Eu o perdi.
Eu o deixei para trás, mesmo tendo prometido a mim mesma de que jamais o perderia de novo, de que dessa vez seria para sempre ao seu lado.
Thomas o tirou de mim, ele tirou tudo de mim.
Aperto o cobertor ao redor dos meus ombros com mais força, enquanto meus olhos embaçados pelo acúmulo de lágrimas estejam distorcendo a visão do entardecer e os restos do destroço do iate.
A polícia, os bombeiros e a ambulância chegaram no local tarde demais e rapidamente começaram a cuidar dos feridos. Todas as garotas que também estavam dentro daquele inferno estão rodeadas de enfermeiros, alguns bombeiros ainda estão perto do píer para checar de longe a situação dos destroços que continuam em chamas. A polícia está anotando o relato do incidente com Michael, enquanto Gabriel está passando em cada ambulância para verificar a situação de todas as garotas. Jessy está no meio delas, com a cabeça baixa e os ombros tremendo de tanto soluçar, fazendo com que Gabriel fique perto dela e a conforte.
Engulo em seco e fecho os olhos, puxando a coberta para cobrir as minhas orelhas, tentando impedir que todos esses sons cheguem até os meus ouvidos.
Eu só quero silêncio.
Quero mergulhar em algum canto escuro e ficar debaixo de uma coberta relembrando de Erick a cada segundo, imaginando como teria sido a nossa vida se eu não tivesse trazido todos os meus problemas para perto dele.
Consegui dizer a Erick que o amo, mas deveria ter dito que ele era o amor da minha vida e que eu jamais o esqueceria. Que sempre que repousasse minha cabeça contra o travesseiro eu pensaria nele, que toda vez que abrisse meus olhos pela manhã ele seria minha primeira lembrança e que seria assim pelo resto dos dias da minha vida. Sempre vou pedir perdão a você pelo que causei na sua vida, sempre agradecerei pela chance que me deu para ter uma nova forma de viver e sempre irei lembrar do amor em que você me deu, do amor que sequer tive a chance de retribuir.
— Hey. — chama Gabriel, baixinho, enquanto se aproxima e se apoia na lateral da ambulância em que me encontro. — Como você está?
Suspiro, sentindo minha garganta queimar ao ouvir ele me perguntar isso e sabendo que vou voltar a chorar se ele continuar com esse tom de voz gentil.
— Era pra ser eu. — resmungo, pausando algumas vezes para conseguir respirar. — Era pra Thomas ter me feito de refém e não ele.
Fecho os olhos quando percebo que sequer consigo falar o nome dele em voz alta.
— Erick queria que você ficasse a salvo. — fala Gabriel, fazendo minha respiração parar um segundo quando ouço o nome dele. — E eu fiz o que ele queria.
— Mas não era. — balanço a cabeça, enquanto as lágrimas rolam pelo meu rosto inchado e vermelho. — Era pra gente ter salvado ele, era pra gente ter trazido ele junto e não deixá-lo lá com Thomas.
— Nós morreríamos se ficássemos mais um segundo naquele lugar. — rebate Gabriel, sem conseguir me encarar. — E eu não podia deixar vocês dois morrerem.
Viro meu rosto para observá-lo, franzindo as sobrancelhas quando ouço ele falar de Erick com tanta emoção em sua voz.
— Jessy está abalada também, assim como as outras garotas. — continua ele, suspirando quando se vira para olhar para as garotas que estão na ambulância e para Jessy. — Ela está se sentindo culpada pelo que aconteceu. — Gabriel olha para mim, como se esperasse que eu discordasse de algo que acabou de falar. Não consigo dizer nada e prefiro me manter calada. — A guarda costeira está com alguns mergulhadores patrulhando a área.
Aperto o cobertor com mais força quando percebo o que ele está dizendo e as lágrimas começam a voltar quando imagino o que vai acontecer no momento que encontrarem o corpo de Erick.
Se encontrarem.
Isso faz meu peito se apertar ainda mais em agonia e eu me encolho, sentindo minhas mãos tremerem.
— Emily! — o grito de uma garota me tira do meu devaneio e Gabriel e eu nos viramos para observar Jessy se aproximar de nós, com o cobertor lhe cobrindo o corpo magro e quase nu.
— Aconteceu algo? — pergunta Gabriel, vendo o estado em que a garota está quando para na nossa frente.
— Os mergulhadores retornaram. — avisa ela, com os olhos cheios de lágrimas e a respiração ofegante. — Eles o encontrarem.
— O quê? — questiona Gabriel, com os olhos arregalados de surpresa.
Quando ele se vira para me olhar, pronto para me perguntar algo ou verificar se estou bem, eu não me encontro mais perto dele e da ambulância e minhas pernas estão me levando até o píer.
Dois paramédicos já estão no local e eu observo um dos mergulhadores voltar a submergir quando me aproximo, provavelmente voltando para procurar o corpo de Thomas.
— Ferimento a bala no ombro direito. — ouço um dos paramédicos anunciar.
Minhas pernas bambeiam quando eu paro ao lado dos dois homens que estão curvados sobre o corpo de Erick, examinando se há algum sinal de vida e como estão os ferimentos.
— Erick... — sussurro, com a mão cobrindo a boca.
O corpo dele está deitado nas madeiras velhas e sujas do píer e suas roupas estão encharcadas pela água salgada. O rosto está pálido e sem vida, seus lábios estão azuis e o sangue no terno está correndo por entre as madeiras, deixando a imagem ainda mais assustadora.
Observo com o coração na mão quando um dos paramédicos checa a pulsação dele na sua garganta, depois em seu pulso e em seguida pegam o aparelho ao lado dele. Os dois trocam palavras estranhas enquanto o outro paramédico abre o terno de Erick e rasga a camisa que há por baixo, revelando seu peito pálido e secando sua pele molhada.
— O que estão fazendo? — questiono, dando um passo a frente, meus ouvidos começando a zunir e os sons desaparecendo por um segundo.
Um dos paramédicos parece perceber finalmente minha presença e se vira para me encarar, indicando com a mão para que eu fique longe.
— Nós estamos cuidando dele, não se preocupe. — fala o homem, voltando a observar o corpo de Erick.
Minhas pernas cedem quando consigo distinguir finalmente o que é o aparelho estranho e abraço a mim mesma, tentando conter os tremores em meu corpo enquanto observo os médicos preparem o desfibrilador.
Assisto a cena correr diante dos meus olhos sem conseguir fazer nada, engasgando com o meu próprio medo enquanto observo o corpo sem vida de Erick reagir à descarga elétrica e se erguer do chão por um momento. No mesmo instante que as costas dele voltam a tocar a madeira velha, um dos paramédicos checa novamente o pulso dele. Com apenas um olhar entre os dois, o outro homem arruma novamente o aparelho e se prepara para repetir o movimento, fazendo o corpo de Erick se chocar de novo com a madeira em um som que faz meu coração acelerar cada vez mais.
Observo tudo se repetir, de novo e de novo, me curvando sobre o meu próprio corpo e agarrando os fios do meu cabelo com força, enquanto estou morrendo por dentro.
— Eu sinto muito.
Uma das mãos de um dos paramédicos está no meu ombro, me consolando, e ergo o meu rosto para encarar a cena diante de mim.
O corpo de Erick continua no mesmo lugar, completamente imóvel e sem vida, e começo a me arrastar em sua direção, sentindo meu corpo fraquejar mais a cada segundo. Quando finalmente envolvo o rosto de Erick com as minhas mãos, um soluço escapa dos meus lábios e meus dedos começam a tremer ao sentir o quão frio sua pele está. Seus lábios parecem ainda mais azuis agora e as mechas do seu cabelo estão grudadas em sua testa.
Lembrando do que ele me contou antes, sobre a memória que eu me esqueci, levo uma das mãos até o seu cabelo e o acaricio.
— Eu prometo que um dia vou lembrar. — murmuro. — Eu prometo, meu amor.
Outro tremor acerta meu corpo e me curvo sobre o de Erick, apoiando minha testa contra o seu peito nu.
Foi isso o que ele sentiu no dia em que me salvou na praia?
Foi essa dor que ele teve que aguentar quando me tirou da água, quando sequer podia demonstrar de verdade a sua preocupação por mim?
Mas ele me salvou mesmo assim e antes mesmo disso acontecer eu já procurava uma maneira de retribuir tudo o que ele estava fazendo por mim e eu posso começar com isso. Posso salvar a vida dele assim como salvou a minha.
Respiro fundo e me afasto, esticando meus braços e entrelaçando os meus dedos, transferindo todas as forças do meu corpo para o meu tronco. Quando começo a fazer a manobra de RCP, os paramédicos se apressam em ficar ao meu lado e observar o que está acontecendo com o rosto em uma expressão de pena.
— Por favor. — imploro, me inclinando sobre o corpo de Erick para cobrir o nariz dele e assoprar o ar em sua boca. — Por favor, por favor, volta pra mim.
— Senhorita, se afaste, por favor. — pede um dos paramédicos, esticando um dos braços para me puxar para longe.
— Não. — balanço a cabeça e assopro o ar mais uma vez. — Eu vou conseguir, eu sei que vou.
— Moça, por favor. — pede o homem novamente.
Paro por um segundo, meus olhos caindo para observar o desfibrilador na sua mão atrás do seu corpo. Tento ser rápida e agarro o aparelho que está segurando, empurrando seu estômago com o meu ombro e o jogando para trás, sendo pego de surpresa pelo meu movimento.
Rapidamente, coloco o aparelho no chão ao meu lado e tento lembrar o que vi na TV uma vez e o que acabei de presenciar com os paramédicos. Checo as informações na tela quando aproximo o aparelho de Erick e aperto os dois botões laranja com o polegar, ao mesmo tempo em que pressiono as pás no peito de Erick.
A visão do corpo dele reagir é ainda pior de perto e espero por alguma resposta, com a pulsação do meu coração batendo freneticamente nos meus ouvidos e meus lábios tremendo quando não observo nenhuma reação.
Repito todo o processo e aproximo de novo as pás do corpo de Erick, parando por um momento quando a voz de um dos paramédicos surge ao meu lado.
— Você não pode fazer, você não é treinada. — interrompe ele, parecendo assustado por um segundo, mas retomando a calma em seguida.
Ignoro, virando minha atenção de volta a imagem do homem que eu amo sem vida a minha frente.
Inspiro o ar com força e tomo coragem, cerrando o maxilar e pressionando o aparelho no peito de Erick.
— Senhorita, pare com isso. — interrompe o homem de novo, dando um passo a frente. — Você não...
Nós dois recuamos quando o corpo de Erick treme rapidamente e sua boca se abre, cuspindo toda água que estava dentro de si. As pálpebras dele se abrem no segundo seguinte quando consegue respirar novamente e sua atenção se volta para mim.
Encaro, ainda em choque, os seus olhos verdes enquanto as sobrancelhas dele se franzem.
— Em? — questiona Erick, com a voz rouca e baixa.
Deixo o aparelho de lado e me inclino sobre ele, envolvendo sua mão com os meus dedos e abrindo um sorriso que faz minhas bochechas doerem.
— Oi. — murmuro, mordendo os lábios em seguida quando meus olhos se enchem de lágrimas novamente. — Oi, meu amor.
Beijo os nós dos seus dedos e observo um sorriso fraco surgir em seu rosto.
Os paramédicos logo se aproximam e pedem para que eu me afaste, e volto a encarar os dois homens examinando Erick sem poder fazer nada.
— Em? — ouço Erick me chamar novamente, quando um dos paramédicos sai correndo em direção a uma das ambulâncias.
Dou a volta e fico perto do rosto de Erick, acariciando sua bochecha suavemente.
— Eu estou aqui, está tudo bem. — garanto a ele, abrindo um sorriso, mesmo que meu peito ainda esteja doendo. — Você vai ficar bem.
Por um momento ele volta a fechar os olhos e meu coração acelera quando a cena dele deitado sem vida no píer retorna a minha mente. Eu só consigo ficar aliviada quando vejo o peito dele subir e descer ao respirar devagar e fecho os olhos, tentando controlar minhas mãos que continuam tremendo.
O outro paramédico retorna e se aproximam com uma maca e um colete cervical que logo ele coloca em Erick.
Me afasto e observo os dois homens arrumarem o corpo dele na maca e depois irem direto até uma das ambulâncias. Enquanto passamos, posso ver Michael de longe nos observar com uma expressão de choro e Gabriel e Jessy mais ao longe, a garota nos braços do meu melhor amigo enquanto ela volta a chorar ao perceber que Erick está vivo.
— Você é parente dele? — pergunta uma mulher que está no interior da ambulância.
— Sou a namorada dele. — respondo, torcendo minhas mãos enquanto observo Erick deitado e o homem ao lado dele.
— Você pode acompanhá-lo até o hospital. — avisa ela, abrindo espaço.
Abro um sorriso e entro, me acomodando no lugar do paramédico que está saindo e fechando as portas. Logo em seguida as sirenes são ligadas e começamos a andar.
Me inclino e pego a mão de Erick, beijando a palma da sua mão e fechando os olhos quando ele toca minha bochecha carinhosamente. Observo seus lábios se abrirem em um sorriso preguiçoso, enquanto seus olhos não se desviam dos meus.
A percepção da realidade começa a cair sobre os meus ombros e suspiro lentamente, enquanto o meu coração finalmente está se acalmando quando percebe que Erick está bem.
Eu consegui salvá-lo.
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Uma Nova Chance
Romance🥇LUGAR NA CATEGORIA MELHOR FINAL DO PROJETOCOSMICO 🥇LUGAR NA CATEGORIA MELHOR RESSURREIÇÃO DO LEAGUE OF LEGENDS 🥈LUGAR NA CATEGORIA ROMANCE DO CONCURSO LEAGUE OF LEGENDS 🥈LUGAR NA CATEGORIA ROMANCE DO CONCURSO BELAS FLORES 🥈LUGAR NA CATEGORIA R...