Um aniversário traumático

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Uma semana se passou e chegou o dia do meu aniversário. Quando deu 00:00, todos arrombaram meu quarto e eu caí da cama assustada e com sono.
- Feliz aniversário!! - gritaram.
- Obrigada! - agradeci sorrindo e me erguendo.
Abracei um por um e depois vi o enorme bolo que fizeram. Peguei um pedaço e estava muito gostoso. Saboreei a mistura de sabores. Me lembrei que era o primeiro aniversário sem meus pais e com uma família nova. Segurei as lágrimas e fingi estar bem. Peter notou e fez carinho em meu ombro me tranquilizando. Cantaram um parabéns animado e ficamos uma hora acordados batendo papo e depois foram pro seus quartos, menos o Peter.
Ele me pegou e me beijou profundamente e eu retribui.
- Primeiro aniversário sem seus pais? - perguntou.
- Já tive aniversários que eles não foram, mas fizeram em um dia aleatório. Acho que faleceram depois do meu aniversário, não faço a mínima ideia. - expliquei indiferente.
- Você mostra que não se importa mas se importa.
- Eu não me importo. Eles me deixaram com perguntas e sozinha. Não preciso deles agora.
- Não pense assim, Bella. - censurou Peter.
- Você quer que eu pense como? Eles estão mortos. E não fazem nem questão de me responder. Eu tenho visto a minha mãe pela mansão, não como fantasma, mas como se ela quisesse dizer algo e não diz. Porque eu deveria me importar? - repliquei me afastando dele.
- Porque eles te amaram. E você amou eles também.
- Eles não me amaram, se não teriam me contado tudo sobre mim e o que eles faziam.
- Mas você amou. - afirmou tentando se aproximar.
- Humanidade desligada. Estou no piloto automático. - avisei indo me vestir.
- Ah, não comece com isso. - resmungou deitando na minha cama impaciente.
Me troquei botando uma blusa curta e um casaco que ia até minha cintura. Vesti um short jeans e peguei meu salto preto. Sai do banheiro penteando meu cabelo e prendendo ele em um coque bagunçado. Peguei minha bolsa e botei no meu ombro.
- Onde você vai? - perguntou me olhando.
- Preciso de ar. Sair um pouco e aproveitar o quanto estou melhor sozinha sem meus pais. - expliquei sorrindo maliciosamente. Melhor mesmo..
- Ei, não pense assim. Vou com você.
- Não precisa, Peter. Eu vou ficar bem. Qualquer coisa eu te ligo. - discordei sorrindo. O que ele não sabia, era que eu ia me desconectar de tudo, até dos celulares.
- Ta bom. - suspirou.
- Faz uma melodia pra mim? - pedi tímida.
- Uma melodia?
- Você não faz a muito tempo. E eu gosto de ouvir você cantando e tocando. Faz pra mim como um presente de que eu teria você pra sempre ao meu lado. - pedi desviando o olhar.
- Claro, sempre. - falou sorrindo.
Sai do quarto descendo as escadas e saindo da mansão em plena madrugada. Caminhei pelas ruas decertas e iluminadas. Estava bem vazio mesmo. Fui até a praça de Mystery Spell e sentei na beira do chafariz observando as estrelas. Ia dar daqui a pouco 04:00 da manhã.
- Bom.. pelo menos, ninguém vai me procurar, não tô com celular. - falei baixinho comigo mesma.
Peguei uma moeda do bolso do meu short e taquei na fonte fazendo um pedido. Que eu vivesse pela eternidade com os Bartholy. Inspirei fundo e soltei o ar devagar.
- Fez um pedido na fonte? Isso é coisa de livros.
Olhei pra trás rapidamente e vi uma senhora de aparência serena e inteligente parada me observando. Ela usava uma bengala mas nem sei apoiava nela; uma canga verde; vestes verdes e olhos castanhos. Não parecia ser tão velha, ainda tinha várias mechas de cabelo castanho também.
- Desculpe, não entendi. - respondi sutilmente.
- Você me ouviu muito bem. Isso é coisa de livros. - replicou a senhora.
- Não quero parecer mal educada, mas o que a senhora sabe? Eu tenho minhas manias, gosto de fazer isso. - rebati um pouco desconcertada pela sua ousadia.
- Acredita em tudo que vê? - riu serenamente.
Encarei ela sem desviar o olhar. Ela manteve o sorriso estampado no rosto. Não desviei o olhar e me concentrei em ver a cor mais profunda dos seus olhos. Era castanho escuro nas bordas e castanho claro mais pro centro. Parecidos com os olhos da Sara. Era uma mania minha, encarar a pessoa e normalmente ninguém aguentava por muito tempo, mas a senhora sustentou o olhar firme. Mordi o lábio e me concentrei. Seu rosto, sua determinação e firmeza... era a avó da Sara.
- Então, como vai a sua última conversa com a Jessica, Sra.Osborne? - perguntei sem tirar meus olhos do dela.
Ela piscou e surpresa e perdeu o contato visual. Se deu mal, na próxima pensa bem antes de atacar.
- Você estava lá.- afirmou.
- Notou minha presença?
- Notei. Silenciosa e curiosa. Tão indiscreta que foi fácil cortar a conexão daquela noite. - falou como se tivesse sido fácil demais.
- O que a senhora pensa? Fala o que quer? Me insulta com o que eu acredito? Você pode ser a avó da Sara, mas não tem um pingo de respeito que ela tem. - rebati irritada.
- Você é uma jovem bem insolente. - replicou sem se deixar abalar.
- Só eu? - retribui sua gentileza me erguendo e indo embora.
Quando fiz menção de me afastar algo atingiu minhas costas me fazendo tombar para trás. Minhas mãos ficaram presas e minhas pernas não se moveram. Senti algo penetrar minhas veias e arder profundamente.
- Veneno de bruxa. Algo bem antigo e não se sabe a cura. Sangue de vampiro não vai te salvar desta vez, garanti em botar um feitiço potente e simples. Pode até ver fantasma e soltar raios, mas é frágil como um ser humano. Aproveite seu aniversário. - desejou a Sra.Osborne indo embora.
Tentei me mover mas só piorava. Ofeguei com o esforço. Tentei tirar o que quer que me atingiu das minhas costas mas não alcancei. Olhei e a bruxa não estava mais lá. Que péssima hora para não estar com o celular. Que presente de aniversário ruim...
Depois de muito tempo, vi a luz fraca do horizonte começar a subir. Perfeito, ninguém sabia onde eu estava e eu estava com um veneno que me deixava mais fraca a cada minuto.
- Isabelly? - chamou uma voz. Natan?
- Tô aqui..! - falei tentando me mexer mas doia mais ainda.
- Que bom que te encontrei, o que aconteceu?
- Não importa, só me tira daqui. - implorei. Tava doendo muito.
Ele me pegou no colo e eu passei meu braço pelo seu pescoço. Respirei fundo e tentei me manter acordada. Eu não podia morrer no meu aniversário.
- Como saiu... do quarto? - perguntei baixinho.
- Poupe o fôlego, está sangrando nas costas.
- Me diz. Preciso me manter.. acordada. - expliquei forçando meus olhos a ficarem abertos.
- Tá bom. Eles me soltaram. Sabiam que eu nao estava mais no controle da Lizabeth. Sara Osborne me enfeitiçou e comecei a ver fantasmas de novo, embora possa sair de Mystery Spell dessa vez. Com isso, te achei. - explicou me olhando.
Comecei a tremer involuntariamente e encostei exausta minha cabeça em seu ombro. Ele aumentou o passo.
- Fica acordada. - mandou em pânico.
Mas foi a última coisa que ouvi. Depois disso não senti nada...
Frio, dor, queimação e exaustão. Era o que eu ainda sentia. Pensei que já tinham me curado. Abri os olhos fraca e me deparei na minha cama. Eu estava suada e com uma aparência muito abatida. Estava com soro, sangue e um bando de remédios nas minhas veias, mas não resolvia.
- Ei, foco. - instrui Nicolae que me viu quase desmaiar de novo. Ele forçou-me a vê-lo.
- Tô... tentando. - murmurei piscando forte e tentando clarear minha cabeça.
- Isabelly, mantenha-se ativa. O que aconteceu? Precisamos saber para te ajudar. - falou Sebastian no meu ouvido. Olhei pro lado e ele tinha o braço apoiado nas minhas costas e eu estava quase abraçada com ele. Não liguei pro contato e me forcei a responder.
- Bruxa... - sussurrei.
Eles não entenderam e eu não tive força pra falar de novo. Perdi os sentidos.
Voltei a sentir alguma coisa quando senti um calor pelo meu corpo. Sebastian ainda estava abraçado comigo. Gemi de dor e forcei a abrir meus olhos de novo. Agora o Sol batia pelo quarto, devia ser umas 08:00 da manhã.
- ... Isabelly! - chamou uma voz.
- Sara...? - perguntei sem vê-la.
- Sim, sou eu. O que aconteceu? Você disse bruxa. - falou rapidamente e urgentemente.
- Sua avó... - sussurrei.
- Ela fez isso? Porque?! - perguntou consigo mesma.
- Ai... - gemi quando uma dor aguda atingiu minhas costas de novo.
- Isabelly, eu tô aqui. - disse Peter segurando minha mão esquerda. Mais da metade do meu corpo estava abraçada pelo Sebastian que me esquentava.
- Peter..? - chamei tentando vê-lo mas estava tudo embaçado.
- Vamos achar a cura para isso. Você vai ficar bem e vai aproveitar seu aniversário. - prometeu.
- Dói mas da pra aguentar. - falei mas fiz uma careta quando uma dor surgiu no meu braço me impedindo de apertar sua mão.
- Eu sei, dói vê-la assim. Mas eu prometo que vai ficar tudo bem, confia em mim. - garantiu. Depois senti um beijo na minha bochecha e vi o vulto dele sair do quarto. - Cuida dela. - pediu para alguém.
- Vou cuidar como minha vida. - prometeu Sebastian.
Olhei tentando ver vultos. Só tinha o do Nicolae e ao meu lado, o do Sebastian. Segurei a raiva por isso acontecer. Doía mas não ia dar a satisfação para a Sra.Osborne.
- Você está evitando chorar? - perguntou Sebastian.
- Não. - rebati. Xinguei-me por dentro.
- Não tem problema. Sabemos como está doloroso.
- Tá tudo bem. - garanti. - Só estou com raiva.
Uma dor penetrou meu pescoço e eu tive dificuldade para respirar. Algo estava entalado. Perdi o fôlego e comecei a tossir e saiu sangue. Fiquei agoniada.
- Calma, respira! - instrui Nicolae pegando um balde para eu vomitar.
- Ela não tá conseguindo. - avisou Sebastian ficando de pé e erguendo metade do meu corpo para eu sentar. A dor foi para o peito e piorou a falta de ar.
Vomitei de novo e senti o sangue. Comecei a tossir tentando respirar. Senti alguém fazendo força nos meus pulmões. Depois alguém botou algo no meu nariz e fez carinho tentando aliviar a tensão. Não liguei se não era o Peter, eu queria respirar.
- Pronto inspira devagar. Colocamos um aparelho nas suas narinas. - avisou Sebastian fazendo carinho na minha cabeça.
- Eu.. tô respirando. - garanti tentando me acalmar. O pânico da falta de ar me fez estar ansiosa.
- Abra bem os olhos e se acalme. Vou pingar um remédio para desembarcar sua visão um pouco. Vai te dar menor dor de cabeça. - avisou Nicolae abrindo de leve meus olhos.
Pisquei as três vezes que ele pingou em cada olho. Depois, a visão clareou aos poucos e vi Nicolae preocupado e o Sebastian sério.
- Desculpa, não era pra estar.. acontecendo isso. - falei envergonhada.
- Shh, a culpa não é sua... - garantiu Nicolae me tranquilizando. - Ah, deixe me atender uns instante. - avisou pegando o celular.
- Aniversariante em. Parabéns um pouco atrasado. - falou Sebastian.
- Dia ruim pra comemorar o aniversário. - discordei.
- Mas não deixa de ser especial. - sorriu.
- Alô, Drogo? E aí? - perguntou Nicolae chamando a nossa atenção.
Ele ouviu por muito tempo em silêncio. Depois ele fechou a cara e senti a tensão em seus ombros. Me inclinei pra frente ignorando a dor que surgiu de novo mas costas e me concentrei em ficar acordada.
- Nic...? - chamei.
- Sim? - respondeu distante.
- O que houve? - perguntei.
- A Sra.Osborne não quis nos ajudar. Não há cura nos grimorios que a Sara leu. Não achamos. A avó dela só disso, que depois de três luas.. iria...
- Que eu iria morrer? - completei calma demais.
Nic e Sebastian se entreolharam e eu sabia a resposta. Segurei o choro. Não tinha medo de morrer. Só não ia vê-los mais.
- Sim. - responderam.
- Entendi. - murmurei.
Olhei para eles e eu não sabia decifrar. Minha visão embaçou mas não soube se eram minhas lágrimas. Parei de sentir o calor do Sebastian.
Voltei a sentir de novo a temperatura do Nic e do Sebastian muito depois, se eu não me engano.
- Ai... - gemi botando a mão na minha cabeça.
- Duas luas se passaram, Isabelly. - sussurrou Drogo segurando minha mão.
- O que? - grasnei tampando minha boca horrorizada.
- Você não passa desta noite, coitadinha. - avisou Drogo. Vi uma lágrima silenciosa e discreta cair do seu olho. Limpei-a com um único dedo e toquei sua bochecha fria.
- Saia. Não quero que veja. - falei prontamente. Ele me olhou e desviou os olhos. Se ergueu e foi embora. Pisquei. Muitas lágrimas caíram.
Eu estava sozinha com o Peter no quarto. Ele estava na janela observando a vista. Limpei meu rosto e me frustei novamente por saber que a culpa foi da Osborne.
- Shh, não chore. Você vai ficar bem. - tranquilizou vindo até mim.
- Eu não vou! Eu vou morrer! - gritei.
- Não vai. - discordou.
- Eu amo você, Peter! - falei alto e urgente. Ele parou de me tranquilizar e ouviu. - Eu amo voce, o Drogo, o Nicolae e a Katherine. Eu amo meus amigos. Amo a minha vida agora. Meu problema não é morrer, é perder tudo que eu amo. - expliquei.
- Se eu te dissesse que todos nós te amamos, você iria acreditar?
Não respondi e só dei um meio sorriso. Ele me abraçou forte e eu ignorei as dores pelo corpo e retribui. Prometi a mim mesma que se eu sobrevivesse a isso, a Sra.Osborne iria ver...

Os diários de uma híbrida (Vol.2)Onde histórias criam vida. Descubra agora