Faeland Royalty

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💫

Algumas vezes o escuro pode ser tão confortável quanto uma banheira. Quente, amistoso. Ele pode nos inundar na falta de sentidos e solidão, mas também pode ser tudo inteiramente completo, todas as cores em uma mistura etérea e suficiente. Pode ser nada e tudo, ao mesmo tempo em que é dor ou o fim dela.

Para Wendy, em dezoito anos, escuro sempre carregara uma conotação negativa, fria como a noite e dolorosa como a solidão. Mas não aquele escuro. Aquele escuro era bem diferente.

Honestamente, manter os olhos abertos é cansativo. Às vezes, a única coisa que alguém como ela quer fazer é dormir por semanas inteiras e descobrir se isso ajudou a restaurar as forças que faltavam. Ela achava que nem isso adiantaria. Estar acordado era sempre tão cheio e pesado no corpo, nos ombros, e ultimamente vinha sendo cinco, talvez dez, vezes pior. Desligar tudo daquele jeito era um descanso que, mesmo inesperado, era bem-vindo.

Mas ela era tão sortuda que nem essa paz durou muito.

Talvez fora, no mundo físico ao redor dela, tenha sido mais longo, durado mais, quem sabe. Dentro de sua percepção? Não passara de longos e arredios minutos sem... qualquer coisa, apenas o nada — até que começou a mudar.

Lá surgiram as batidas ritmadas ecoando dentro dela como se todo seu corpo fosse água pura. Não demorou, claro, para que enfim tudo deixasse de ser o silêncio e se tornasse um conjunto de batidas e inspirações e expirações contínuas. Ela estava respirando e tinha consciência de que o fazia. Tudo ficaria bem. Ela não tinha morrido acidentalmente nos braços de Nenzi.

Nenzi... Peter...

Onde estava?, ela teve vontade de se questionar, mas temia que isso a agitasse demais, agitasse seu corpo por um fio, e havia o perigo de quebrar o delicado equilíbrio que aquele escuro quente junto às batidas de seu coração parecia construir com extremo cuidado para mantê-la viva. Seria como estourar a bolha de ar que mantinha seu consciente... consciente. E ela precisava dessa consciência para compreender o que estava acontecendo.

A esse ponto, Wendy já devia ter se acostumando à ideia do inconsciente consciente, quase, pelo menos, mesmo que parecesse cada vez mais fugir do controle —  essa dupla consciência, onde ela via coisas se transformarem e moldarem, a aflição absurda de estar e não estar, não era... nova, mas ainda era tão estranho... Ela não sabia dar nome à sensação.

Por fim, batidas de coração e respiração não eram as únicas coisas ali. Havia algo a mais, uma noção, um sentido que retornava lentamente para ela. Vibrações. Alguém com uma voz longínqua — ou talvez seus sentidos estivessem muito confusos — dizia algo ao pé do ouvido dela. Depois de não se sabe quantos minutos haviam milhares de outras vozes acompanhando a primeira exclamando algo para ela como se Wendy fosse mesmo capaz de compreender em seu estado, coberta pelo escuro, pelo calor e pela falta de noção.

Aos poucos, todos os sentidos humanos dela pareciam caminhar lentamente em sua direção, aumentando. Era seu corpo, sua pele, coberta de um formigamento termal — daqueles que se sente quando a pele fria de um dia de neve encontra o calor de uma forte lareira. Seu olfato gritava de desespero pela súbita enxurrada de perfume, doce e quente, mas forte demais, capaz de desnortear qualquer um. O escuro era o único que ainda permanecia por completo. Wendy inspirou com intensidade, seu pulmão buscando um pedaço de ar que não estivesse mergulhado em perfume. Tossiu, três ou quatro vezes, falhando.

The Peter PanOnde histórias criam vida. Descubra agora