.:8:. Greta, TV e crise econômica
A unidade era o que chamavam de "estúdio". Com nome bonito para esconder a verdadeira qualidade, o velho apartamento não tinha as paredes de chapas plásticas aparafusadas como nos modelos mais modernos, mas sim de compensado pintado de bege.
Um bege que tinha mais rugas e rachados do que seria saudável.
Sua planta-baixa era basicamente um quadrado com um pequeno retângulo encaixado em uma das quinas. Dois ambientes apenas: uma sala/quarto e um banheiro.
Ou seja, duas portas no total: a do próprio banheiro e a de entrada do apartamento, ambas perpendiculares entre si.
Nada demais, não fosse por um detalhe: a mente brilhante por trás do projeto aparentemente não sabia como essas tecnologias milenares funcionavam. Ao invés de pensar na melhor combinação de movimentos, o imbecil conseguiu a pior configuração possível: abrir a porta do apartamento significava barrar a porta do banheiro. E abrir a porta do banheiro, significava barrar a porta de saída.
Pelo menos no restante ele não errou.
Não tinha como errar.
Não é como se houvesse muito espaço para erro.
Não é como se houvesse espaço, ponto.
A sala/quarto era um ambiente retangular preenchido pelo colchão, pela pilha de equipamentos e por armários em paredes opostas.
Ah, sim. E tinha a mesinha.
Sem muito onde se enfiar nos 16 m² do apartamento, ela ficava diante da janela, servindo de base para a TV cabeluda. Mas não uma TV moderna, feita de magia. Mas uma eletrônica, com o corpo de madeira e uma abinha no topo feito um boné curto e largo. Por que diabos uma TV precisava de um boné era um mistério, mas lá estava ele. Preto e plástico, tapando uma parte da imagem quando se ficava de pé.
A resolução também era uma bosta.
Toda TV de tubo de imagem era uma bosta.
Mas eram baratas.
Uma de tela plana ou holográfica custava pelo menos cem vezes a sua prima pobre mais cara. Já a prima pobre mais barata talvez fosse a TV de Greta.
Dez créditos, somente.
Era tão lixo que não havia como conectar-se aos canais de streaming.
O que era bom. Greta economizava uma boa grana em assinaturas. Perderia suas séries favoritas, mas de todos os problemas, esse era o menor deles.
O menor mesmo.
Mas Greta não podia se deixar alienar. Sem transmissões analógicas há cinquenta anos, a TV só captava chiado. Não dava para assistir a nenhum noticiário com ela, nem mesmo aos canais gratuitos do governo. Toda a emoção e aventura das sessões do plenário da Câmara e do Senado perdidas diariamente. Deprimente, não?
A garota teve que fazer uma gambiarra digna de um prêmio em engenharia para conseguir transformar aquela peça de museu em um meio para acessar a Rede-Mundial e se conectar ao resto da galáxia.
Primeiro, Greta tentou usar seu celular como TV, baixando aplicativos que prometiam desbloquear o sinal mágico-digital. Porém, quando descobriu que precisava pagar pelo serviço, mudou de ideia.
A garota então usou parte das entranhas da TV e alguns restos de outros equipamentos para poder captar o sinal bloqueado, transformá-lo em analógico (o que destruía o encantamento de bloqueio), voltar para o digital e enfim poder ser transmitido para o seu celular e ter acesso à Rede.
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Piratas Espaciais - E a Consciência de Hilda
Fiksi Ilmiah*Vencedor do prêmio The Wattys 2022* !!REVISADO!! Freya é uma vampira que quer montar uma tripulação pirata. Mina é amiga de Freya e quer ajudar a salvar a vida de uma desconhecida. Greta, uma demônia, precisa salvar a vida da irmã. Hilda, a humana...