem.

Viro meu rosto, sentindo o nojo e a vergonha ao ouvir Jessy dizer tudo isso com a maior naturalidade e calma possível.

— Ele era um monstro. — resmungo, fechando os olhos com força e me lembrando de todas as vezes em que ele me tocou sem o meu consentimento.

— Depois que seu pai fugiu, sua mãe trouxe ele pra casa. — comenta. — Não acha que isso foi uma coincidência?

— O quê? — pergunto, confusa.

— Você foi o motivo do seu pai ir embora, já que a sua mãe disse que tudo o que ele queria fazer era por você. — ela apoia uma mão no queixo fingindo pensar. — Você não acha que ela trouxe Philip pra dentro de casa pra te punir?

— Não. — respondo, balançando a cabeça, tentando espantar essa ideia macabra. — Não, ela jamais faria isso. Ela é a minha mãe, ela deveria me proteger, eu tinha apenas 10 anos quando Philip veio morar com a gente.

— Nem todos os pais amam os seus filhos. — ela suspira. — Apenas queria te dizer isso pra você poder pensar e refletir. — Jessy tira o celular do bolso da calça e abre um sorriso. — Daqui a pouco nós vamos dar um passeio, tenho certeza de que você vai adorar.

— Pra onde? — pergunto, ainda tonta pelas informações jogadas em cima de mim.

— Você vai poder conhecer novos amiguinhos. — responde, abrindo um sorriso. — Mas, antes de irmos, tem alguém que quer falar com você.

Ela sai do quarto e com a porta aberta posso finalmente escutar o som de vida, indicando que não estou sozinha. Uma música alta e eletrônica está reverberando pelas paredes imundas e sujas do quarto e algumas vozes masculinas conseguem se sobressair.

Grito e chamo por ajuda, mas ninguém aparece. Se eles estão conseguindo me ouvir, estão apenas me ignorando. E que tipo de pessoa ignora um pedido de ajuda de alguém?

Abaixo a minha cabeça e fecho os olhos com força, tentando conter as lágrimas que estão chegando.

— Erick... — sussurro o nome dele, enquanto meu coração se despedaça em mais um milhão de pedacinhos.

Tudo o que peço é que ele tenha saído vivo de dentro daquela casa e que a polícia tenha chegado a tempo. Talvez eu não vá vê-lo de novo, mas me conforta saber que pelo menos eu me confessei para Erick e disse a ele que o amava.

Espero que ele se lembre de mim por um longo tempo.

Inspiro o ar com força e ergo minha cabeça ao ouvir o som da porta se fechando e meus olhos se arregalam.

— Mãe?

Jane me olha de cima a baixo e traga o cigarro quando se apoia na parede, permanecendo atrás de Thomas. Ela está ainda pior do que a última vez que a vi e isso faz uma culpa ainda maior pesar sobre os meus ombros, lembrando do que Erick me contou sobre o meu pai.

— Emily. — cumprimenta ela, jogando o cabelo moreno despreocupadamente.

— O que está fazendo aqui? — pergunto, olhando confusa para Thomas.

— Você não reconhece esse lugar? — questiona ele, abrindo um sorriso. — Aqui seria o seu novo lar se você não tivesse fugido.

A compreensão me acerta em cheio e meus ombros murcham, enquanto meu corpo se encolhe contra a cadeira que me encontro presa.

— Enfim. — continua Thomas, sentando na ponta da cama e me observando enquanto fala. — Queria apenas trazer a sua mãe aqui pra que ela se despeça.

— Soube que vai ir pra longe. — fala ela, abrindo um sorriso amarelo.

— Você... você deveria me proteger. — sussurro, enquanto meus olhos ardem pelas lágrimas.

Minha mãe revira os olhos e traga o cigarro de novo, soltando a fumaça preguiçosamente.

— Eu jamais quis ser a sua mãe. — responde, me fazendo soluçar. — Eu te suportei enquanto seu pai estava comigo, porque ele te amava e se eu simplesmente te abandonasse ele não iria ficar comigo. — Jane suspira, tomando ar para continuar. — Então eu aguentei, aguentei mesmo quando tudo que ele queria fazer era pra você, quando tudo o que ele queria comprar era pra você ou quando dizia que te amava. Sabe quando ele fez algo assim por mim? Nunca. E tudo por sua causa. Então, quando ele nos abandonou, a oportunidade estava batendo a minha porta e a sorte virou ao meu favor. E isso está acontecendo de novo. Finalmente eu vou conseguir ter a minha própria vida e dessa vez você não vai estar nela.

— Miguel. — sussurro, fazendo os olhos dela se arregalarem. — É o nome do meu pai, não é? — ela continua a me encarar, seus dedos que estão segurando o cigarro quase deixando ele cair no chão ao perder as forças pouco ao pouco enquanto continuo. — Meu pai não nos abandonou, ele jamais iria nos abandonar. Foi aquele desgraçado, foi Henrique Prior que o tirou de nós. Meu pai apenas estava indo em busca de um novo trabalho, de uma nova chance para mudar as nossas vidas e aquele homem tirou tudo isso de nós. — soluço mais uma vez, mordendo os lábios com força quando percebo que irei chorar. — Ele tirou o meu pai de mim e eu jamais vou vê-lo de novo, jamais vou poder dizer o quanto eu o amo ou o quanto me orgulho dele. E você— encaro minha mãe. —, você jamais vai poder se desculpar com ele por tudo o que fez e por ter desistido dele.

Percebo com espanto o rosto da minha mãe repleto de lágrimas que estão fazendo o rímel manchar o seu rosto branco e magro. O cigarro ainda acesso está caído no chão, mas o seu braço continua congelado na mesma posição de antes.

— Mentira. — sussurra, balançando a cabeça. — Você está mentindo! Seu pai foi embora porque percebeu que viveria melhor sem nós duas pra incomodá-lo.

— E por que pensou isso quando sempre soube que ele me amava? — questiono, mexendo minhas mãos. — Acha que ele me abandonaria? — quando ela não responde, abaixo a cabeça e encaro minhas pernas. — Você pensou que meu pai tinha nos abandonado por sua causa e apenas por sua causa. A forma como você fala dele, o jeito que conta sobre os meus momentos com ele e o nojo na sua voz ao falar o quanto ele me amava são os motivos pelos quais você pensa que ele te deixou. — ela cobre a boca com as mãos e soluça alto mais uma vez e, mesmo que o meu próprio coração esteja se partindo, sei que preciso continuar. — Você sempre soube, não é? Sempre soube que ele não havia nos deixado realmente e que tudo era uma desculpa pra você continuar me odiando, porque se parasse para voltar atrás teria que encarar tudo o que fez comigo, tudo o que fez com a sua própria filha.

Meu peito está subindo e descendo rapidamente e estou sugando o ar com força para conseguir respirar e recuperar o meu fôlego.

Minha mãe ainda está contra a parede, cobrindo a boca com as mãos e me encarando com os olhos arregalados de surpresa e choque. Não tenho certeza se ela acredita em mim, mas tudo o que eu sei é que preciso tentar. Se essa for mesmo a última vez em que irei vê-la, Jane merece saber de toda a verdade.

— Uau. — sussurra Thomas, me pegando de surpresa quando percebo que esqueci de que ele estava aqui conosco. — Por essa eu não esperava.

Faço uma cara feia na direção dele, sentindo o ódio tomar conta da minha face e do meu corpo, mas tudo o que ele faz em troca é piscar para mim.

— Você tem mais cinco minutos, Jane. — avisa Thomas se levantando e parando ao lado da minha mãe. Ele a observa por um instante, segundos tortuosos que fazem meu corpo tremer de ansiedade. — Vou deixar vocês terminarem a sua conversa.

— Você tem que perdoar ele. — falo, depois que Thomas finalmente se retira. — Você precisa perdoar o papai dentro do seu coração.

— Você jamais disse algo sobre ele. — sussurra ela. — Você nunca se lembrava dele ou da sua infância além daquele menino, então como...?

— Erick. — interrompo, fazendo os olhos cheios de lágrima dela se arregalarem. — Ele me contou tudo, foi ele que quis dar a chance pro papai.

— Mas foi Henrique que levou o Miguel. — sussurra, sua voz falhando ao pronunciar o nome do meu pai, e percebo o quanto ele ainda significa para ela. — Foi o maldito do Henrique Prior que tirou ele de mim.

— Mas não foi o Erick, ele não é o pai dele e jamais será. — sorrio. — Ele é bom, é gentil e carrega a culpa do erro do seu pai pelo que ele fez com o Miguel. Mas ele não tem culpa, assim como eu não tenho por ter feito o papai se afastar.

Ela chora, encolhida contra a parede e abraçando a si mesma.

Tento aguentar minhas próprias lágrimas, mas meu corpo está desabando com o dela e meu emocional está tão fodido quanto jamais esteve.

— Me perdoe. — a ouço sussurrar em meio aos soluços. — Por favor, me perdoe.

Abro um sorriso e aceno com a cabeça, enquanto sinto o alívio de botar todas as palavras para fora e de ver os resultados que ela provocaram fazer meu corpo parecer mais leve por um segundo.

— Eu perdoo. — murmuro.

— Eu jamais deveria ter colocado alguém como Philip pra dentro da nossa casa. — continua, olhando para o chão. — Eu jamais deveria ter deixado ele te machucar e jamais deveria ter deixado eu mesma te machucar tanto assim. Como pude fazer isso? Você é a minha filha, meu milagre e minha benção. — ela cobre o rosto com as mãos. — Por que eu só percebo isso agora?

— Eu entendo ódio que estava sentindo e a dor da perda pelo meu pai, e tudo o que você precisa saber agora é que te perdoo, mãe. — digo, fazendo o rosto dela se virar na minha direção. — Eu te perdoo.

— Obrigado. — ela sorri, um sorriso que acho que jamais vi em seu rosto e mais lágrimas rolam pela sua face quando vejo o semblante daquela mulher rude que entrou no quarto sumir. — Obrigado, meu amor. Eu jamais irei te decepcionar de novo.

Ela enxuga o rosto e se aproxima em passos rápidos e largos, me pegando desprevenida quando começa a soltar os nós que estão ao redor do meu pulso. As suas mãos começam a trabalhar desajeitadamente, sem muita força por causa dos seus dedos magros, e ouço a respiração ofegante dela perto do meu rosto.

— Thomas vai estar nos esperando. — avisa ela, conseguindo soltar o meu pulso esquerdo. — Quando eu abrir a porta, vou tentar distraí-lo e você vai correr e fugir, está bem? Corra o mais rápido que conseguir, para o mais longe que alcançar.

— Mas e você? — questiono, franzindo o cenho. — Thomas vai te castigar quando puser as mãos em você.

— Já passei por coisas piores.

Ela desata o último nó e rapidamente me puxa pelas duas mãos, me fazendo ficar em pé e me puxando para um inesperado abraço. Seus braços magros se enrolam em meu corpo e respira fundo contra os meus cabelos, enquanto apoio minha cabeça desajeitadamente em seu ombro.

Minha mãe está me abraçando.

Sorrio e a abraço de volta.

— Obrigado por me dar uma nova chance, querida. — sussurra no meu ouvido. — Obrigado.

Ela beija o canto da minha cabeça e segura meu rosto com as duas mãos, acariciando meu rosto molhado de lágrimas com um sorriso.

— Vem comigo. — peço. — Erick pode nos proteger se conseguirmos chegar até ele.

— Eu sei que sim. — ela sorri tristemente, trazendo uma sensação estranha em meu peito. — Apenas corra, meu amor.

— Mãe... — chamo.

Mas ela já está se afastando e caminhando em direção até a porta que Thomas está batendo, indicando que nosso tempo acabou.

Jane coloca a mão na maçaneta e olha para mim, sorrindo e acenando encorajadoramente com a cabeça, indicando para que eu faça o que me disse.

Tento sorrir e aceno de volta, dizendo que estou pronta.

Com um suspiro, Jane se vira e abre a porta e nós nos deparamos com Thomas do outro lado, olhando para a minha mãe com uma expressão séria enquanto puxa o gatilho da arma que está segurando.

O tiro seco ecoa pelo lugar, seguido do corpo da minha mãe quando cai no chão.

Um som estranho escapa da minha garganta, como se eu estivesse me engasgando com a minha própria dor e palavras, enquanto um dos capangas de Thomas entra no quarto e vem na minha direção.

Quando ele envolve meu pulso machucado com as mãos e me puxa para fora do quarto, meus olhos recaem para o rosto de Jane. Os olhos estão abertos, arregalados e surpresos, enquanto as mãos estão ao lado do corpo e os dedos já manchados com o próprio sangue que está escorrendo da ferida em seu peito.

— Não. — resmungo, quando meus pés pisam no vão da porta. Encaro Thomas ao meu lado, me olhando com tédio e com a arma ainda em mãos. — Seu desgraçado!

Pulo na direção dele e tento arranhá-lo com as minhas unhas, mas no mesmo segundo os braços do capanga dele me seguram.

Tudo o que consigo pensar é o quanto quero matá-lo.

Minha mãe estava mudada, ela decidiu mudar no último instante e com isso nós iríamos viver uma nova vida, íamos ter um novo recomeço no nosso relacionamento como mãe e filha. E eu a amava, amava mesmo sabendo do seu ódio mal depositado em mim e de todas as vezes em que me machucou.

E Thomas a matou.

E agora sou eu que preciso matá-lo.

Continuo a me debater mesmo dentro dos braços musculosos do capanga que estão se fechando com mais força ao redor de mim, machucando meus ossos e fazendo com que eu me mexa ainda mais para tentar escapar. Thomas está ainda na minha frente, sorrindo e coçando a lateral da cabeça com o cano da arma.

Uma figura esguia e magra surge atrás dele, no corredor desse lugar que parece ser o inferno, e meu ódio parece crescer dento de mim. Sibilo o nome de Jessy e a encaro enquanto se aproxima, me olhando com espanto e incredulidade.

— O que aconteceu? — pergunta, parando ao lado de Thomas.

— Tivemos uma mudança nos planos. — responde ele.

Finalmente, os olhos dela se focam no corpo de Jane estirado no quarto, mergulhado no próprio sangue no chão imundo desse lugar. Ela abafa um grito nas mãos que cobrem a sua boca e lágrimas brotam em seus olhos.

— O que você fez? — questiona a Thomas, para em seguida se virar para me olhar rapidamente. — Esse não era o nosso acordo.

— Nosso acordo mudou, garota. — rebate ele, e outra figura surge no corredor, dessa vez muito maior. — Acho que você esqueceu que eu trabalho com o seu pai e que não tenho o menor interesse em você.

— Nós tínhamos um trato. — fala, em choque, enquanto o homem que aparece atrás dela agarra seus braços sem a menor dificuldade.

— E ele acaba aqui. — anuncia, olhando para mim. — Agora é hora do nosso passeio, meninas.

— Não. — sussurra Jessy, tentando se livrar das mãos do capanga. — Não pode fazer isso comigo!

Thomas a ignora e passa por nós, piscando mais uma vez quando olha para mim.

Meu rosto finalmente relaxa e minha fúria começa a se esvair do meu corpo, deixando apenas a dor para trás. Olho uma última vez para o corpo da minha mãe dentro do quarto antes de um dos capangas fechar a porta e começar a nos carregar.

Desvio a atenção para Jessy se debatendo e tentando se soltar sem sucesso aparente, enquanto começa a chorar de desespero. Quando nossos olhares se encontram, sua expressão indica que a ficha sobre o que eu lhe disse finalmente está caindo.

O tiro de Jessy saiu pela culatra e agora isso só não custará a minha vida, como a dela também.

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