Thorment pegou a última cadeira da última fileira e a afastou o máximo que se podia sem parecer que ele queria distância dos outros. Ele queria, é claro, mas não queria que isso ficasse muito explícito.
Um padre, igualzinho a todos os padres dos filmes, velho, simpático e com fofos cabelos brancos esperava de pé no espaço delimitado para se realizar a cerimônia. Parecia até um casamento.
Bells e Michelle já estavam do lado direito do padre. Bells segurando Jewel, muito linda num vestido azul e Michelle com o filhote mais novo deles Treasure. Era um lindo bebê, idêntico a Bells com a pele escura, cabelos castanhos com mechas loiras e olhos amarelos. Até as presas maiores ele tinha. Como se sentisse o olhar de Thorment, Bells sorriu para ele, mas Thorment não era de muitos sorrisos, então só acenou com a cabeça.
Os padrinhos ainda não estavam presentes e um burburinho se ouvia entre os convidados. Jewel era conhecida por seu mau humor, por ser anti social, seus pulmões fortes e sua recusa em ficar vestida por muito tempo. Os laços em seus cabelos já tinham sido arrancados e estavam no chão.
Teorias e teorias do por que ela era assim, choviam por toda a Reserva. Thorment só achava que ela era criteriosa com sua afeição e seus sorrisos. Da mesma forma que não tolerava quem não a cativasse. Quase ninguém a cativava.
Dusky apareceu apoiando Ann pelo braço. Seu rosto estava totalmente sombrio e seus lábios franzidos. Ann vinha muito bem vestida, ainda que o vestido longo não ajudasse muito a melhorar sua aparência. Ela continuava meio cega, os cabelos cresciam e caíam o que deixava sua cabeça cheia de tufos irregulares de cabelo. Suas feições continuavam encovadas, um lado de seu rosto estava torto, sua boca antes bem feita estava muito torta e os olhos estavam fundos, ainda que eram lindos olhos verdes claros. Ela estava usando um lenço na cabeça, o que a deixava elegante. Mas seu andar era claudicante, com o corpo inclinado e um braço torcido.
Eles se postaram do lado de Bells, Michelle e dos filhotes e fizeram sinal para o padre iniciar a cerimônia. Jewel, assim que viu Ann gritou:
"Dinda!" E abriu um lindo sorriso cheio de dentinhos brancos e duas presinhas. Ela desceu do colo de Bells e abraçou o corpo de Ann, pois a fêmea não tinha forças para segurá-la.
O padre falou sobre a responsabilidade de se criar um filho e todos os sacrifícios que advém da paternidade, ressaltando a recompensa maior: o de cumprir o mandamento sagrado de crescer, frutificar e multiplicar. Thorment agradeceu por não ser católico, pois se havia algo que ele nunca quis ser era pai.
O batizado estava indo muito bem quando Dusky ergueu Jewel em seu braços, esperando as instruções do padre. Ele porém a ergueu acima dele e Jewel puxou o cabelo branco do padre e para surpresa geral, o cabelo branco brilhante e fofo nada mais era que uma peruca. Jewel balançou o tudo de cabelos na mão e o jogou na pia batismal que o padre tinha trago de sua paróquia.
Thorment não era muito de risadas, mas teve que fechar os lábios com força, quando percebeu que a peruca do padre ficou parecendo um gatinho branco se afogando na água benta. Alguns não conseguiram segurar e riram. Thorment, no entanto acabou admirado do bom humor do padre quando disse que pais e padrinhos tinham de ser amigos sinceros e que nunca deveriam esconder nada sobre a criança uns dos outros. Ele arrematou fazendo todo mundo rir dizendo que a peruca era proposital. Era para mostrar o quanto era constrangedor ser pego se passando pelo que não se era. Ele ainda falou que tinha combinado com Jewel, ao que ela disse: ' não!'.
Todos bateram palmas nessa hora e ela também bateu. Thorment teve de admitir que Jewel era encantadora, mesmo sendo a filhote mais custosa da Reserva. Bells teve de pedir licença da fábrica durante a gravidez de Michelle por que ela sentiu ciúme do filhote que ia chegar e ficou terrível.
A hora de molhar a cabeça dela chegou e todos fizeram silêncio. Poderia se ouvir uma mosca voar. Ann porém deu um beijo na bochecha dela, sussurrou que ela ficasse bem quietinha e Jewel obedeceu. O padre molhou a cabeça dela, declamou as palavras sagradas e Jewel, para a decepção geral, se portou exemplarmente.
Um suspiro de frustração partiu dos convidados. Slade, porém, soltou um 'yes!', recebeu um violento beliscão de Trisha e não parou mais de sorrir. Segundo as regras idiotas das apostas, se nenhum dos eventos apostados acontecesse o dinheiro era dele.
O padre encerrou a cerimônia pegou a peruca da pia, a torceu e a colocou numa bolsa. O altar improvisado foi desmontado, as cadeiras dispostas em fileiras foram organizadas em volta de mesas e um aparador abarrotado de comida apareceu num canto.
O refeitório deles era muito versátil.
Thorment ia embora, mas resolveu comer alguma coisa. Pegou um prato, encheu com carne, procurou uma mesa mais distante e começou a comer.
"Thorment, precisamos conversar." Ele não ergueu os olhos da comida ao dizer que não. Com sorte, Candid iria embora.
"Eu te procurei na fábrica, você disse que estava sem tempo, agora está aqui, não vejo por que não podemos conversar." Ele arrastou uma cadeira de outra mesa e se sentou.
"Por que eu menti quando disse que não tinha tempo. A verdade é que não quero conversar. E não vou." Thorment encheu a boca de carne e olhou feio para o filhote.
Sua vida era quase perfeita. Ele tinha um trabalho que adorava e vivia como queria, sozinho, sem problemas. Ele comia a comida deliciosa do refeitório, corria, nadava, pescava, tudo sozinho, tudo em paz. Sua vida só não era totalmente perfeita por causa do filhote a sua frente. Era até engraçado que Thorment pensou que tê-lo na fábrica, seria uma coisa boa, traria alegria aos trabalhadores. Mas a primeira coisa que aquele pestinha fez, em seu primeiro dia de trabalho, foi causar uma pane na energia, queimando várias máquinas e atrasando todas as encomendas. Thorment e os outros trabalharam semanas direto sem folga para compensar o prejuízo, e Candid foi mandado para a cozinha. Alguns meses, porém, ele e os irmãos aprontaram de novo e lá estava Candid na fábrica novamente. Dessa vez, Thorment tinha ficado de olho nele e ele não fez nada de errado, porém, quis se meter na organização do trabalho. Thorment nunca quis bater num filhote, mas esteve muito perto de fazer isso. Mas o castigo dele acabou antes de conseguir convencer os outros a mudar alguma coisa.
Há cinco ou seis meses atrás, a última vez que foram castigados, Candid veio trabalhar na fábrica completamente motivado, ainda que não gostasse da fábrica. Enquanto para Simple que adorava Leo e o zoológico e Honest que amava atormentar Destiny e os funcionários do hospital, o castigo pareceu férias, para Candid, trabalhar na fábrica foi realmente um castigo e foi aí que a vida perfeita de Thorment deixou de ser perfeita. Ele colocou na cabeça que a fábrica precisava de modernizar a administração, trouxe computadores e montou um escritório. No começo, os outros trabalhadores acharam engraçado, Candid ficar mexendo naquelas máquinas como se aquilo pudesse fazer um móvel aparecer do nada, só apertando um botão.
Mas quando ele começou a querer saber a quantidade de móveis que cada um produzia, a velocidade em que produziam, o custo do material, o horário em que trabalhavam, as reclamações começaram. E ninguém reclamava com Candid, todos iam pra cima de Thorment.
"Eu não vou embora, sem que conversemos." Ele cravou seus olhos dourados em Thorment.
"Basta que eu vá então." Thorment ia se levantando.
"Por que você é tão cabeça dura? Que porra, Thorment! Eu só quero melhorar a fábrica, torná-la mais produtiva! Aquilo lá é uma bagunça."
"Cale-se antes que eu quebre seu maxilar e arrume briga com seu pai, coisa que não quero fazer. Ainda mais hoje." Thorment usou sua voz mais baixa e implacável.
"Se tocar em mim, meu pai será sua última preocupação." E Thorment entendeu por que todo mundo evitava provocá-los. Ele nunca viu olhos tão malévolos. Um arrepio o percorreu e seus instintos caninos lhe disseram para deitar no chão e mostrar a barriga.
"Não gosto de ameaças, filhote. Nada que você faça, me fará permitir que você implemente essas frescuras na minha fábrica." Thorment não deixaria um filhote ficar com a última palavra.
"Eu posso procurar Bells e os outros." Céus! O filhote não desistia!
"Faça isso. Só me deixe comer em paz. Por que não vai atrás das prostitutas como seus irmãos? Veja, estão saindo." Ele olhou na direção de seus irmãos e Simple acenou para ele. Ele se levantou, seu irmão mais velho o chamava e ele obedecia, sempre foi assim.
"Isso não acabou." Ele disse. Thorment sorriu. Quem aquele filhote pensava que era? Ele também se levantou, ainda que aquele pestinha estivesse quase da sua altura, Thorment era mais alto e mais forte, então deixaria isso bem claro.
"Sim. Acabou. Não quero ver sua cara na fábrica na segunda. Não quero que você nem passe perto de lá. Espero nunca mais sentir nem mesmo o seu cheiro. E também espero que não tenha que falar com seu pai, como se você fosse um filhotinho insuportável que não enxerga que não é bem vindo num lugar." Thorment voltou a se sentar e a comer. Talvez tenha sido um pouco duro. Mas ele não teria filhos exatamente por que não sabia ser delicado com os sentimentos dos outros, nem queria aprender. Era celibatário pela mesma razão. Fêmeas eram irritantes, manhosas, ciumentas, mimadas, voluntariosas... E por aí ia.
Candid ainda ficou um tempo de pé, seus punhos fechados. Thorment continuou comendo, com todo seu corpo em alerta, mas não deu a entender isso.
"Candid, algum problema?" Simple se aproximou. Thorment pensou que o dia até tinha começado bem, era uma pena que não parecia que ia terminar da mesma forma.
"Não, Simple. Nada que eu não possa resolver." Thorment se recusou a levantar os olhos do prato. Já tinha dito tudo o que deveria dizer.
Eles foram embora. Ele quase soltou um suspiro de alívio, mas segurou. Não tinha medo deles.
Bells e Michelle apareceram e o agradeceram pela presença, até Jewel que estava andando de mãos dadas com seu pai sorriu para ele. Thorment tinha um carinho maior por ela. Talvez por que ela era humana e por isso não ficava correndo, pulando, saltando e quebrando coisas como os outros filhotes dos quais ele sempre mantinha distância, ou por simplesmente ser filhote de Bells, que na opinião de Thorment era o melhor macho que ele conhecia com um coração muito puro e bondoso. Convidar Ann para ser madrinha de Jewel confirmava isso.
Ele deu por encerrada sua participação no batizado e foi para a sua cabana. Chelsea deveria estar precisando dele.
Sua cabana era a mesma desde que ele se instalou ali, a mais de vinte anos já. Era pequena, funcional. Apenas um cômodo grande e um banheiro, a primeira e única concessão a funcionalidade humana foi a água quente no chuveiro. E ele nunca usava.
"Oi, querida." Ele saudou sua cadela que só conseguiu abanar o rabo. Ela estava muito velha e não conseguia mais correr, quase que só se arrastava. Ela estava deitada em sua caminha e tinha feito xixi e cocô ali mesmo. Thorment a pegou, a levou ao um tanque do lado de fora, na parte de trás da cabana, a lavou, secou e a alimentou. Lavou também a cama dela, colocou para secar e deitou Chelsea em sua cama, aconchegada a ele. Ela fechou os olhinhos feliz e ele começou a ler para ela o último livro da leva que ele tinha comprado. Thorment suspirou, ele odiava ir na cidade, mas teria de ir, para comprar outros e doar aqueles.
"Vamos lá, querida, espero que goste dessa história: 'Um amor cigano.' Eu gostei da capa e comprei. É sobre uma lady que se apaixona por um cigano. Até aí nada demais, você não acha?" Chelsea subiu e desceu suas orelhinhas, piscou. Isso indicava que ela estava ansiosa para ouvir.

VOCÊ ESTÁ LENDO
THORMENT
FanfikcePara Thorment, compartilhar sexo era um prazer efêmero se se fosse considerar o enorme trabalho que as fêmeas tanto humanas quanto as Novas Espécies davam. Ele não tinha o mínimo de paciência ou vontade de acasalar, então abraçou o celibato com gost...