CAPÍTULO 29

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Thorment assinou mais um papel e dessa vez rosnou.
"Candid, se colocar mais um papel na minha cara, vou sair por aquela janela." Ele disse.
"Ainda bem que sou Simple, então. Mas esse é o último." Thorment assinou, era estranho assinar seu nome num papel. Antes só precisava dizer que ia fazer, ou que ia pagar. Ele teve de adotar um sobrenome!
Thorment North. Candid o assegurou de que Justice não se importava. Thorment tinha vindo da mesma instalação que ele, no norte, achou apropriado.
Era sexta-feira a reforma tinha acabado, Thorment e os outros estavam ainda se acostumando com a nova rotina, ele até tinha que dar o braço a torcer que estavam mais rápidos na produção. Candid contratou três ajudantes e eles e Blade faziam o corte sob medidas para os móveis, ficando Bells e os outros para a montagem e finalização. Ele, Thorment, estava dividindo seu tempo entre assinar uma montanha de papéis e trabalhar num ou outro móvel. Ele gostava demais de produzir para ficar sentado naquela escrivaninha, no alto, só olhando. Enrico estava passando muito tempo ali. Ele tinha aulas de manhã, Marlena e ele vinham almoçar com Thorment no refeitório e depois, Enrico ia para a fábrica, ficava lá até a hora em que Thorment ia para a casa de Marlena.
"E tem isso, T." Enrico entregou a ele uma planta de uma casa. Thorment observou que era uma casa grande de dois andares e franziu as sobrancelhas.
"E isso seria?" Enrico olhou para Candid e eles riram. Candid fez um gesto para Enrico explicar.
"É uma planta de uma casa." Thorment suspirou, seu filhote enteado, segundo disseram que Enrico era dele, era bem engraçadinho.
"E..." Ele se recostou na cadeira e cruzou os braços.
"E é a surpresa de aniversário que você vai fazer para a mamãe, daqui a três meses." Ele e Candid tocaram as mãos.
"E nem precisa nos agradecer. Conseguimos que Marlena fizesse isso, sem nem imaginar que estava fazendo. Ela vai adorar!"
"Vocês poderiam não tomar o meu tempo e falarem claramente?" É claro que ele entendeu, estava chocado com a possibilidade. A casa que eles moravam era muito pequena, eles só tiveram privacidade o dia que Enrico dormiu na casa de Candid. Mas devido ao fato de estar muito ligado a ele já, Thorment não gostou dele ter ido dormir fora.
"Uma casa! Para vocês, padrão Família Nova Espécie, com os quartos dos filhotes no andar de baixo e o dos pais no andar de cima. E com paredes a prova de som. Já falei com Slade. Ele odiou, isso é um bom sinal." Candid sorriu malvado, Enrico sorriu malvado, Thorment não resistiu, e sorriu também.
"E vamos guardar segredo?" Ele não gostou dessa parte.
"Você é que sabe, T. Seria um lindo presente de casamento. Mas se não quer mentir, eu entendo. Não gosto muito também, ainda que seja por uma boa causa."
"Vocês são uns bundões. Não é mentira, é uma omissão. E eu pensei que seria um presente de aniversário, Enrico." Candid disse. É claro que mentir para ele não era problema. Mas Thorment se fixou no fato de que ele tinha razão: era um presente de aniversário, ou de acasalamento?
"Não vai dar uma casa para ela sem casar com ela. E pode aproveitar e casar no aniversário dela, dá tempo." Enrico fechou a cara, Thorment pensou que quando ele estivesse mais velho, indo para a tal faculdade dos humanos, ou se acasalando, ele se lembraria que foi naquele exato momento, que descobriu que o amava. Ele o amava com se fosse seu filhote, como se tivesse brotado da sua semente.
Ele se levantou, se ajoelhou em frente ao filhote e com os olhos nos olhos dele disse:
"Eu me sinto honrado em ser companheiro de sua mãe e fico muito feliz por você concordar com isso. Vamos fazer como você disse." Enrico olhou para o chão e apertou os lábios. Thorment se levantou, tinha feito algo errado como sempre.
"Bom, vamos almoçar? Marlena já deve estar esperando, Enrico." Candid aliviou a tensão. Enrico se virou e mexeu na sua mesa, mas Thorment viu que ele passou a mão pelo rosto. Ele olhou para Candid, tentando entender o que fez de errado, mas o pestinha abriu um sorriso e fez sinal de Ok. Thorment não entendeu, porém, do nada a fisionomia de Candid mudou e ele o olhou com pânico. Thorment se aproximou dele.
"O que foi?" Candid fechou os olhos, quando os abriu, Thorment se impressionou com a dor que viu neles.
"Simple?" A voz de Cassandra soou na porta da fábrica. Ele suspirou.
"Será que dá pra fugir?" Candid sussurrou. Thorment apertou o ombro dele, tentando mostrar simpatia.
Ele desceu as escadas, Thorment e Enrico também. Ele parou a frente de Cassandra, seu rosto sempre afável, estava contrito, o olhar duro. E Thorment viu, nesse momento que ele era Simple. Candid nunca tinha estado na fábrica, sempre foi Simple. Ou talvez, numa outra ocasião pode ter sido Honest ou o próprio Candid, mas na maioria das vezes, foi Simple quem trabalhou ali. Foi Simple quem implementou o novo processo de trabalho, foi ele que colocou Marlena na cabana de Hills.
"Eu vim me despedir." Ela disse, os olhos azuis implorando algum calor dos dele.
"Adeus." Ele disse e olhou para Thorment:
"Vamos?" Thorment olhou para Enrico que não parecia saber o que fazer, mas que ainda assim se dirigiu a Cassandra:
"Vamos sentir a sua falta, Cassie. Espero que você volte um dia. E que seja muito feliz na faculdade." Enrico a abraçou, ela retribuiu o abraço fechando os olhos. Quando o soltou uma lágrima escorreu.
"Por favor, não chore. Sabe que isso é o melhor." Simple disse, os braços cruzados com força. Thorment percebeu que ele cruzou os braços para não tocá-la.
"Eu posso falar com você?" Ela pediu, ele rosnou baixinho.
"Por favor?" Ele indicou as escadas, ela subiu, ele a seguiu.
Bells e Silent saíram dos fundos da fábrica e se aproximaram de Thorment e Enrico. Havia um monitor ligado, eles podiam ver tudo o que acontecia no mezanino. Thorment queria esperar, Simple ia precisar deles quando a conversa acabasse.
"Você foi bom com ela, Rico. Fez bem." Bells disse.
"Ela foi se despedir, Jewel rosnou para ela como sempre faz, mas quando ela saiu, Jewel chorou. Eu tenho muita pena dela, sabe, Michelle também. Ela é boa, não merece ser tão sozinha." Thorment concordou. Cassandra era boa, mas a história dela com Simple era complicada.
"Eu não sei mais o que te dizer, Cas. Eu gosto de você, mas não podemos ficar juntos." Simple disse. Thorment sentiu a dor na voz dele e se sentiu triste por ele. Enrico o abraçou pela cintura, também estava triste. Thorment viu que Silent tinha segurado na mão de Enrico. Ele era outro que amava Simple, muito, demais. Tanto que sentia a dor do amigo.
"Eu não podia ir embora sem tentar fazer você ver que isso é uma bobagem, Simple. Se gosta de mim e eu amo você, por que quer que eu vá? Eu não quero ir!" A voz de Cassandra estava trêmula.
Thorment passou o braço pelos ombros de Enrico. Era muito ruim ficar ali, mas eles não dariam um passo.
"Você mais do que ninguém sabe que na vida, nem sempre temos o que queremos. E não é como se nunca fossemos nos ver de novo. Podemos nos encontrar daqui a alguns anos."
Simple disse, a voz firme.
"Isso é uma promessa?" Ela perguntou.
"Não. Não quero que você viva com essa expectativa, isso ia estragar a sua vida. Eu quero que você seja feliz!" Ele disse andando para longe de onde ela estava, indo para a grande janela e olhando para longe. O lago ficava naquela direção, embora não se pudesse vê-lo dali. Ele e os irmãos tinham uma conexão com o lago, todos sabiam.
"Eu não posso ser feliz sem você." Ela respondeu. Ele não se virou da grande janela.
"Pode e vai. No começo vai se sentir triste, mas você é uma guerreira, venceu uma luta muito difícil, quase perdida, mas aqui está você. Você é forte, você é..." A voz dele falhou.
"Você me salvou." Ela disse.
"Sim. Mas para que você fosse feliz. Seja feliz, Cas. Viaje, namore, dance! Aproveite a vida." Thorment percebeu que a voz de Simple baixou um tom quando sugeriu que Cassandra namorasse.
"Por que ele não quer ficar com ela?" Enrico perguntou.
"Por que ele é muito mais novo que ela, ela não viveu nada da vida, pode estar só muito agradecida. Simple espera que com o tempo, ela tenha como saber se o ama mesmo." Silent explicou baixinho. Ele devia saber, ele e Simple eram íntimos.
Em cima, no mezanino, Simple e Cassandra ficaram em silêncio. Só aí Thorment percebeu que a fábrica toda estava silenciosa. Ninguém movia um músculo.
"Então, me faça esquecer." Cassandra disse. Bells arregalou os olhos amarelos. Thorment não entendeu, olhou para Enrico que deu de ombros.
"Não, não posso."
"Sim, você pode. Ros me disse como você me fez dormir no helicóptero. E eu ainda não consigo falar de... Você sabe, eu não consigo falar daquele..."
"Não. Isso pode te fazer mal. Você conheceu Michelle. Nós quase a fizemos não conseguir falar direito. E a ordem foi que falasse claramente. Ela tinha gagueira de nervoso, depois que a sugestionamos, ela quase não conseguia falar. E tem o tio Francis. Ele não pode ouvir a palavra Reserva que exige o helicóptero, ou ver carne. Andrew, o ex marido de Jocelyn está numa instituição. Não vou te expor a isso. Você tem força suficiente para me esquecer." Ele falava e Bells assentia. Thorment não entendia como Bells não tinha quebrado a cara desses filhotes.
"Ou me faz te esquecer, ou não saio daqui." Ela bateu o pé.
Simple se aproximou dela, o queixo erguido, sua coluna esticada. Ele era filho de Valiant, o grande leão, Thorment as vezes se esquecia do quanto eles eram poderosos. Cassandra deu um passo para trás.
"Eu posso facilmente fazer você sair." Ele continuou se aproximando, ela recuou até ficar com a bunda encostada na grande mesa de Thorment.
"Me dê um beijo, então. Um beijo de despedida, um último beijo." A excitação dela ardeu no nariz de Thorment. Engraçado como o cheiro não era ruim, mas não o atraía. Bells e Silent franziram os narizes, parecia ser a mesma coisa com eles.
Simple a atendeu. Thorment e Enrico olharam para o chão, Bells e Silent também. Não iriam sair, porém.
Do nada, Marlena o tocou, ele pulou, quase fazendo Enrico cair.
"O que está..." Ela olhou o monitor, Simple tinha suspendido Cassandra, ela estava sentada na mesa, ele estava entre as pernas dela enquanto a beijava.
"O que significa isso?" Ela disse alto, suas bochechas estavam vermelhas. Era meio pervertido, Thorment tinha de admitir.
"Parece que estão tendo um bom momento e não sabem que estão sendo expiados." Bestial disse atrás deles. Thorment rosnou.
"Foi Simple que instalou essas câmeras. Ele sabe que estamos aqui, Cassie também sabe. Não fale do que você não sabe, Bestial." Enrico disse frio. Thorment quase sorriu, mas segurou quando viu que Marlena não gostou do tom do seu filhote.
Simple largou Cassandra, ela ajeitou a roupa.
"Vá, seja feliz. Eu te desejo todo o sucesso do mundo." Ele disse, desceu as escadas e saiu da fábrica. Silent e Bells foram atrás dele.
Cassandra não demorou para descer e
Marlena a abraçou com carinho. Ela chorou nos braços de Marlena, enquanto Marlena sussurrava encorajamentos em seu ouvido.
"Tudo vai ficar bem, querida, mas você tem de acreditar." Cassandra acenou, fez sinal para Bestial e saiu. Ela o esperaria no jipe.
"Vai levá-la ao aeroporto?" Enrico perguntou.
"Não. Ela vai passar em Homeland, uma amiga dela está trabalhando lá." Ele informou.
"Que amiga?" Marlena perguntou.
"A Ros, mamãe, do hospital, elas são amigas, você não sabia?" Enrico perguntou.
"Rosalie? Não. Eu não conversei muito com ela. Mas isso é bom."
"Eu gosto dela, ela me tratou bem, naquela vez que eu..." Ele parou de falar, parecia envergonhado. Thorment pensou em perguntar sobre isso uma outra hora.
"Então, é isso. Adeus! Cuide bem deles, Thorment. Ou eu venho aqui e..."
"Toma uma surra? Eu te faria engolir esse colete, você sabe, né?" Thorment o provocou e Enrico riu. Até Marlena sorriu de leve.
Ele saiu da fábrica e eles também. Ainda viram Bestial manobrar o jipe e sumir na estrada. Cassandra tinha o rosto vermelho, ela chorava.
No refeitório, a conversa baixa das mesas o afligiu. Presenciar a dor de Simple o deixou triste. Marlena falava de coisas amenas, segurando em sua mão, mas ele queria tocá-la, sentí-la. Olhou para Enrico, ele entendeu e disse:
"Posso comer com Leaf? Ele me leva pra casa depois. Ou posso dormir na..." Enrico começou, mas Thorment não o deixou terminar.
"Pode comer com Leaf, embora boa sorte em conversar com ele, mas irá pra casa depois. Sentimos sua falta quando você dorme fora." Ele olhou para o filhote, agradecido por ele ver que precisava de um momento com Marlena. Enrico sorriu.
"Eu também senti falta de vocês. Mas vou chegar tarde. Leaf quer convencer Christmas a compartilhar sexo com ele mas não sabe como, vou ajudar." Ele disse e se afastou.
"Como assim? Vocês conversam sobre sexo com ele?" Marlena disse enquanto via Enrico puxar uma cadeira da mesa afastada onde Leaf estava e se sentar.
"Somos todos machos, Marlena. Sobre o que acha que falamos? Sexo é uma coisa natural da vida. E não se preocupe, ele acha as filhotes muito chatas. Tirando Flora, é claro, ela é a unanimidade entre todos os filhotes machos, ela é um anjo, todos são um pouco apaixonados por ela. Mas é de John. Pelo que sei, Harrison é uma ameaça." Thorment informou, Marlena riu.
"O quê?" Ela ria sem parar, tanto que quando parou, seus olhos lacrimejavam.
"Você, Thorment. Você todo sério, carrancudo, falando sobre as intrigas dos filhotes pequenos. É muito engraçado. E como sabe tanto?"
"Enrico me contou." Ele e Enrico sempre falavam sobre os filhotes, Thorment adorava, era como se houvesse um universo paralelo na Reserva. Eles tinham até suas próprias regras. Filhotes fêmeas não podiam lutar entre elas, por exemplo.
"Então, me conte outra coisa." Ela pediu, os olhos brilhando.
"Depois. Agora vamos aproveitar que Christmas é celibatária e não vai cair na lábia de Leaf." Ele disse e estendeu a mão. Eles saíram do refeitório e subiram no jipe.
"Os jipes. Eles tem dono?" Ela perguntou.
"Esse é meu. Um dia, depois de muito trabalho, eu estava exausto, e na hora de ir pra casa, a noite, o estacionamento estava vazio, tive que ir correndo. Não é ruim, nós amamos correr, mas eu falei com Harley e ele me ajudou a comprar esse aqui." Ele bateu no painel de seu velho amigo. Harley dava nomes pra suas motos, ele o entendia.
"Christmas é celibatária? Como você sabe?" Ela perguntou, Marlena gostava de saber das coisas.
"Eu e ela compartilhamos sexo a muito tempo atrás, quase dezenove anos, eu acho. Um dia, a não muito tempo, ela veio para a Reserva e ela queria compartilhar sexo comigo, mas eu me recusei. Conversamos e ela disse que ia tentar ser celibatária também, ela disse que os machos eram muito possessivos e ela estava cansada disso. Ontem, ela veio encomendar uma mesinha de café, para o quarto no hotel. Simple então comentou que ela não compartilha sexo a anos. Ele sabe dessas coisas."
"Como?" Ela ainda estava curiosa.
"Ele tem um super faro, melhor do que qualquer Nova Espécie. Não sabia disso?"
"Sim, mas achava que era só melhor, não que podia dizer essas coisas."
Thorment parou o jipe a ajudou a descer e eles entraram na casa de mãos dadas.
Ele tinha de dizer, embora suas mãos estivessem tremendo.
"Ele inclusive pode saber que uma fêmea está grávida, antes do macho dela. E pode até saber o sexo do filhote na barriga da fêmea."
Ela arregalou os olhos.
"Eu já ouvi dizer que vocês sabem que uma mulher está grávida, mas depois de um tempo." Ela disse. Thorment a beijou.
"Ele pôde dizer que Jocelyn estava grávida um dia depois dela compartilhar sexo com Leo." Ele informou. Marlena acenou.
"A cada dia que passa percebo que sempre há algo a aprender sobre vocês." Ela sorriu.
"Ele me avisou sobre você, aliás. Mas eu só quis contar quando eu também pudesse sentir o cheiro do meu filhote na sua barriga. Eu posso e é o melhor cheiro do mundo." Ela abriu a boca, surpresa, Thorment aproveitou e tomou sua boca num beijo quente, sedento. Era bom demais tê-la em seus braços. Era a felicidade pura e simples.
"Mas eu tomo anticoncepcionais, eu e Bestial, nós não..." Thorment rosnou e segurou o rosto dela pelo queixo.
"Aquele macho é o maior idiota que eu já conheci, não compare a minha semente à dele. Eu sou Thorment North, canino, forte e resistente. Fazer minha semente brotar em você é uma questão de honra, você é minha. E não seria um comprimido que ia me impedir." Ele tomou a boca dela, dessa vez só a deixaria falar depois que se saciasse dela.

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