Cap. 1 - Meio Vazio, Lágrimas Secas

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Encarando o copo quase cheio, eu me pergunto em que momento a minha vida se fodeu ao ponto de eu beber minhas próprias lágrimas misturadas a uísque.

É claro.

Foi naquele dia em que o novo presidente foi eleito. Não ouso dizer seu nome não por causa da repulsa que sinto por ele. Um nojo tão profundo que me faz vomitar qualquer coisa, até os meus próprios órgãos só de pensar na desgraça desse nome. Por isso, eu o chamo de Mandachuva, porque ele pensa que manda em tudo e em todos, até na chuva. O que me deixa mais doente é que eu acreditei nele. Com todas as minhas forças, eu acreditei que ele transformaria o meu país.

E Mandachuva transformou como se fosse sua fazenda de formigas particular.

Minha vida era perfeita antes de Mandachuva. Tinha os seus problemas como em qualquer vida normal, mas era perfeita para mim. Eu só não sabia disso até perdê-la. E não, eu não estou morto de fato, apenas por dentro, de tão mal que eu me sinto. Não sei como ela será assim que eu tomar o último gole de uísque com lágrimas e sair por aquela porta para enfrentar a pior chuva da minha vida, mas eu sei como e por que vim parar aqui, neste bar. Sozinho e desesperado como nunca.

Quando eu tinha 13 anos, eu descobri que o meu segundo gênero é ômega. E esta é a mais importante informação que precisa saber sobre mim porque ela é o último prego do meu caixão. Eu era um menino confuso, espalhafatoso e muito alegre que recebera a interessante notícia que, a partir dos 15 anos de idade, eu seria capaz de gerar filhos. E naquele dia, durante a minha consulta para explicar porque tantas cólicas abdominais atormentavam os meus estudos e a minha felicidade, o médico me explicou de onde vêm os bebês, o Sistema do Segundo Gênero - ou ABO, como queiram chamar - e qual era o meu papel no mundo. Ignorei piamente esta parte.

Meu infeliz erro, mas eu era adolescente, não me culpo por isso.

Minha mãe me deu meus mais preciosos conselhos:

-Seja vigilante e não confie em copos dados a você ou deixados sozinhos por você. Exceto em casa. - ainda que visse como uma bobagem, a forma como ela disse aquelas palavras, meio profética, em tenso alerta, eu as carreguei como uma tatuagem. Não uma de verdade. Vocês me entenderam. Meu objetivo, naquela época, era bem simples: ser feliz até o último dia da minha vida.

Simples porque eu tinha 13 anos. Não sabia o quanto a felicidade é complexa aos 16 e nem o quanto é difícil de achar aos trinta e tantos. Porém, nenhum desses aspectos existencialistas me impediram de correr atrás do meu sonho e de crescer como um rapaz saudável e feliz. Pode não acreditar por causa da minha aparência deplorável deste momento, mas eu era um pitelzinho. E agora você sabe o quão velho eu sou. Quem usa pitelzinho hoje em dia?

Dos 13 aos 15 anos, minha família me preparou para duas coisas: os cios que começariam quando eu atravessasse a puberdade dos ômegas e o meu futuro casamento imaginário com um alfa maravilhoso que me proporcionaria um castelo encantado. Perdoem-me a minha querida mãezinha, ela viveu e vive um conto de fadas pessoal e propaga que acontecerá com todo mundo. Nem mesmo naquela idade, quando a gente acredita que as animações da Disney podem se tornar realidade, que o casamento de Kate Middleton com o Príncipe William da Inglaterra fez muitas garotas sonharem com algo do tipo, eu concordei com a minha mãe.

Eu não pensava em encontrar um alfa para me bancar, mas em me tornar o alfa que me bancaria. Naquela época, ainda era possível ter um futuro decente estudando. Hoje em dia, eu não tenho certeza - Educação se tornou um luxo pouco cobiçado. Eu nunca fui dos mais inteligentes ou dos mais perspicazes da minha turma, mas era esforçado - e ainda sou. Teimosamente esforçado. Dediquei-me integralmente à campanha de ser popular e de me formar como médico, o primeiro formado da minha família e, por conseguinte, o primeiro médico da família. Com muito orgulho, eu admito que me tornei popular. Todos gostavam de mim. Sei que alguns se aproximavam de mim com interesse sexual - mesmo jovem, nunca fui bobo -, mas eu os enfrentei com um sorriso.

Durante a ChuvaOnde histórias criam vida. Descubra agora