CAPÍTULO 4

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Marlena e Enrico desceram do helicóptero e um Nova Espécie com cabelos compridos e ruivos fez sinal para entrarem no jipe. Marlena abriu um grande sorriso, já pensando que talvez fosse Simple.
"Oi." Ele sorriu calorosamente. Era jovem, muito jovem, ainda que fosse alto e forte. Depois de quase três anos em Homeland, Marlena estava acostumada a essa contradição que eram os 'filhotes', como eles chamavam, altos e fortes com um corpo adulto, mas com pouca idade.
"Simple?" Esse era talvez o filhote mais famoso dentre as duas cidades dos Novas Espécies.
Ele balançou a cabeça dizendo não, mas ainda mantinha o sorriso.
"Candid." Marlena buscou em sua mente o que sabia sobre Candid. Calado, simpático. Só. Mas ela poderia adicionar bonito, gentil, cavalheiro e várias outras características apenas naquele espaço de tempo em que ele dirigia os levando ao hotel.
Enrico passou os breve minutos em que estiveram no jipe de olhos bem abertos, olhando para os lados, buscando ver tudo o que pudesse.
"Olha, mãe! Tem alguém balançando ali!" Marlena olhou na direção que ele apontava e realmente havia uma criança pulando de um galho a outro, até que sumiu nas árvores.
"É Smile Two. Ele é primata e..."
"Mamãe! Smile Two! Faz um tempão que eu brinquei com ele. Candid, será que você podia ir por essa estrada? Ele é muito legal, muito bonzinho, eu senti saudade!" Marlena já ia dizer que não precisava, quando Candid entrou com o jipe na estrada em questão.
"Smile?" Ele parou o jipe bem no meio da estrada, que era de terra e ficava ladeada por grandes árvores.
Não demorou e Smile Two apareceu se pendurando. Havia outra criança com ele, essa loira e um pouco maior.
Eles saltaram
"Enrico!" Smile Two abraçou seu filho e Marlena teve de segurar uma lágrima. Ela, mesmo depois de três anos, ainda não podia acreditar na sorte que teve, quando saiu de uma vida de prisão e abusos, para ir morar no paraíso.
"Este é Sunny." Smile Two apresentou seu amigo. Era um menino diferente, até para padrões Nova Espécie, pois tinha os olhos diferentes, um azul, outro castanho. Ele estendeu a mão e Enrico apertou.
"Vamos fazer assim: vamos para o refeitório e vocês ficam lá brincando, enquanto sua mãe vai para o hotel e cuida da instalação de vocês. Que tal?"
As crianças pularam de alegria e Candid as deixou no refeitório e seguiu com Marlena para o hotel.
Ele parou e antes que Marlena descesse perguntou:
"É só uma temporada? Por que pelo que sei, você está aqui, por causa do fim do seu relacionamento com Bestial, não é?" Marlena ergueu as sobrancelhas, como ele sabia?
"Eu pensei que talvez fosse muito trabalhoso ficarem no hotel para daqui a uns dias vocês irem para uma casa. Porque não vão de uma vez?"
Ela ponderou. Fazia sentido. Ainda que disse que seria uma temporada, Marlena não queria voltar, suas coisas estavam embaladas na sua antiga casa em Homeland, só esperando ela se resolver. Isso foi o que Tiger disse.
Mas ela não queria mesmo voltar.
"Eu não sei. Eu pretendo ficar por aqui. Mas não me disseram nada sobre uma casa, falaram para vir para o hotel."
"Sim, eu sei. Mas se você pretende mesmo ficar, não vejo por que não ir para uma casa." Ele a olhou com intensidade. Ele tinha lindos olhos dourados.
"Bom, eu vou aonde me mandam, Candid. Não sou Nova Espécie, sou apenas uma mulher que teve a sorte de conhecer Vengeance num período sombrio de minha vida."
"E se eu disser que tenho uma casa pronta para vocês? E você só fica lá se quiser. Você está de férias não é? Só vai começar em sua nova função daqui a duas semanas, estou certo?" Como ele podia saber tanto? Marlena concordou.
"E quer ficar mais isolada ou quer participar de toda a agitação da Reserva?" Agitação? Ela nunca ouviu falar que havia agitação na Reserva.
"Bom... Eu gostaria de silêncio e sossego, Candid. Estou muito emotiva, muito triste. Mas Enrico, ele estava louco pra vir por causa das crianças."
"O lugar em questão, é um pouco isolado, mas você terá um vizinho. Ele é um macho muito bom, ainda que você provavelmente não vai vê-lo, pois ele presa muito sua privacidade. Ele trabalha na fábrica, que fica perto do complexo, então, poderia trazer enrico todos os dias e levar. E você já está a tempo suficiente entre nós para saber que somos de confiança, não é?"
Ela pensou. Duas semanas lambendo suas feridas, lendo seus livros, cozinhando ou não, em fim, fazendo o que quisesse e Enrico passando esse tempo brincando, fazendo amigos.
"Seria bom, Candid. Mas Slade disse que já separou um quarto para nós. E depois das férias, eu começo a trabalhar no complexo."
Ele sorriu.
"Slade quer que você se sinta bem aqui. Ele sabe o porquê de você estar aqui?" Não. Ela e Bestial mantiveram o romance discreto, só uns poucos amigos sabiam.
Ela balançou a cabeça negando.
"Então, a decisão é sua. Quando começar a trabalhar, ficará num apartamento, ou poderá continuar lá. Thorment pode ir e voltar com vocês."
"Eu aceito, Candid." Ele sorriu e continuou dirigindo. Logo, porém, Marlena se preocupou. Era muito longe, muito isolado.
O ar começou a ficar mais limpo, mais perfumado, a temperatura mais agradável. Marlena fechou os olhos e cochilou.
Ela não soube por quanto tempo dormiu, mas o jipe parou e ela suspirou pensando que finalmente tinham chegado. Abriu os olhos e constatou que na verdade estavam parados e dois Novas Espécies enormes estavam na frente do jipe.
"O que faz aqui? Não tem permissão."
Candid sorriu para ela, e discretamente fez sinal dizendo que ele era louco.
"Slade permitiu." Marlena ficou confusa, Candid não tinha dito que Slade não sabia?
"Slade não manda aqui." Ele falava estranho, sua voz era muito baixa e grave e rouca.
"Ela vai ficar no terreno de Thorment. Vocês não mandam lá. E eu pensei que sua mãe talvez gostasse de conversar com alguma fêmea." O Nova Espécie era jovem. Nitidamente mais velho que Candid, mais alto, mais forte. Eles compartilhavam o cabelo volumoso, ainda que Candid fosse ruivo e os outros morenos. Pareciam primos.
Eles abriram caminho sem dizer nada, Candid continuou.
"Não se preocupe com eles, Marlena. E a mãe deles é um doce, vai adorar ter uma amiga aqui. A melhor amiga dela mora em Homeland agora."
"Quem?"
"Melinda. Eu não a conheço muito bem, minha mãe sim." Marlena sorriu
"Melinda é uma boa amiga. Você deve estar falando de Mary. Melinda fala muito nela."
"Acho então que você vai gostar daqui." Marlena aumentou o sorriso, sim, era o que ela procurava quando Bestial perguntou o que poderia fazer para ela ficar bem. Ele era um membro do conselho, foi fácil dar um jeito dela ir para a Reserva.
A cabana era encantadora, estava limpa, tinha grandes janelas o interior era fresco, com muita luz solar. Havia uma outra cabana, tão próxima que ela podia ver um cachorro deitado na porta dos fundos. Um cachorro gordo, de pelagem marrom brilhante.
Havia uma cozinha montada, com fogão, forno de microondas e a gaz, geladeira, tv e uma grande cama muito bem feita com almofadas, um edredom fofo e mantas.
"Eu mesmo supri os armários com tudo o que achei que pudesse precisar, mas o que faltar, você mesma pode ir no complexo buscar."
Estava tudo perfeito, só havia uma coisa faltando, uma cama para enrico. Ele já tinha dez anos, era melhor dormir sozinho.
"Como fez tudo isso? E por quê?"
Ele sorriu.
"Isso é algo que preciso te contar, Marlena, mas acho melhor você descansar primeiro. Não há nada de errado."
Ela sentiu um arrepio de alerta. Mas o sorriso dele era tão sincero! Novas Espécies eram puros e tinham sempre boas intensões. Ela confiou em Vengeance e passou os melhores anos de sua vida, desde que aos dezesseis anos se descobriu grávida e toda sua vida mudou. Ela ia confiar.
Ela acenou.
"Mas você esqueceu da cama de Enrico. Eu sei..."
"Bom, isso se deve ao porque eu te trouxe aqui. Essa cabana foi arrumada para outra pessoa. Depois vou te explicar, mas o importante é que Enrico pode ficar na minha casa, por essas duas semanas. Afinal, Thorment vai para a fábrica todo dia, você pode vê-lo sempre e ele será uma ótima companhia para meus sobrinhos."
"Mas a sua mãe..."
"Minha casa está sempre tão cheia que minha mãe até confunde quem mora lá e quem não mora. E vamos caçar na semana que vem, acho que ele ia gostar, ou não?"
Ele ia. Enrico adoraria. Ela acenou e sorriu.
"Obrigada, Candid. Muito obrigada."
Ele pegou em suas mãos.
"Antes de te conhecer, eu tive muito medo em te meter nisso, mesmo meu tio dizendo o quanto você era especial."
"Vengeance?" Vengeance tinha salvado sua vida de várias maneiras. Se ele tinha alguma coisa a ver com isso, seus receios eram infundados.
"Sim. Como acha que eu soube que você viria?"
Ela se lembrou do telefonema que fez aos prantos, no mesmo dia em que Bestial terminou tudo com ela. Ele foi doce e a consolou. E Marianne lhe deu uma bronca a mandando parar de sofrer por um macho que tinha preferido outra.
"Descanse. Deixa que eu cuido de Enrico. Se precisar de alguma coisa, pode pedir para Thorment. Ele não deve demorar a chegar." Ele disse, a beijou nos lábios de leve e saiu. Logo, ela ouviu o barulho do jipe.
Havia uma cômoda de madeira escura, feita num estilo moderno, com puxadores de bronze, muito bonita, e ainda combinava com os criados mudos e com a cabeceira da cama. A mobília estava até meio fora de lugar, naquela cabana pequena. Uma porta lateral levava a um banheiro grande e funcional. Ela abriu o chuveiro e viu que havia água quente.
Ela desfez sua mala, e foi inspecionar o conteúdo dos armários. Havia muita coisa, a geladeira estava abarrotada de carne. Da janela da cozinha, ela viu o cachorro tentando se levantar. Ela não pensou, correu a pequena distância entre as cabanas e ergueu o animal pela barriga. Mas as pernas da cachorra, era uma fêmea, não conseguiram sustentar o peso de seu corpo e ela caiu.
"Ah, pobrezinha!" Marlena a carregou para uma caminha que estava ao lado da porta, dentro da cabana. A porta estava aberta. Marlena não estranhou, eles eram assim. Ela deitou a cadela depois de a ajudar a tomar água e comer.
Marlena voltou a sua cabana. A do tal de Thorment era maior, mas tinha mais ou menos a mesma disposição dos móveis da sua. Ela não tocou em nada, mas sabia que ele perceberia que ela entrou em sua cabana. Marlena só podia esperar que ele não se importasse, pois ela teve um bom motivo, foi ajudar a cadelinha.
Uma idéia se formou em sua mente, e ela achou que não faria mal tentar, afinal Candid deixou muita comida na geladeira e nos armários.
Uma torta de carne. E dividiria com Thorment. Talvez, eles se tornassem amigos.

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