Half at half

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Tem quatro dias que Nenzi não sai da torre oito.

Bom, quase. Ele saiu escondido na noite do primeiro dia para arranjar um suprimento massivo de comida e bebida na torre sete, se arrependendo de não ter instalado uma geladeira mágica como os outros ou um frigobar como Luke. Parecia besteira na época, com a torre da cozinha logo ali, depois da passarela. Agora ele se arrepende. Muito.

Pelo menos Nenzi não encontra ninguém pelo caminho, o que é muito bom. Além disso, ao chegar na torre sete, ele encontra uma trouxa cheia, bem amarrada, e uma mochila térmica lotada, bem embalada pelas pixies, e se sente mais que agradecido. É até irônico pensar que elas o estejam ajudando a se destruir. Vá, se tranque, se empanturre, dane-se, só não nos dê mais trabalho, tá legal?

Então ele volta para casa e faz exatamente isso. É uma coisa bem melancólica, bem patética, bem Poe e corvos e ruas escuras de Baltimore.

A questão é a seguinte: Nenzi não consegue pôr a desgraça da cabeça no lugar. No primeiro dia depois de beijar Wendy, ele passou a manhã inteira trancado no quarto, olhando para o teto. Se entregando à negação. Depois cansou de ser um pateta triste deitado e passou a ser um pateta triste sentado no sofá. Aquele estado era ridículo. Principalmente porque não era a primeira vez que ele ficava atormentado por Wendy Darling. Não mesmo. Já é constante a ideia de mergulhar em agonia passageira por causa dela.

Ele a via todo santo dia. Era mais que normal virar uma noite ou duas por causa de alguma coisa que a garota tivesse dito ou feito, majoritariamente na hora das aulas. Quando ela ria de alguma imagem nos livros ou ficava reclamando das dores no corpo com uma careta emburrada, Nenzi virava noites tomando banhos frios e lutava para se distrair da estranha sensação no âmago. Quando ela não prestava atenção, jogava livros nele ou o irritava até os ossos, Nenzi chutava as coisas, tomava mais banho frio e às vezes queimava os difusores da torre num ataque.

Qualquer pessoa julgaria que, a esse ponto, ele já tivesse acalmado os nervos em relação àquela garota mirrada e petulante. Ah, sim, quem dera. É, quase. O problema é que ele a beijou e agora ferrou o processo todo. Agora ele quer se trancar, não existir e parar de pensar sobre isso. Mas não consegue. Nada do que costumava funcionar está funcionando.

Ele tomou incontáveis banhos gelados, principalmente porque queimou os difusores da casa várias vezes. Tentou ler, mas não conseguia se concentrar em nada que não fosse infernalmente pessimista como Schopenhauer ou Sarah Kane, e daquilo ele já tinha o suficiente. Então passou a subir e descer as escadas como um maluco. Jogou Atari, Sega Saturn e PS2 até ter câimbras nos dedos e se encheu de comida. Tudo isso só nos primeiros dois dias.

Conhecendo a si mesmo o bastante, Nenzi estava tentando ao máximo não ir para o terceiro andar ou ficaria lá para sempre, rodeado dos instrumentos, das partituras e do telescópio, sendo melancólico como ninguém antes na face do Nunca. Tinha guardado Elise debaixo da cama, escondendo-a de si mesmo, depois de se pegar chorando na cama abraçado ao instrumento. Era patético demais.

Na noite do segundo dia do exílio autoimposto, ele acabava de consertar mais uma queda de energia quando se arrastou de volta para o quarto e encontrou o armário de pixies aberto, com uma estrutura de concreto mediana dentro. Pela primeira vez em dois dias, ele riu. A pequena fonte, expelindo líquido cor-de-rosa, descansava em seu pódio. Alkoholia. Havia uma fonte de alkoholia dentro do armário. Um presente silencioso, que Nenzi aceitou, meio chocado, mas aceitou.

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