.:03:. Filosofando sobre consciências

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.:3:. Filosofando sobre consciências

Das várias raças sapientes, havia uma, somente uma, que vinha gerando discussões filosóficas, judiciais e sociais ao longo de quase dez séculos.

E as discussões começavam pelo próprio conceito de "raça".

Mas eu estou me adiantando.

Vamos por partes.

Era uma vez...

Há mil anos, o melhor amigo de uma elfa perdera o braço em um acidente envolvendo um touro e um chifre. E há 987 anos, essa mesma elfa conseguiu animar um braço de armadura usando nada a não ser magia.

O amigo ganhou um novo membro e o mundo ganhou uma nova tecnologia.

Uma tecnologia que demoraria muito para se desenvolver.

Muito, mas muito mesmo.

E havia vários motivos para isso, principalmente o seguinte: se a tal elfa levou treze anos para fazer um único braço, quanto tempo levaria para fazer um corpo inteiro?

E aqui vai a resposta: cem.

Cem anos entre um braço e um corpo.

Obviamente não foi essa elfa quem o fez. Ela morreu de velha bem antes de sequer ver uma perna.

Mas seus estudos ajudaram bastante as gerações seguintes.

Aliás, os elfos em geral ajudaram bastante as gerações seguintes.

Esses "humanos" de orelha pontuda e aparência andrógina tinham (e ainda têm) a mania curiosa de compartilhar conhecimento com qualquer interessado, fosse humano, anão, demônio, cachorro, gato, periquito, papagaio... E com o advento dos tipos móveis, a impressão de textos explodiu, fazendo chover livros em todos os cantos de Origem.

Assim, embora os elfos ainda fossem os pioneiros (e mantivessem esse pioneirismo até hoje), mentes brilhantes de outras raças adicionaram suas contribuições a respeito da animação de corpos artificiais.

O primeiro "golem", como ficou conhecido o tal "corpo inteiro", foi criado por um casal, um demônio e uma humana, que buscava salvar a vida da filha.

Foi um salto gi-gan-tes-co para todos os padrões até então.

Não só o casal criou um conjunto unido de cabeça, ombro, joelho e pé, como foi o primeiro capaz de reproduzir uma mente sapiente.

Sua filha sofria da Síndrome do Cadáver Vivo, uma doença degenerativa que destrói os nervos e imobiliza os músculos até lacrar a pessoa em seu próprio corpo. De fome, infecção intestinal, parada cardíaca ou asfixia, a morte dependia de qual conjunto muscular falharia primeiro. Um final horrível mesmo quando se utilizava os sonhos mágicos para amenizar o desespero do paciente.

E foi justamente pela perspectiva horrorosa que se abria diante de sua menina que o casal trabalhou incansavelmente dia e noite até ser capaz de achar uma forma não de copiar, mas de transferir a mente da filha para um novo corpo.

Transferir sua alma, seu espírito, seus pensamentos, tudo para um novo corpo.

Lógico que testes foram feitos antes e o resultado foi uma horda de cabeças falantes e golens em formatos genéricos, feitos a partir de armaduras e manequins.

No final, os pais ganharam uma filha de metal e uma coleção de cópias-testes do pai, da mãe e da garota.

E aqui é que entra a controvérsia.

Ou melhor: as controvérsias.

Primeiro, as cabeças falantes e os golens genéricos eram meras cópias frias dos originais, sem qualquer consciência da própria existência?, ou eram criaturas inteiramente novas, dotadas de uma individualidade crescente, tão sapientes quanto seus criadores?

Piratas Espaciais - E a Consciência de HildaOnde histórias criam vida. Descubra agora