.:58:. Madame x 100-Corpo - Round #1
À esquerda, na outra ponta do trio de androides, Madame correu de encontro à aranha como se quisesse arrombar uma porta. E, como uma porta arrombada (por um caminhão), a aranha foi arietada. Derrapou no concreto e terminou pressionada contra o mecha derrotado de Hilda-Motociclista.
100-Corpo só não caíra e rolara chão afora graças às suas pernas, cuja abertura tornavam a máquina virtualmente inderrubável.
Assim que teve chance, as chapas laterais de seu corpo-tambor se soltaram, revelando braços articulados armados com o que pareciam ser cassetetes retráteis. Os retângulos da blindagem atrás da qual se escondiam agora agiam como escudos.
O primeiro braço desceu sobre Madame, mas esta apenas jogou a cabeça para o lado, dando o ombro para impacto. O cassetete atingiu seu trapézio e a clavícula em cheio sem causar-lhe qualquer tipo de dano.
A mulher então agarrou o braço mecânico antes que se distanciasse e puxou a aranha contra si, esmurrando repetidamente o oponente com o braço livre. Sem técnica alguma, ao contrário de Greta, Madame parecia um bebê surrando uma parede.
Mas um bebê do inferno, a julgar pelos amassados no metal e pelos fragmentos de magia de campo de força voando para todos os lados.
— VIADO FILHA DA PUTA! EU VOU TE MATAR!
O segundo cassetete desceu e acertou Madame em cheio na têmpora, arrancando-lhe os óculos.
A peça voou e quicou no chão, quebrado.
Houve um curto silêncio.
Por um segundo a aranha parou e mirou seus olhos de esfera na mulher à sua frente como quem espera a reação.
Madame voltou lentamente o rosto em sua direção.
— Eu gostava deles... — As íris laranjas da androide ajustaram o foco com as lentes móveis.
O cassetete livre voltou a bater na mulher, mas sem efeito. A gordura sintética era uma armadura em si. As bochechas, os ombros, tudo ondulava feito gelatina, mas Madame sequer cambaleava.
Sequer piscava.
A única coisa capaz de deformá-la foi seu ódio.
Sem aviso, colou a lateral do rosto contra a carenagem, agarrou a base do tambor e, mesmo enquanto era atacada sem dó nas costas, ergueu e jogou a máquina com tudo para o lado, já que atrás estava o mecha.
A máquina alcançou os 180o em relação ao solo e iria tombar de ponta-cabeça quando...
...as pernas viraram as juntas ao contrário, deslizaram pelo tambor, indo da base ao topo, e a aranha se inverteu.
Algumas correções aqui e ali usando material mimético e pronto, a aranha estava de pé, de volta ao combate.
— Ah, vai se foder... — Os ombros de Madame cederam.
100-Corpo avançou cavalgando e jogou seu peso contra a mulher.
Finalmente houve algum efeito.
Madame tentou fugir mas não conseguiu. Foi atingida em cheio, desequilibrou-se e recuou uns dois passos. Aproveitando os pés da oponente em busca de solo firme, a máquina avançou novamente em outro encontrão.
Madame caiu de costas no chão e a pata da aranha em forma de canino ergueu-se em busca de sua cabeça. Um ferrão surgiu em sua ponta um segundo antes de descer com tudo.
A pisada teria no mínimo amassado o crânio se a androide não tivesse se esquivado na hora.
— MINHAS TRANÇAS! — ela gritou ao ver a pata cravar-se no concreto e cortar duas das amarelas. — SEU FILHO DA PUTA!
A pata voltou, mas Madame segurou-a com ambas as mãos.
— MORRE! — As íris brilharam por um microssegundo antes de dois feixes brancos cruzarem o espaço entre olho e pata.
A magia de calor saiu com tamanha potência que não apenas decepou a perna na altura da junta como quase dividiu a aranha em duas. Só não o fez porque 100-Corpo jogou-se para o lado a tempo.
A aranha recuou em fuga ao redor do mecha, mancando em três pernas e com as bordas dos cortes brilhando em laranja.
Madame aproveitou para levantar-se e pegar a pata decepada como se fosse um tacape. Sua bateria contava agora com 20% a menos de carga.
— Tsc, merda... — ela xingou. — Tu queria sentir medo, seu filha da puta?! Vem cá que eu te mostro! Vou te sodomizar com cerol e enxofre, sua desgraça! — e contornou o mecha atrás da máquina manca feito um touro ensandecido.
Quando estava para descer a porrada no oponente, o tambor recolheu os braços articulados, ejetou as pernas, caiu no chão e rolou para longe feito uma "mini salsicha" viva.
Madame quase tropeçou ao atingir o vazio, pulando num pé só até recobrar o equilíbrio. Viu 100-Corpo dar meia-volta, o tambor azul se transmutando.
— Eita! — exclamou quando a casca e o miolo do tambor se dividiram em centenas de pedaços, como um LEGO explodido, formando uma nuvem viva de peças, patas inclusas. Cubos, chapas, tubos... cada peça com seu formato particular voou em busca de uma nova configuração. Três segundos foi o tempo que levou para o enxame tomar forma, reorganizando-se no que parecia ser uma criatura quadrúpede.
Agora os braços articulados, grudados lado a lado, agiam com a quarta pata, impulsionando o animal cujo corpo lembrava um amontoado de "post-its" de metal, um deslizando sobre o outro para dar-lhe mobilidade.
A cabeça, ao invés de dentes, tinha serras circulares de magia vermelha.
Tec-tec-tec-toc, tec-tec-tec-toc, tec-tec-tec-toc...
Os ferrões e os cassetetes nas patas batiam no concreto.
— Credo!
Sem pensar duas vezes, Madame segurou com firmeza o pedaço de pata e, usando-a como porrete, partiu para cima.
A criatura azul saltou, as patas dianteiras e seus ferrões esticados para perfurar e derrubar, as serras prontas para decapitar Madame...
...que abriu asas de luz e voou verticalmente, deixando a criatura passar por baixo dela. Assim que julgou ser o momento certo, largou-se com tudo nas costas do bicho em um pisão de três dígitos.
Teria sido um golpe esmagador (literalmente) não fosse o oponente um monte de placas soltas. Foi como cair em uma piscina de bolinhas (ou de peças de LEGO). Madame acertou o chão com os pés sem atravessar qualquer resistência. Chegou a esmagar algumas unidades, mas nada significativo.
Enquanto isso, 100-Corpo se reorganizou à sua volta em uma nuvem de fragmentos voadores.
Deus não dá asa a cobra.
Mas aparentemente dá a um LEGO maldito.
Quando percebeu que 100-Corpo pretendia cercá-la, Madame fechou os punhos e invocou dois escudos de luz na forma de círculos de magia, um em cada antebraço.
Sua bateria caiu mais 10%.
Cada peça voava agora como uma ave de bico de serras de mana, feito um "taser-drone", todas elas se lançando contra a mulher numa selvageria de dar inveja a qualquer quero-quero.
Os escudos defletiram boa parte dos ataques, mas quando o terceiro corte abriu um talho em sua panturrilha, Madame não teve outra opção.
Sacrificou mais 10% e invocou o restante da armadura baseada na sua forma original metálica, quando ainda era um anjo de carne e osso.
A magia, por ser sintética, não gerava o mesmo efeito que a versão original. Ao invés de ter a carne transmutada em metal e mana pura, Madame ganhou uma armadura de luz.
Os "quero-quero" do capeta ainda voavam ao seu redor em mergulhos assassinos, mas Madame acertava-os com a pata decepada ou com os escudos.
A armadura de luz sentia os cortes, mas para cada corte, 100-Corpo sentia o revide: aos pés de Madame, o chão estava cada vez mais forrado com pedaços mortos do androide.
— Viado, tu mexeu com a preta errada...
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Piratas Espaciais - E a Consciência de Hilda
Science Fiction*Vencedor do prêmio The Wattys 2022* !!REVISADO!! Freya é uma vampira que quer montar uma tripulação pirata. Mina é amiga de Freya e quer ajudar a salvar a vida de uma desconhecida. Greta, uma demônia, precisa salvar a vida da irmã. Hilda, a humana...