Não era uma cabana, como Romulus tinha dito, era uma casa, e enorme. Parecia uma casa de campo luxuosa que Adam já tinha visto em vários filmes. Ele entrou na sala ampla e olhou para as toras do telhado. Tinham sido cortadas da floresta e tratadas pelos moradores. A construção, porém, foi feita por 'humanos', como eles diziam. E foi demorada. Muitas paredes foram erguidas e demolidas. Isso era estranho.
Romulus sorriu.
"Papai adora projetar casas e no meio da construção mudar todo o layout." Ele explicou.
"Mas isso não custa caro?" Adam perguntou.
"Sim, mas ele diz que fazer Slade arrancar os cabelos não tem preço." Adam conheceu Slade. Ele era menos selvagem que seu pai e os outros. Foi educado, sério e respeitoso, ainda que Adam não merecesse.
"Não pense assim. Você será merecedor dos frutos que plantar daqui para a frente. O passado ficou para trás. Não há por que não te respeitar." Romulus disse.
Adam não tinha o que dizer, então baixou os olhos. O cheiro de todos os integrantes da família estava vindo dos fundos da casa.
Eles cruzaram toda a enorme área integrada formada por sala de estar, jantar e cozinha e saíram para uma enorme varanda.
Era uma família grande.
"Oi. Você demorou e está atrasado, mas como Romulus é um molenga, aposto que a culpa foi dele." Uma menina linda o olhou com olhos azuis esverdeados, muito sérios. Adam quase deu um passo para trás. Uma onda de ternura muito grande o atingiu.
"Eu não sabia o caminho, então tive que correr no ritmo dele, me desculpe." Uma gargalhada geral o assustou.
"Obrigado, mais um pra me chamar de fracote. Eu mereço!" Romulus revirou os olhos. Adam já ia dizer que não tinha sido por mal, quando Vengeance se aproximou.
"Não é culpa dele se você não gosta de se exercitar. Daqui a pouco Peace vai estar chutando seu traseiro." Outra onda de risadas. E o menino que devia ser Peace realmente chutou a canela de Romulus.
"Viu, pai! Ele nem me viu chegar!" Adam quis rir dessa vez.
"Peste! Se você não fosse tão pequeno, ia ver só!" Romulus rosnou, mas até o rosnado dele era diferente, mas fraco, mais baixo.
"Eu nunca fui muito de rosnar, isso é muito primitivo pra mim. Bom, já está em casa, vou me refugiar no meu quarto." Ele ia saindo quando Marianne pigarreou.
"Desculpa, mamãe." Romulus correu para ela, a cheirou no pescoço e lhe beijou os lábios de leve. Ele voltou para dentro da casa.
"Adam. Acho que você não vai me chamar de mãe não é?" Ela aproximou dele e Vengeance a abraçou. Eram um casal bonito, havia muito amor nos olhos dos dois. Desde a primeira vez que se viram, Adam pôde ver. O barulho de um tiro explodiu em sua mente, porém. Estranho, como tudo naquela família.
"Não." Ele foi sincero.
"E você não é muito falante, também, não é?" Ele assentiu.
"Bom. Menos um pra falar na minha cabeça, quer dizer, você lê mentes?"
Ele balançou a cabeça dizendo que não.
"Tem vidência?" Ele não soube o que dizer, deu de ombros.
"Eu só quero saber com o que estou lidando, quando conhecer todo mundo vai entender o que eu estou perguntando." Ela sorriu.
"Eu desenhei isso." Harrison que ele já conhecia lhe estendeu um papel. Adam pegou e se esforçou a ficar com o semblante sério. No desenho um homem, no caso, Adam sentiu que era ele mesmo, estava entre as pernas de uma mulher desconhecida. Eles estavam nus, a mulher o enlaçava com as pernas. O rosto dele enterrado no pescoço dela. Adam acenou e guardou o desenho no bolso. Poderia até queimar o papel, pois a imagem estava gravada a ferro em sua mente.
"Eu não sei quem é ela, mas você vai saber quando a conhecer." Ele disse, muito solene. Harrison era muito diferente de Jonathan. Ele era muito sério, muito calado. Jonathan estava sempre falando, sempre perguntando coisas. Harrison não. Adam até pensou se era por que ele não se importava muito com o que acontecia a sua volta. Harrison sorriu, Adam também. Era bom.
"Existe alguma chance de você brincar comigo?" A menina linda perguntou. Adam a olhou sem saber o que dizer. De novo.
"Só até o almoço chegar. E não é de boneca, eu juro!" Ela sorriu. Adam acenou.
"Não precisa se não quiser Adam, meninas são muito chatas. Você gosta de vídeo game?" Peace perguntou.
Adam olhou para Vengeance e Marianne pedindo ajuda. Eles sorriram maldosos e se afastaram abraçados indo se sentar numa espreguiçadeira.
"Eu perguntei primeiro! E eu queria que ele me ajudasse com a casinha que estou fazendo." Ela disse cruzando os braços.
"Você disse que não era pra brincar com bonecas, você mentiu! Ele vai jogar comigo!" Peace pegou um braço de Adam e puxou. O pestinha era forte, quase o desequilibrou.
"Não é brincar de boneca, é de construção de casa de bonecas!" Ela puxou o outro braço. Adam não sabia o que dizer.
"Deixem ele decidir." Harrison disse e cruzou os braços. Os dois pararam.
"Eu não sou bom em nenhuma dessas coisas. E prefiro não escolher entre vocês." Adam disse. As duas crianças o olharam com olhares bravos idênticos.
"Ele é um bundão, exatamente como Rom e Peter. Vamos lá, Beauty, eu te ajudo e quando terminarmos, vamos jogar. Futebol!" Peace disse com um suspiro.
"Mas você sempre ganha!" Ela disse contrariada.
"Por que você não se esforça! Mas podemos jogar contra a CPU, juntos."
"Tá." Eles voltaram para dentro da casa também.
"A comida não deve demorar, mas eu quero mastigar alguma coisa, venha." Harrison o guiou para a cozinha.
Ele tirou um grande pedaço de carne da geladeira, ligou o fogão e jogou numa frigideira. O cheiro subiu, era um cheiro bom. Todavia, fez Adam se lembrar de Noah. Era assim as vezes, ele fazia comida e Adam esperava sentado no balcão da cozinha. Em silêncio. Eles quase não conversavam.
"Ele não vai voltar, eu sinto muito." Harrison o serviu, seus olhos estavam baixos, tristes.
"É. Eu sei." Ele sabia. Assim como sabia que Harrison veio ao mundo em meio a muita dor, causando a morte de sua mãe, exatamente como Noah e ele.
"Ela estava cansada. Cansada da dor, da doença. A ironia era que Gabriel conseguiu finalmente reverter os efeitos das drogas que o pai dele ministrou nela, se ela tivesse tomado os remédios dele certinho dessa vez, estaria aqui. Mas ela não acreditou nele." Harrison encheu a boca de carne, mas Adam sentiu que ele não sentia o gosto da carne, não sentia nada mais que a profunda tristeza pela perda de sua mãe.
"A minha morreu dilacerada. Por nós. Eu e Noah a rasgamos de dentro para fora, quando nascemos. Ela estava sozinha, o cientista que nos criou, Anderson, não estava, quando chegou estávamos mamando nela, mas ela não resistiu." Ele nunca contou isso para ninguém. Nem mesmo Noah e ele falavam sobre isso.
Harrison acenou.
"Eu ainda não acredito que não fui gerado, que fui clonado. Eu não me importo com a data de validade, sabe, não mesmo. O que dói é saber que não tenho ninguém."
"Isso é uma idiotice e você sabe. Você tem a nós, a melhor família da Reserva. Mais forte, mais poderosa e somos mais bonitos também." Ele sorriu. Era uma transformação e tanto.
"Esse desenho. Acha que devo procurá-la?" Adam sentiu um arrepio na coluna. Mas era sempre assim, ele sentia que algo viria, uma visão, um pressentimento, mas não dava em nada.
"Você vê o passado, pelo menos segundo Romulus. Ele é um fracote, mas quando o assunto é entender coisas como essas, ele é o melhor. Olhe para ela e veja o que ela passou. Assim saberá quem é ela." Adam acenou.
Nunca deu muita importância para o que via, na maioria das vezes, não ajudava em nada.
"Mais?" Harrison se levantou e ligou o fogão de novo.
"Você já não comeu muito?" Adam comeu apenas um bife, Harrison tinha comido dois. Harrison não respondeu.
"Coma, vai precisar." Ele disse e colocou outro bife a frente de Adam que comeu. Estava terminando quando Vengeance apareceu na cozinha.
"Thorment me ligou. Noah está vigiando uma fêmea humana que mora numa das cidades aqui perto. Vamos?" Adam se levantou e acenou para Harrison que sorriu.
Eles saíram da casa e correram. Adam não era muito de correr, nunca tinha tido muito espaço para isso, mas agora, ali na Reserva, ele usava qualquer pretexto para correr. Era a sensação mais libertadora que ele jamais sentiu em toda a sua vida. E correr ao lado de Vengeance era o máximo! O vento, a sincronia em que iam, era como se fossem um só, duas partes de um todo.
"Você e Peter já..." Era uma bobeira perguntar, ele se calou. Vengeance diminuiu a velocidade e sorriu.
"Nós corremos o tempo todo, é claro, mas nunca senti isso, esse sentimento de pertencimento, de unidade. Só uma vez, num sonho." Ele parou.
Adam também parou, muito atento as palavras dele.
"Eu era o líder de uma alcatéia e nós corríamos. Livres, felizes, plenos. Mas então, ouvimos o barulho de tiros e alguns de nós começaram a cair pelo caminho. Eu os guiei para uma montanha, mas não adiantou muito. Eu tentei, tentei protegê-los com tudo o que eu tinha e podia, mas..."
"Não foi suficiente." Adam completou por ele. E o sonho se passou perante seus olhos, tal como Vengeance contou. E Adam se deu conta de que era um desses lobos, a sensação de correr com Vengeance hoje, era um reflexo passado.
"Eu entendo. Anderson e Bishop fizeram muitos clones, a maioria morreu no parto, uns poucos viveram alguns meses, outros chegaram a um ano de idade." Ele se lembrou de um, ele tinha os braços defeituosos, mas era inteligente. Ele falava, na verdade falava muito. Adam tinha escondido essa lembrança no fundo de sua mente, mas com a visão do sonho, tudo veio a tona. Ele cambaleou.
"Adam?" Vengeance o tocou no braço.
"Tudo bem?" Ele fechou os olhos e esperou passar o sofrimento que sentiu quando acordou e viu que Blab não estava em sua cama.
"Havia um, ele viveu mais que um ano. Eu gostava dele." Vengeance suspirou.
"Vamos. Noah tem de ser pego. Eu particularmente acho que ele não tem redenção, mas preciso tentar." Vengeance disse e ia correr quando Adam o segurou pelo braço.
"Por que acha isso?" Adam sentia que Noah estava tomado por puro ódio, mas ainda assim, queria ter esperança de que poderiam passar o tempo que lhes restava juntos.
"Há algo em você, Adam. Você sempre conflitou com seu ódio, sempre se sentiu desconfortável com isso. Sua frieza, sua distância das pessoas, era uma forma de expurgar seu ódio, seja pela violência ou pela maldade. Mas Noah, não. Ele o acolheu de braços abertos. O ódio nunca o incomodou, pelo contrário, faz parte da essência dele. Enquanto Jocelyn descreveu você como cruel, ela sentia Noah um pouco mais fácil de conviver, isso nas palavras dela, quando a perguntei sobre aceitar que você convivesse com Jonathan. As vezes, pessoas más são apenas pessoas que precisam de um pouco de bondade. As maldades que fazem são por não aceitarem o próprio mal, uma forma de rejeitar o mal, não sentem prazer nisso, estão numa espiral de maldade e culpa. Outras, são dóceis e simpáticas, mas trazem o mal dentro do coração, tão enraizado que não as incomoda, prejudicar o próximo dá prazer, quanto mais incólumes elas passam mais prazer sentem. Infelizmente, Noah é assim."
Adam refletiu sobre o que Vengeance disse. Era triste, mas era verdade.
Eles chegaram até um alto muro, Vengeance sorriu e num salto impossívelmente alto chegou ao topo do muro. Adam não tinha tanta experiência assim com saltos, então escalou o muro, socando o concreto. Suas articulações sangraram quando ele chegou em cima. Ele lambeu as mãos e esperou cicatrizar.
"Gabriel?" Vengeance viu o quão rápido os cortes sumiram. Adam acenou.
"Cuidado com ele." Adam assentiu. Ele não conseguia gostar do doutor, ainda que ele tenha salvado sua vida.
Eles saltaram para o chão e Vengeance se orientou olhando para o céu.
"Por aqui." E continuaram a correr. Adam não tinha um bom pressentimento, mas torceu para que Noah ainda pudesse ser salvo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
THORMENT
FanfictionPara Thorment, compartilhar sexo era um prazer efêmero se se fosse considerar o enorme trabalho que as fêmeas tanto humanas quanto as Novas Espécies davam. Ele não tinha o mínimo de paciência ou vontade de acasalar, então abraçou o celibato com gost...