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Aquela rotina era tão cansativa, tudo aquilo estava me esgotando.
Fazia umas três semanas que meu pai estava no hospital e muita coisa me assustava.

Principalmente os dias que eu estava faltando na escola, eu sempre estava no hospital e Maddy resolvendo os papéis, chegava a ser insuportável mas eu não falaria isso ao meu pai.

---- Filha?
---- Eu. ---- Respondi tirando os olhos do meu livro.

---- Podemos conversar? ---- Fechei o livro olhando para ele. Ele tinha um semblante triste, muito triste.

---- Eu sei o que está acontecendo, não precisa mais fingir.
---- Pai... ---- Ele fez um gesto com a mão, como quem pedia educadamente para eu fazer silêncio.

---- E eu sei o que vai acontecer a partir daqui. Eu só quero que você esteja disposta a qualquer mudança, qualquer notícia. ---- Eu me aproximei da maca do hospital.

---- Por que está dizendo isso?
---- Você é jovem, ainda tem muita coisa que vai ter que aceitar, aprender e descobrir.
---- E você sabe. ---- Completei.

---- É sobre sua felicidade agora.
---- Não vou estar feliz se você mentir para mim.
---- Você com certeza vai conseguir. ---- Desviei meu olhar dele. ---- Você sabe, que sua mãe vai ter que estar aqui. Mas eu não quero que isso te abale demais.

---- Impossível.
---- Você é uma garota incrível, você passou tantos anos sem ela e não é agora que você vai se deixar abalar por qualquer coisa que ela fale. ---- Fez um silêncio.

---- Quero agradecer a você.. por tudo, seu pai não foi o melhor, mas ele está muito orgulhoso do que você se tornou mesmo sem a ajuda dele. Você sabe quem você é e não esqueça de quem seu pai foi. ---- Eu estava segurando para não chorar quando confirmei com a cabeça.

---- Eu quero que você vá, você sabe o que vai acontecer agora.
---- Não.
---- Filha.. ---- Eu abracei ele, era a última vez, eu sentia aquilo.

---- Eu amo você, pai.
----Eu também te amo. ---- Ele se desprendeu do meu abraço.

---- Por favor, não deixe Maddy sozinha e se cuida. ---- Concordei com a cabeça, quando parei em direção a porta olhei ele, era a última vez que eu o veria de olhos abertos. ---- Você consegue.

Fechei a porta do quarto me reencostando nela pois perdi minhas forças.

Maddy, pode ficar no hospital?

Chego aí em um minuto.

Eu não esperei ela chegar para ir embora, eu estava de bicicleta e ela com o carro.

Eu parei em uma rua deserta, apenas para me sentar na calçada, eu estava cansada e era fisicamente também, mas ultimamente eu não tinha nem tempo para sentir dor.

Quais eram as chances de eu ser assaltada?
Quando recuperei minhas forças pedalei até a conveniência. Fez e Faye estavam sentados encima de uma bancada, portanto, foram os primeiros a me receber.

---- Oi, Fez, oi Faye. ---- Segui para o refrigerador.

---- Quanto está a cerveja?
---- Quinze. ---- Puxei o dinheiro que me restava do bolso o entregando.

---- Ash está aí?
---- Sim. ---- A voz dele soou atrás de mim.

---- Ei, más notícias? ---- Ele perguntou me fazendo concordar.

---- Que bonitinho.. ---- Faye falou.
---- Que porra você quer agora?
---- Vocês são o oposto, traficantezinho, e os opostos se atraem.
---- Ah, vai tomar no cu. ---- Ashtray puxou meu braço, entrando na salinha.

---- Meio rude.
---- Ela é uma folgada. Como você 'tá? ---- Não respondi, não tinha uma palavra que descrevesse tudo.

---- Eu te fiz uma pergunta.
---- Eu não sei. De verdade.
---- Está com medo, está estampado em seu olhar. ---- Eu engoli seco.

---- Desculpa, toda vez que você me vê eu estou chorando ou..
---- Está pedindo desculpas por estar se sentindo mal? ---- Ashtray perguntou, eu estava?

---- Não. É. Talvez.
---- Ashtray, a minha mãe, eu não sei. ---- Ele pareceu se ligar no que realmente me assustava.

---- Maddy é de menor ainda e se ela me levar para viver com ela denovo? Foram os piores meses da minha vida.
---- Ela vai vir?
---- É a obrigação dela. ---- Expliquei, minhas mãos tremendo fazendo com que a bebida se mexesse.

Ashtray tirou a cerveja da minha mão antes de me puxar para um abraço.

---- Ela não vai te levar embora.
---- E como você pode ter tanta certeza?
---- Por que isso iria me separar de você. ---- Afastei o abraço de Ahstray juntando nossas bocas em um beijo carinhoso.

---- Eu ainda não me acostumei com isso. ---- Falei
---- Acho que vou dormir na Rue hoje. Não me olha assim, ela ainda é a minha melhor-amiga, usando drogas ou não. ---- Ahstray deu de ombros.

---- Por que vai lá?
---- Porque eu não quero ir para a minha casa e muito menos estar sozinha se tiver que receber uma má notícia.
---- Então está sozinha quando está comigo?
---- Para de ser idiota. Mas você está vendendo, não pode parar a sua vida só para me ajudar. ---- Fiz um carinho em seu rosto.

---- Me manda uma mensagem. Se precisar de algo, pelo menos.
---- Tudo bem.
---- E eu sinto muito. Sei que está difícil, não só pelo seu pai, por tudo.
---- Valeu. De verdade, Ash.

Eu realmente estava com Rue, mas na casa da Jules, em dias comuns eu faria alguma piada com duplo sentido ou apenas uma piada, mas hoje eu não conseguia.

---- Dói 'pra caralho. Depois da morte do meu pai eu nunca mais fui a mesma.. e olha que eu já me drogava bem antes. ---- Rue falava.

Eu sabia que perder meu pai iria doer, mas como eu reagiria? Iria me viciar em algo? Não iria mudar em nada? Ou ia mudar absolutamente tudo?

Jules e Rue conversavam, mas a minha mente estava a mil, já havia se passado algumas horas desde que saí do hospital e Ashtray me deixou na Jules.

Horas que tudo podia estar acontecendo e eu não estava ali com ele, enquanto ele sempre esteve comigo, bom, pelo menos até os meus treze, na minha segunda sessão de terapia.

Mas não adiantava mais pensar ou me arrepender.

Por que as mensagens de Maddy agora diziam exatamente o que eu não queria ler.

Meu pai estava morto.

A sensação foi que eu estava morrendo também e por mais que eu continuasse na terra, metade de mim morreu ali.

Sofre demais, senhor.

The Other Perez- Ashtray e S/n PerezOnde histórias criam vida. Descubra agora