.: 12:. BR3N0

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.:12:. BR3N0

O nome original era "BR3N0", ou Breno, mas Greta o chamava de "Vergonha Alheia".

O androide era um modelo humano multi-étnico, capaz de alterar a cor da pele, os cabelos e as feições para qualquer uma que o cliente desejasse. E, tendo Madame gostos bem peculiares, o visual escolhido sempre girava em torno de atores de ação ou pornô de cem anos atrás.

Em uma frase, BR3N0 era um arquétipo de virilidade.

Tinha os músculos em curvas esculpidas com maestria, o rosto sempre marcado pela masculinidade típica de gerações passadas e dois olhos que eram carvões em brasa, mantidos acesos por um sorriso que derretia Madame feito cera.

Mas tudo isso desmoronava diante da escolha do seu único figurino: suspensórios, peito nu, gravatinha borboleta e pele oleosa. Parecia um Gogo boy de quarenta anos. Era tosco, mas pelo menos seu cabelo atual tinha estilo. Uma esfera capilar, símbolo de uma era. Apesar de fortemente datado, o penteado ainda conservava a força e o discurso que originara seu uso, indicando de onde (ou de quando) Madame tirava sua inspiração. E se ainda houvesse dúvidas, ainda havia o bigode escovinha para fechar a década.

Sem conseguir se conter, um dia Greta pediu escondida a Breno que copiasse o mais próximo possível a aparência do cantor Justin Beaver e, discretamente, chegaram por trás de Madame em uma "sedução surpresa". Com direito a dancinha ridícula, o androide cantou os sucessos do artista na sua voz aguda e rostinho afeminado enquanto Greta rebolava no pior requebrado possível, um de cada lado da mulher, que chorava de rir, ela e sua equipe, que filmaram a cena, todos tendo participado do planejamento da brincadeira.

Zoeiras à parte, mesmo BR3N0 sendo um androide de guarda-roupa duvidoso, uma máquina-fria sem qualquer consciência, Greta não pôde impedir-se de sentir um certo interesse nele.

Não esse interesse.

Roubar o esqueleto do robô para a irmã chegou a ser seu objetivo por um tempo. Nem o medo da retaliação de Madame impediu o pensamento. Se pelo menos o modelo não fosse tão antigo e específico para andróides frios, certamente Greta teria achado uma forma de levá-lo embora.

Infelizmente, como o sistema de BR3N0 usava componentes físicos não apenas em desuso, mas totalmente incompatíveis com Mag+, a linguagem mágico-digital usada nas máquinas quentes, ainda que fosse possível encaixar um HD para cristais de memória naquele crânio velho, se Greta tentasse uma transferência de consciência, o resultado seria uma mera cópia das habilidades e dos conhecimentos da caçula, não do seu caráter, do seu espírito ou de sua essência. "Hilda" se resumiria a um ator pornô de etnia opcional com habilidades de piloto e artes marciais.

Greta até poderia invocar suas habilidades em engenharia para tentar unir um hardware velho com uma linguagem de programação nova. O problema era a quantidade de gambiarras necessárias, arriscando um mau funcionamento, e o fato dela não ser uma engenheira robótica, o que reduzia e muito seu conhecimento acerca dessas máquinas. O risco de transformar Hilda em um pepino ambulante era alto demais.

— Aqui está, minha deusa — disse a voz de barítono segurando gentilmente a mão de sua dona. Seu sorriso era de uma canastrice tal que forçava Greta a segurar o riso. — Os quatro cristais e o seu cigarro.

— Obrigada, meu amor. — Os olhos de Madame lançavam tantos corações que quase derrubaram os óculos do rosto. Uma mão alisou a pele marcada pelas linhas de junção e dedos deslizaram por cima da logo da Styx Ltda., no momento em branco para dar contraste.

— Beto mandou avisar que precisou ajudar outros funcionários com a reposição de alguns itens e não pôde vir. — A intensidade do olhar que o androide lançava a Madame parecia colorir o mundo ao redor da moça. — Minha deusa precisa de mais alguma coisa? Em que posso servi-la?

Piratas Espaciais - E a Consciência de HildaOnde histórias criam vida. Descubra agora