Estar e ser

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Bruce já se surpreendera muitas vezes na vida, mas nada como naquele momento. Não pelo fato de escutar os sons do vento frio soprar nas folhas das árvores ou sentir um toque quente em sua perna ferida. Mas sim por sentir e ouvir qualquer coisa que fosse.

Ele tinha certeza que já estaria morto ao amanhecer.

- Se me fazer chorar de novo eu juro que te enterro em um chiqueiro... - Escutou a voz de Mahara.

A julgar pela pressão que sentia um sua perna, ela devia estar ajoelhada ao seu lado, cuidando de sua coxa baleada.

- Me enterre em um campo de tulipas brancas, por favor. – Respondeu e abriu os olhos. Lembrou-se de quando ela dissera para enterrá-la em um campo de tulipas amarelas.

Mahara tentou, mas não conseguiu disfarçar o alívio imenso que sentiu quando o viu acordar. Sua respiração finalmente saiu mais leve e os ombros relaxaram .

Fora a vez de Bruce ficar aliviado, a respiração dela havia saído normalmente, sem nenhum chiado ou dificuldade.

- Tulipas brancas significam perdão. Está me pedindo desculpas por me preocupar? – Cruzou os braços e o fitou com uma sobrancelha erguida.

O Conde riu de leve. Mahara era Mahara até em momentos como aqueles.

- Sinto lhe decepcionar, mas receio não entender de flores. Se uma tulipa fosse jogada em minha face eu não a reconheceria.

Bruce apoiou as mãos no chão para se levantar e recebeu ajuda de Mahara no mesmo instante. Ela levou as duas mãos aos ombros dele e o puxou em sua direção devagar.

– Seu cabelo está molhado... – Notou assim que a olhou de perto. Observou uma gota de água pingar das mechas até sua clavícula.

Os lábios dela tremiam e estavam vermelhos pela queimadura do frio, o som dos dentes batendo estava mais nítido naquele momento. Ela estava congelando.

Bruce olhou para o céu no mesmo instante, pela época do ano que estavam, não demoraria a nevar.

- Eu me lavei naquele lago. – Apontou para a água cristalina ali perto.

Bruce a olhou embasbacado.

- Mahara... Está quase nevando. – Falou pausadamente como se estivesse conversando com uma criança – Por que diabos você se molhou?! – Com uma criança muito, muito birrenta.

- Eu estava suja. – Respondeu como se fosse óbvio. E era, para ela.

- Precisava molhar o seu cabelo? Você vai ficar doente... – Levou as mãos até os braços dela e começou a passar as mãos rapidamente para tentar esquentá-la – Para uma gatinha arisca, você gosta muito de água... Isso foi loucura, sabia? Você está gelada...

Mahara ficou sem palavras. Se lembrou de quando trabalhava como escrava na mina de carvão, ela havia sido pega tentando roubar mais comida para as crianças e Richard a puniu deixando-a trabalhar nua na neve.

Bruce a irritava e provocava, mas era inegável o quanto ele tinha cuidado dela. Ele poderia ter fugido sem ela, assim evitaria se separar tanto dos outros e não teria levado um tiro. Mas ele preferiu levá-la e sofrer.

Por que ele fazia aquilo?

A bondade fazia parte da personalidade do Conde, mas aquilo era demais.

Era por não temer a morte? Já era a segunda vez que ele escolhia protegê-la ao invés de salvar a própria vida novamente.

Mahara queria perguntar o motivo. Para alguém que conheceu apenas a maldade, a bondade de alguém era como uma senhorinha esquisita que oferecia doces, mas que ela nunca aceitava por receio de ter algum veneno disfarçado.

O Conde SequestradoOnde histórias criam vida. Descubra agora