CAPÍTULO 5

320 132 22
                                    

Gabriel

O barman atrás do balcão arrasta o copo do whisky vagabundo na minha direção.

— Aqui, amigo. — fala, e consigo sentir o bafo de bebida e cigarro.

— Valeu, Bryan. — agradeço, agarrando o copo e tomando um longo gole.

O líquido desce queimando pela minha garganta, enquanto tento reprimir uma careta. Apenas bebendo posso enfrentar esse lugar, enfrentar minha nova vida.

A música eletrônica reverbera por todo o lugar, está tão alto que para ouvir a voz de alguém é necessário ficar muito perto dela. Nos quatro palcos separados na grande sala, quatro mulheres com lingeries curtas, cobrindo quase nada do corpo, estão dançando sensualmente na barra de pole dance. Os homens ao redor estão bebendo e conversando, enquanto jogam dinheiro ou colocam as notas nas roupas das strippers. O lugar todo tem uma cor escura e as luzes vermelhas são as únicas que iluminam alguma coisa aqui dentro. Dessa maneira, quase não dá para perceber algumas pessoas traficando drogas ou as usando ali mesmo.

Um homem aparece saindo do corredor, no fundo do lugar, com uma mulher vestindo um vestido curto logo atrás. Eles passam por mim e quase vomito com o cheiro da maconha. Naquele corredor, ficam os quartos que os homens levam as prostitutas, onde todo o pesadelo das garotas começam.

Fico ainda mais enjoado ao pensar que poderia ser Emily ali.

Suspiro, bebendo mais um pouco.

Desde hoje cedo que eu a vi entrando naquele carro e ir embora, não soube mais nada sobre ela. Na verdade, ninguém sabe. Nem mesmo Jane, a mãe dela, mas não posso garantir que ela vai descobrir alguma coisa, já que nunca deu importância para a própria filha.

Não recebemos muito amor dos nossos pais, por causa da dificuldade que passam ainda mais por nos sustentar, mas o que Emily vivia era o próprio inferno. Já perdi a conta de quantas vezes eu pensava em entrar na casa dela e matar aquele desgraçado do Philip. Emily não precisava me contar o que acontecia, os machucados pelo corpo todo e seu medo toda vez que via ou ouvia o nome do padrasto eram o suficiente. E Jane sabia, sempre soube, todo o pesadelo que a filha estava vivendo, mas ela prefere fechar os olhos e apenas foder com um homem qualquer que oferecer míseros centavos a ela.

Ela está aqui agora, em um dos quartos no fundo do corredor. Jane sempre está por aqui, ela parou de fazer parte da vida de Emily desde que Philip abusou dela. Talvez seja culpa, talvez seja raiva, talvez seja só medo, mas mesmo assim não dá para entender uma mãe que não ama seus filhos.

Se bem que eu não posso reclamar muito.

Apesar de ser o irmão mais velho, minha mãe ama mais a mim do que os dois caçulas. Tudo que quero é conseguir algum dinheiro para poder tirá-los daqui, tirar dessa vida que vou começar a enfrentar daqui por diante. Eles me amam, assim como os amo, e são meu motivo de lutar todos os dias.

Assim como Lian, Paulo e Emily. Só de lembrar que Lian vai entrar aqui daqui a uma semana no seu aniversário, faz meu coração se despedaçar. Paulo vai ficar arrasado, ele é como um irmão que o garoto nunca conseguiu ter. Eu sempre quis proteger todos eles, somos uma família e eles são meus irmãos. Mas agora, fui recrutado mais cedo pelo chefe do bairro, Lian vai se juntar a mim em pouco tempo, Emily está desaparecida e Paulo vai ficar sozinho.

Bebo de novo, tentando espantar os pensamentos ruins, mas é sempre muito difícil.

Eles são minha família, mas não consigo deixar de me preocupar ainda mais com Emily. Ela não sabe que a amo, na sua visão sou apenas um irmão mais velho, sei disso. Também sei que o que sinto por ela com certeza é amor, não há outra resposta pelo sentimento que eu tinha toda vez que a via de manhã. O cabelo sempre estava solto e ela sempre havia acabado de sair do banho, porque era o horário em que Philip ainda estava dormindo e ela conseguia alguns minutos de paz daquele escroto. Apesar de não cuidarmos muito de nós mesmos, ela sempre foi a mais bonita do nosso bairro desde o dia em que a conheci quando era criança. E sou apaixonado pela maneira como era educada mesmo no ambiente em que vivíamos, como quando conseguíamos alguma comida escassa ela dava a Paulo ou como nunca reclamava de nada sobre a vida, quando era a que mais sofria. Tudo que eu mais queria era tomá-la em meus braços e carregar ela para longe, dizer que tudo ia ficar bem e que a amava, mas também sei que isso era, e ainda é, um sonho impossível.

Volto a realidade e observo quando um homem entra no local, vasculhando o lugar rapidamente com os olhos, e depois começa a caminhar em direção ao bar. Ele para ao meu lado e pede uma bebida a Bryan.

— Você é o Gabriel? — pergunta, se apoiando com um braço no balcão.

Me viro para poder olhá-lo.

Ele com certeza é um subordinado do chefe do bairro, dá para perceber apenas pela maneira como se veste. As roupas são limpas e carregam emblemas das marcas famosas nos tecidos, enquanto no pulso ele está usando um relógio grande dourado. Mesmo que ele não usasse nada dessas coisas, o que o denunciaria seria o seu perfume. Ninguém do bairro usa perfume.

— Sou. — respondo, sentindo meu estômago embrulhar.

— Muito bem-vindo, cara. Pode me chamar de Thomas, o Chefe me mandou aqui falar com você. — ele pega a bebida que Bryan o entrega e toma tudo em um só gole. — Me vê mais uma.

— É pra já. — fala o barman.

— O que você quer falar comigo? — pergunto.

Ele se senta, enquanto olha as strippers.

— Você foi recrutado antes do tempo, garoto, não sabe direito das coisas, por isso vim te explicar.

Observo quando ele passa a mão pelo cabelo repleto de gel e se encosta contra a madeira, aproveitando a paisagem.

— O que eu preciso fazer? — me viro na direção dele, bebendo o último gole de whisky.

— Você sabe que pra entrar precisa passar por uma missão, por assim dizer, mas se preferir pode chamar de rito de passagem. — ele sorri, mostrando o dente da frente lascado.

— Já esperava por isso. — resmungo, colocando meu copo em cima do balcão.

— E você já começou super bem, garoto. Perdemos uma das meninas que se juntaria a nós em poucos dias, disseram que ela foi levada por um cara rico que apareceu no bairro. — explica, enquanto sinto meu corpo todo congelar ao ouvir isso. — Muitos compradores já estavam de olho nela por ela ser "virgem". — ele ri, enquanto faz as aspas, ao mesmo tempo em que me seguro para não matá-lo aqui mesmo. — Mas nós sabemos que não é bem assim, todas nunca são virgens. Mas enfim, até o Chefe estava interessado quando disseram que ela era mesmo bonita e ainda jovem.

— E daí? — pergunto, percebendo que meu tom saiu mais mal-humorado do que pretendia, por sorte o idiota não percebe, já que não tira seus olhos das mulheres mesmo quando Bryan lhe entrega a bebida.

— Você vai achá-la.

Desvio o olhar, me remexendo na cadeira, sentindo outra onda de enjoo.

Porra, isso só pode ser zoação. Eles devem saber, com toda certeza, que eu sou amigo da Emily. Isso é mais do que golpe baixo. Mas eu já deveria esperar, todas sempre falam que as tarefas de iniciação não são fáceis, que elas fazem com que você queira desistir antes mesmo de sequer entrar na gangue.

— Como eu vou fazer isso? — pergunto, tentando me manter estável emocionalmente.

— Marquei um encontro com uma mulher que diz conhecer a garota, ela vai passar algumas informações pra nós. — ele finalmente olha para mim novamente, mas logo em seguida sorri quando olha algo por cima dos meus ombros. — Aí está ela.

Me viro, observando a mãe de Emily se aproximar de nós.

Ela é o completo oposta da filha. Seus cabelos são curtos e negros, sua pele mais morena que a de Emily que é branca, seus olhos são verdes e ela é mais alta que a filha. O top branco quase não cobre por completo seus seios fartos e a mini saia também branca ainda revela grande parte do traseiro. Jane está com os olhos vermelhos e o cabelo bagunçado, mas não parece se importar enquanto traga a erva.

Pelo menos, posso contar com um pouco de sorte dela nunca ter me visto junto de Emily. Ela não faz ideia de quem eu sou.

— E aí, gato. — cumprimenta ela, beijando a bochecha de Thomas e fazendo o mesmo sorrir, igual a um idiota. — Oi, bonitinho. — ela se vira e faz o mesmo comigo. — Vocês são os que querem as informações, não é?

— E você só pode nos oferecer isso? — pergunta Thomas ao meu lado, ainda observando a roupa de Jane.

Ela sorri, um sorriso largo de alguém muito chapado, e pega a bebida de Thomas.

— Pagando bem posso dar tudo que você quer.

— As informações. — sussurro, perto do imbecil.

— É, claro, elas são importantes também. — ele se arruma na cadeira, tentando parecer minimamente decente. — Queremos saber sobre a garota.

Jane dá mais um trago, soltando a fumaça distraidamente sem pressa, e depois bebe.

— O que querem que eu conte?

— Qual é o nome da garota?

— Emily. — responde, e eu observo com o ódio contido enquanto ela não demonstra qualquer emoção ao responder às perguntas.

— Quando que ela faria aniversário?

— Daqui a duas semanas, eu acho.

É daqui a oito dias, sua vaca.

— Você viu quando ela foi raptada? — pergunta Thomas, e começo a perceber que ele ficou mais sério.

— Eu estava ocupada trabalhando quando tudo aconteceu, mas ouvi o resto com os meus vizinhos. — em seguida, ela solta um riso baixo. — E ela não foi raptada, aquele idiota veio buscá-la.

— Que idiota? — pergunto, mais rápido do que gostaria.

Ela me olha, desviando finalmente a atenção do baseado.

— Você é meio novo pra ter sido mandado pelo Chefe, não acha?

— Gabriel é o nosso mais novo recruta, ele quem vai achar a garota. — esclarece Thomas, sorrindo.

— Gabriel... — repete ela, apertando os olhos ao me observar.

Tento parecer indiferente quanto ao seu olhar que me estuda de cima a baixo, mas é difícil não me deixar abalar ao pensar que ela pode já ter me visto antes e que isso pode dar uma merda muito grande.

— Você é bem bonitinho, rapaz. — sussurra ela, por fim.

Desvio o olhar, me remexendo inquieto.

Não dá para explicar o quanto isso está sendo bizarro e constrangedor.

— As informações, por favor. — peço, fazendo com que ela revire os olhos.

— O idiota que veio buscá-la é filho de Henrique Prior.

Franzo o cenho, tentando lembrar se já ouvi esse nome antes.

— O diretor daquela empresa rica que foi assassinado? — pergunta Thomas ao meu lado, parecendo muito surpreso com a informação.

— Exato.

— Qual é o nome do filho dele? — pergunto.

Jane faz uma careta, parecendo pensativa, e depois traga mais uma vez.

— Eu não lembro, já faz muito tempo desde a última vez que vi aquele playboyzinho. — responde, e percebo o veneno na sua voz ao falar dele.

— Não é difícil descobrir, se eu pesquisar na internet consigo achar informações sobre ele. — fala Thomas, parecendo ainda mais sério agora. — E o que mais?

— Como assim? — pergunta Jane.

— Sobre a garota, o que mais você sabe?

— Eu sei tudo dela. — responde, bebendo.

— E como isso é possível? — pergunto, sem perceber o que acabei de fazer, mas sem conseguir aguentar a raiva.

— Porque ela é minha filha. — responde, encarando a mim, sem nem mesmo hesitar ao falar isso.

— Sua filha? — repete Thomas, surpreso, mas em seguida já começa a rir. — Que coincidência do caralho. Filha de puta, putinha é.

Me viro, ficando de costas para os dois e pedindo rapidamente uma bebida para Bryan.

Sei que tenho que me manter calmo, me manter neutro a cada palavra e a cada vez em que o nome de Emily é proferido, mas ouvir a voz irritadiça de Thomas falar algo tão sujo sobre ela faz com que eu perca a compostura.

— Vai com calma com esse whisky, garoto. — fala Bryan, me entregando o copo. — Vai ficar bêbado desse jeito.

— É o que eu pretendo. — digo, bebendo um gole.

— Ela não deve ser tão boa. — ouço Jane dizer, e me viro de volta. — Não tanto quanto a mãe.

Thomas ri, enquanto ela pisca para o idiota.

— Ouvi rumores de que ela é bonita, é verdade?

— Emily? Bonita? — Jane ri, mas não há humor.

— Ela se parece com você? — pergunto, girando o copo, fazendo a bebida manchar as laterais.

— Com certeza, não. — responde, inclinando a cabeça para o lado.

— Então tenho certeza que ela é bonita.

Jane sorri, um sorriso quase diabólico, e traga o baseado.

— Eu conheço você, não conheço, moleque? — ela se aproxima, o decote invadindo meu espaço pessoal, enquanto sussurra com um veneno claro no seu tom. — Você é muito, muito, familiar.

Respiro fundo, bebendo devagar, tentando fazer meu coração se acalmar ao perceber que as batidas estão tão rápidas quando as da música eletrônica nesse lugar.

— Eu acho que não, moça. — sussurro de volta, enfatizando a última palavra.

Nós nos encaramos.

Posso dizer que eu estaria morto se um olhar pudesse matar.

Thomas pigarreia, fazendo Jane se afastar.

— Tem mais alguma informação importante? — pergunta.

Jane olha para mim por mais alguns segundos, antes de desviar a atenção para ele.

— A garota não passa de um desastre ambulante. — ela remexe o copo roubado com as unhas pontudas vermelhas. — Ela é inocente demais, acreditaria se dissesse que você é o papai Noel.

— Ela morava com alguém? Talvez essa pessoa também possa ajudar.

— Ele está morto. — interrompe Jane.

— Como sabe?

— Meus vizinhos viram o capanga do capetinha do Prior colocá-lo dentro do porta-malas do carro.

— Ele fez isso na frente de todos? — pergunto.

— Sim. — responde, sem me olhar. — Depois disso, Emily levou ele pra dentro da nossa casa e saiu de lá alguns minutos depois, indo embora com ele.

— Porque ela iria com ele? — questiona Thomas, antes que eu tenha a chance.

— Eu não faço ideia. — ela bebe o resto da bebida no copo. — Ela nem sabe o que a aguarda estando sob as garras do Prior.

— Por que diz isso? — pergunto, mais curioso do que deveria mostrar na frente deles.

— Emily não sabe ainda, mas no final ela seria dele de qualquer maneira. — ela responde, encarando algum ponto, distraidamente.

— O que tinha no seu baseado? — Thomas ri e coloca a mão no bolso, tirando um maço de cigarro. — Quer?

— Não. — respondo, recusando quando ele me oferece.

— E um baseado?

— Eu não fumo.

— Não fuma? — ele ri de novo, pegando o isqueiro em outro bolso, então sussurra. — Por enquanto. — ele traga fundo uma vez e depois passa para Jane. — O filho de Henrique Prior vai ser um grande problema então.

— Pode apostar que sim.

— Espera. — peço, fazendo com que os dois se virem na minha direção. — Você não disse que ela é sua filha?

— Sim, e daí? — pergunta, indiferente.

— Você não a ama?

Vejo Thomas olhar de mim para Jane e depois para mim novamente.

— Por que eu deveria? — questiona ela.

— Porque ela é...

— É minha filha? — Jane sorri, um sorriso sem emoção. — Depois que eu a tive, minha vida foi virada de cabeça pra baixo. Meu marido me trocou por uma oportunidade de trabalho e eu tive que viver naquela maldita casa com ela e com aquele imundo do Philip. Sinceramente, se eu encontrar o capanga do Prior, sou capaz de beijar ele por isso.

— Algo mais? — pergunta Thomas, pegando o cigarro de volta da mão de Jane, ficando entediado com o rumo da conversa. — Sua história é triste, que pena, mas não estou aqui por isso. Se ela arruinou a sua vida, me dê a chance de se vingar por você.

Olho de Thomas para Jane, percebendo aonde isso vai dar.

— Porque não falamos melhor sobre isso no privado? — ela se aproxima dele, traçando um caminho longo pelo colarinho dele com o seu dedo.

— Depois eu te atualizo sobre a busca. — fala Thomas para mim, já se levantando. — Foi um prazer te conhecer, garoto.

Observo enquanto os dois desaparecem na curva do corredor, sentindo minhas mãos suarem ao cair a ficha da minha situação.

Bebo um pouco mais de whisky, apoiando minhas costas no balcão, e aceitando os outros copos toda vez que Bryan me entrega um.

Uma Nova Chance Onde histórias criam vida. Descubra agora