Cap. 5 - Pé na Porta, Fod@-se o DNA

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Foram os dez minutos mais longos da minha vida, mas foram também os mais tranquilos porque minha atenção estava na bebê. Mamava quieta segurando o meu dedo e nada de incomum acontecia do lado de fora, eu não sei se é um bom sinal. Parece que faz horas que eu conversei com aquela pessoa, qualquer ruído ou movimentação me põe em alerta - eu sei que provoquei algo terrível.

Olho para a minha filha srntindo o arrependimento comprimir o meu coração.

Ela tem apenas 17 dias de vida.

O que foi que eu fiz?

Respirei fundo para não me desesperar.

Nunca conheci o caso de uma criança que demorasse tanto a abrir os olhos, mas eu acho que Bia é daquele tipo de criança que precisa do próprio espaço, do próprio tempo, do próprio momento. Agora que olha para tudo, mexe no que está ao alcance da mão com muita curiosidade e faz bolhinhas com o restinho de leite nos lábios. Os ômegas, masculinos e femininos, se aproximam de mim para contemplar a bebê e soltar suspiros de carinho porque ela é um ponto de esperança, um facho de bondade e uma chance de vida.

Na miséria, os miseráveis lambem as feridas uns dos outros, eu li certa vez. Não lembro onde. Minha vida passa em câmera lenta diante dos meus olhos.

Os que estão ao meu redor ficam mais perto porque sou o único com uma criança. Sentem a obrigação de me proteger e demonstram isso em tentativas inúteis de me esconder. Inúteis porque os guardas vieram me buscar passados sabe-se lá quanto tempo. Eles fizeram o escândalo que eu deveria fazer. Gritaram, imploraram por misericórdia, alguns se ofereceram para ir no meu lugar, lutaram por mim - os guardas atiraram em dois.

-Parem! - berrei ao perceber aonde esse caos dará. - Parem, por favor. - implorei com lágrimas nos olhos, balançando Bia porque chorava alto e com força. - Por favor, não façam isso. - abracei-a e tentei acalmá-la, mas sou péssimo nisso. Mal consigo por em ordem os meus pensamentos.

-Vamos, seu merda. Estamos perdendo tempo aqui. - o que me puxou deu uma porretada nos meus quadris. Quase derrubei minha filha pela dor. Assenti, obediente, e manquei para fora da sala.

Dei o ursinho para uma moça que só repetia que precisava dos filhos - eles tinham idade escolar e foram enviados para outro lugar, ela me contou minutos antes. Se eu morrer agora, que meu legado seja um último ato de bondade. Sou inocente, então não abaixo a cabeça e nem sinto medo - pelo não por mim, mas pela pequena inocente que carrego, porque é certo de que irão nos matar para evitar o ataque dos rebeldes. É o que eles fazem: impõe suas vontades através do medo e da morte.

Acrescento um pouco de remorso de fazer Bia sofrer um destino que não merece. Se ao menos os rebeldes chegassem logo para levá-la, antes que nos matem. Minha cabeça está uma bagunça e nada mais é certo, exceto o caminho crescendo diante de mim.

Eu sou empurrado por um frio corredor de portas iguais e espero ouvir o silêncio interrompido por um disparo ou os gritos de ômegas a cada segundo, mas nada.

O vazio incógnito nos meus ouvidos piora a minha ansiedade porque não sei como me preparar para o desconhecido. Será um pelotão de fuzilamento, uma sessão de tortura, cadeira elétrica, seremos lançados aos krakens na Praia Sul? Os guardas interrompem a minha marcha fúnebre quando escutam uma pancada alta demais para ser aceitável para eles.

Noto os mais jovens ficarem pálidos e tensionarem voltar de onde viemos, porém os mais velhos seguram-nos pelo fardamento e os fazem permanecer onde estão - eles não estão menos assustados do que os subordinados.

Outro baque metálico ecoa pelo corredor, o prenúncio de horror, e logo sons agourentos se juntam a esse terror.

Xingamentos.

Durante a ChuvaOnde histórias criam vida. Descubra agora