.:01:. Dívida

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.:1:. Dívida

O apartamento de Greta era tão pequeno que a cozinha cabia dentro do armário: duas portas sanfonadas perpendiculares à janela que se abriam revelando uma pia, um forno elétrico e um frigobar.

Nem um microondas cabia.

Mas cabia neon.

Sempre.

Correndo por baixo do tampo da pia, uma barra ciano acinzentava os pés da demônia cor de tomate. Na parede logo acima da torneira, um círculo magenta reforçava o vermelho das mãos cheias de sabão enquanto estas lavavam a louça. O forno elétrico estava sem vida, diferente de quando em uso, quando parecia um festival de música eletrônica, e o frigobar era o mais sem graça, com apenas suas luzes padrões e uma barrinha amarela indicando o puxador.

O cabelo cor de carvalho, sujo de espuma próximo da orelha pontuda, oscilava seu rabo-de-cavalo com o movimento.

De onde estava, a garota podia ver a porta de casa. Bastava virar a cabeça para o lado.

E foi exatamente o que fez ao ouvir o "toc, toc", cujo tom deixava claro não ser outro fanático tentando vender fé.

Pelo menos não de forma pacífica.

Greta sentiu os músculos sob a pele se retesarem. O que não era pouca coisa. Apesar de curvilínea, a demônia possuía uma definição invejável para a maioria dos homens. Sim, dos homens. Seus bíceps não apenas eram gigantes, como conseguiam quebrar nozes só de flexionar.

O único problema era que eles não eram à prova de balas.

Nem os bíceps, nem o resto do corpo.

E por mais treinada que fosse em artes-marciais, desviar-se de chumbo não constava em sua lista de técnicas dominadas.

As pancadas voltaram.

— C-calma aí! — Ela tentou ganhar tempo. Enxaguou as mãos e secou-as na toalha pendurada no zigue-zague de plástico.

A porta de entrada ficava espremida entre a parede do apartamento e a porta do banheiro, no fundo de um micro-corredor.

Greta encarou aquele retângulo de plástico injetado, tensa.

O que deveria fazer?

Pagar e voltar à estaca zero ou arriscar um tudo ou nada?

Apesar do risco de levar um tiro, a demônia sabia serem ainda mais altas as suas chances de desarmar e descer uma surra capital nos dois filhos da puta ali atrás, tanto no anão quanto no lobisomem.

Sim, só pelas batidas ela já sabia não apenas quem era, como quem havia enviado a dupla.

E esse era o problema.

Greta podia se livrar da maioria dos seus desafetos só com os punhos, desarmando e surrando-os em seguida, mas Waldinho não era exatamente o tipo que deixa passar um desaforo. Mesmo em se tratando de dois de seus capangas mais genéricos, a vingança seria agressiva.

E Greta não à prova de balas.

O melhor mesmo era ceder...

Abre 'saporra ou eu... — A porta obedeceu. — Caralho, hein! Que demora! — o lobisomem reclamou.

Com mais de dois metros de altura, o monstro de pelos tinha que se manter curvado para não bater no teto do corredor. A cabeça de lobo encarando Greta lá do alto parecia uma loja de bijuterias, a julgar pela quantidade de argolas em suas orelhas triangulares. Do pescoço para baixo, seu tronco estava coberto por uma jaqueta vermelha furta-cor aberta, o que revelava a musculatura moldando a pelagem. As pernas, em uma mistura perfeita de coxa humana e patas caninas, se enfiavam dentro de um short jeans rasgado ridiculamente curto.

Piratas Espaciais - E a Consciência de HildaOnde histórias criam vida. Descubra agora