Rage encounters love

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Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido.
Eu não: quero é uma verdade inventada.
— Clarice Lispector.




Todos os dias, Wendy acordava de manhã, tomava um banho cheio dos sais "absorvedores de más energias" de Mare e se esbarrava com Nenzi em alguma parte do trajeto da torre sete à onze. Quando não estavam discutindo, estavam em silêncio mortal, e todos os dias ela usava o que aprendia com Carter nas primeiras horas de treino para destruir postes de madeira perfeitamente colocados na frente dela, prontos para serem destroçados por aço, enquanto imaginava a cabeça tosca do seu Adônis noturno infame no lugar. Só para descarregar aquela energia vibrante e fria no peito e nas mãos.

Até seu coração deficiente, geralmente perturbado por qualquer agitação, parecia satisfeito em se esforçar para bater só para que ela pudesse destruir mais um pouco, por mais tempo, com mais força.

Nenzi ficava para assistir. Carter, que claramente odiava fiscalização tanto quanto, sempre parecia prestes a fazer o que Wendy fazia nas madeiras, nele. Era ótimo ter um aliado em comum nos pensamentos homicidas.

Ou um quase aliado. Nem mesmo Carter era de grande confiança na situação.

Se antes Wendy tinha se irritado com a forma como Peter e Nenzi tinham agido como cães de guarda ao seu redor, agora ela achava a antiga irritação uma graça. A Casa na Árvore inteira parecia estar de olho nela depois do que aconteceu. Olhos por todos os cantos, rápidos e vigilantes. Alguns, mais discretos que outros, com certeza.

Mare era a mais delicada, atenciosa, distraindo-a o melhor que conseguia com passeios, jogos, culinária e até música. Wendy não se importava só porque gostava da companhia, de qualquer forma. Peter e Reis até eram sutis. Nunca deixavam que ela passasse muito tempo fora de contato, mas não se esforçavam demais. Não como Nenzi. Nenzi era um inferno. Mas ela tinha que admitir para si mesma que comprou essa briga, na última noite da praia. Ele deixara claro que daria o seu pior e Wendy manteve a insistência com o pior. Os dois podiam ser terríveis. Horrorosos. Nunca nenhum dos dois duvidou disso. Em alguns momentos, Wendy mal sabia dizer como criou sentimentos por essa criatura insuportável que a seguia pelos lugares e olhava para ela como se a desafiasse a tentar alguma coisa, só para que ele tivesse o prazer de impedir.

Diferente de antes, ele nem parecia mais se divertir provocando-a. Parecia pura questão de orgulho. Aliás, era pura questão de orgulho, para os dois. Wendy se empenhava em fingir que ele não existia enquanto ele se empenhava em fazer dela seu foco integral, como uma sombra. Exatamente como uma sombra.

No fim, a verdade era que Wendy não planejava passar mais dias do mesmo. Sentia que só andava protelando, enrolando, para cansar os olhos ao seu redor. Já tinha decidido o que queria fazer, e, depois de seguidos dias nebulosos de sonhos e treinos e horas na banheira, encarando o nada, mergulhada em si mesma, chegou à conclusão de que faria. De que, assim como Nenzi, afinal, ela faria seu pior.

Um dia depois de ter enraizado a decisão na cabeça, à noite, Peter apareceu pelo alçapão que dava para o telhado da torre 10, onde ela estivera olhando o céu repleto de estrelas. Ele carregava um saco de papel familiar na mão.

Wendy não tinha ido jantar.

"Oi", ele disse, quase com timidez ao se sentar ao lado dela. Wendy esperava que ele fosse aparecer. Já fazia quase uma hora que estava sozinha aqui em cima, ainda que tivesse cem por cento de certeza que Reis estava observando a escada do alçapão atentamente, só por curiosidade. Ele também não tinha ido jantar. "Trouxe bolinho da lua. Mare fez para todo mundo, sobremesa de jantar, mas você não apareceu..."

The Peter PanOnde histórias criam vida. Descubra agora