CAPÍTULO 21

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O tal Thorment o esmagava, era como se estivesse num torno, Noah estava num turbilhão de dor e falta de ar, sua mente girava e ele não sabia se aquilo era real ou uma visão, sua coluna arrepiava em meio à dor.
O outro, porém parou de forçar o queixo para baixo dando espaço para Noah perfurar seu pescoço com as garras e Noah apertou com mais força. Mas tomou uma cabeçada. Muito forte. E outra que quebrou seu nariz. Mas não podia soltar e não ia.
Alguém, Adam ou seu pai disse alguma coisa, que ele não ligou, respondeu que tinha visto aquela cena daquele jeito.
E tinha mesmo, pois a faca veio pelas suas costas. A força o abandonou o choque da dor dilacerante, lhe fez largar o pescoço de Thorment, ainda que talvez ele também morresse. Estava dizendo suas últimas palavras já, queria que dissessem a alguém algo que ele não conseguiu dizer. Foda-se! Noah só não queria morrer sozinho. Ele caiu, Adam o amparou.
"Eu vi. Foi assim. Ele me matou."
Noah conseguiu dizer em meio a explosão de dor que irradiava por todo seu torso.
"Não. Você não vai morrer." Adam o pegou no colo com cuidado.
"Eu quero, idiota! Você não vê? Não temos direito a vida depois de tudo o que fizemos." Ele cuspiu um jorro de sangue no peito de Adam.
"Eu sei. Vamos morrer, Noah. Mas podemos fazer isso em paz. Eu escolhi passar meus últimos dias em paz. Você também tem essa escolha." Noah fechou olhos. Adam era um idiota. Sua mente era devagar, ele não pensava direito nas coisas, era um burro. Mas a escuridão estava já nas bordas de sua visão, sua voz falhava, era o fim.
O outro tinha uma mensagem, Noah nem isso. O fim viria e não havia ninguém em sua vida. E era isso.

O sol brilhava intensamente pela janela aberta, ainda que estivesse sentindo frio naquela cama. Ele se sentou e viu que estava ligado a muitos aparelhos que apitavam e ele rosnou. Que porra! Qual o problema de deixarem ele morrer?
"Eu pensei a mesma coisa quando acordei depois de você praticamente me matar. Eles tem essa irritante mania de lutar contra a morte." Gabriel se aproximou e ligou uma luzinha numa lanterna em seus olhos. Noah deixou, mas havia muita raiva a ser expurgada, muito ódio dentro dele. Era um erro terem o salvado.
"Não deviam. Eu não quero viver. Vou fazê-los se arrepender de terem me trazido para cá." E ia mesmo.
"Por que?" Gabriel se sentou numa cadeira e cruzou as pernas. Estava realmente interessado na resposta.
"Por que eu..." Noah não tinha resposta. Havia todo o ódio por Vengeance ter estuprado sua mãe e tê-los concebido sem saber, fazendo-os matar aquela que eles deveriam amar mais que a qualquer pessoa. Era tudo culpa dele. Mas...
"Eu sou um assassino. Só sei matar, então, se me soltarem vou matar quem cruzar meu caminho." Ele deu de ombros.
"E por que está dizendo isso? Não seria mais eficiente fingir arrependimento, conviver com eles por um tempo até que num dia qualquer, saia armado e atirando no maior número de pessoas possível? Mulheres humanas, filhotes muitos morreriam. E isso é só das muitas maneiras que você poderia acabar com eles. Poderia explodir uma bomba bem na sala de treinamento, quando estivessem lá lutando. Ou nas aulas de música. A maioria dos filhotes estaria lá. Você não tem problemas em matar filhotes, tem?" Ele disse olhando suas unhas. Estavam grandes como garras. Noah se deixou cair contra os travesseiros. Não, ele não faria uma coisa dessas. Ele só queria morrer. Ele sabia que se pedisse, ninguém o mataria, então, ia matar alguém, assim fariam justiça.
"E o outro?"
"Thorment? Está no hospital. Você o atingiu feio no pescoço, mas as drogas de regeneração já devem ter feito efeito e ele já deve estar para ter alta. Ele é muito forte e resistente. Eu já cuidei dele uma vez. Você pegou um dos mais difíceis de matar."
Era verdade. Thorment tinha sido difícil, seu pescoço parecia uma coluna de ferro. Ele usou muita força, ainda assim não conseguiu rasgá-lo.
"Adam parece mesmo acreditar nessa coisa de sermos clones. Você sabe que isso não é verdade, por que não disse a ele?" Noah o olhou fixamente e se concentrou nas batidas de seu coração.
"Vocês são clones, Noah. E eu nunca disse o contrário." Ele estava dizendo a verdade. E ele não tinha por que mentir.
"E os outros? Por que morreram?" Ele se lembrou de Blab. Algo morreu dentro dele quando Anderson o acordou pedindo que o enterrasse. Noah fez tudo correndo, antes que Adam acordasse, Adam gostava muito dele.
Gabriel assumiu o seu ar de professor:
"Meu irmão fez os primeiros embriões e os vendeu a Bishop e a Anderson. Era uma descoberta e tanto, mas nosso pai estava vivo e Michael,como o imbecil que é, exigiu sigilo, não queria que meu pai se sentisse ridicularizado.
Ele fez muitos embriões, todos com os ovulos de Mariah, meu pai retirou muitos durante o tratamento dela."
Noah pensou nisso. Ele seria filho de Mariah então?
"Eu não conheci Bishop, mas o diário dele diz que assim que recebeu os embriões, ele implantou um e não obteve sucesso. Como Ann engravidou e parecia tudo bem com ela, ele chegou a conclusão de que aqueles embriões não vingariam e então começou a fazer testes com eles. Depois de algumas tentativas, ele conseguiu um zigoto que rapidamente evoluiu para um feto. Tudo isso em proveta. Implantar não foi difícil a partir daí. Romulus ainda nasceu alguns dias antes de Peter e Grace. Anderson foi outro que comprou embriões, mas não conseguiu fazer o mesmo que Bishop. Anderson era rico, muito rico, então pagou uma fortuna para Bishop lhe dar um clone e comprou vocês. Se lhe conforta saber, o embrião, depois de implantado se dividiu, então, de certa forma, vocês são gêmeos.
Só que ele era muito orgulhoso. Quando viu que Bishop conseguiu e ele não, quando vocês nasceram, fortes e magníficos, ele tentou de todas as formas fazer clones também, mas nunca conseguiu fazê-los viver mais de um ano. Ele deve ter morrido de frustração." Gabriel sorriu malvado.
"Eu o matei." Noah disse. E não se orgulhava disso. Ainda que a vida deles com o cientista era totalmente desagradável, matá-lo foi como matar seu próprio pai. Ele era muito velho, Noah era muito novo, numa das sessões de surras que Anderson adorava aplicar neles, Noah o estrangulou.
"Presumo que Andrew tratou vocês melhor que o velho, então." Gabriel afirmou, Noah concordou com a cabeça.
"Sim. Ele nos dava brinquedos e conversava conosco. Nos levou na Disney, nos levou no bordel assim que começamos a nos masturbar. Ele cuidou de nós." Mas os obrigou a se matarem. Noah ainda ouvia a voz fria de Andrew ordenando que eles se machucassem e Adam quase morreu.
"Ele virou um zumbi, você sabia? A sugestão de Simple cozinhou o cérebro dele. Está numa clínica para perturbados mentais." Noah sabia, é claro.
"Você não pensa em se vingar? Dos leãozinhos?" Gabriel perguntou. E era esse o objetivo dele ao se sentar ali. Noah pensou no dia em que conversou com um deles. Não sabia qual era, não se importou. Mas camisas coloridas estamparam sua mente, azul, verde e vermelho.
"Você consegue diferenciá-los?" Noah perguntou. Naquele dia, ele teve uma visão do rapaz fervendo de raiva de Thorment e depois de onde encontrá-lo, e só.
"Eles mudam de nome e personalidade. Simple é o líder, Candid o cérebro e Honest os músculos e a boca grande, está sempre falando o que não deve. Mas são cruéis. Adversários admiráveis, se me permite dizer. Tiraram Jonathan da casa de Andrew, bem debaixo do seu nariz."
Noah concordou. Nunca tinha sentido tanta frustração como sentiu, quando acordou e viu que Jonathan não estava na casa deles.
Mas ele ainda não tinha decidido se vingar dos tais leãozinhos, ele não tinha decidido nem o que faria dali para a frente. Gabriel pensava que podia manipulá-lo, mas não iria fazer nada, não até que conseguisse pensar em todas as implicações de ser um clone e não filho de Vengeance.
"Então, quando Adam diz que vamos morrer..."
"Sim, vão. Anderson, depois de muitos erros, conseguiu fazer um clone viável, um que não tem 'data de validade'. Ele deixou isso escrito numa das últimas folhas de seu diário. Não sei se o clone foi implantado. Isso, porém, não ajuda vocês em nada. Daqui a pouco mais de dois anos, vão morrer."
A visão de Adam rodeado pela família de Vengeance, os olhos lindos da menininha chorando. Tudo fez sentido para ele.
Adam apareceu no quarto, esfregando os braços. Jonathan também estava lá.
Ele se aproximou da cama.
"Oi." Ele tinha crescido muito nesses meses que ficaram separados. Os cabelos estavam mais compridos e cheios. Ele parecia um leão, assim como o pai dele.
"Você cresceu." Ele sorriu. Jonathan era precioso para ele.
"Vamos?" Adam perguntou.
"Para onde?" Noah não acreditava que ele não seria preso.
"Estou morando no zoológico, com Hush. Jonathan mora numa casa bem perto com Jocelyn, Leo e Faith. Nós almoçamos e jantamos juntos todos os dias." Adam disse com um sorriso no rosto.
"Eu não vou ser preso?" Adam olhou para Gabriel, que deu de ombros.
"Eu não sei. Mas provavelmente não. Eles tem o coração muito mole."
Adam pegou um celular e discou.
"Vengeance? Noah pode ir para o zoológico?" Ele esperou e antes de desligar, agradeceu e sorriu.
"Vamos. Vou ter de me responsabilizar por você e você não pode sair da área do zoológico. Vão colocar um dispositivo de rastreio em você, mas não será preso."
Gabriel retirou os acessos, sondas, Noah se levantou da cama, vestiu um conjunto de moletom e saiu para fora daquela cabana gelada. O sol brilhou bem na cara dele, ele fechou os olhos.
Havia muito a se considerar, mas isso poderia ficar para depois.

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