Sem sangue,
que sinais são as fases
para enfim contar uma mãe
como mãe ?
— Unknown.•
•
•Haviam vários silêncios dentro daquele cômodo de pedra.
O silêncio confuso de Anthony e Michael, o primeiro ainda confinando o segundo em seus braços. O silêncio irreverente, nada impressionado, de Quione, que ainda ameaçava os recém chegados com um olhar mortal através da parede. O silêncio cheio de preocupação de Reis e Free.
O silêncio chocado de Peter.
Wendy piscou. Então, com uma resignação impressionante até para si mesma, andou para frente. Não dava para enxergar corretamente através da parede pois o gelo congelado refletia as imagens turvas, mas com um movimento da mão dela, como se as moléculas se ajustassem ao seu pensamento, deixou de ser fosco e se tornou límpido, como vidro, transparente e ainda sólido.
O rosto perfeito de Peter apareceu, parecendo incapaz de piscar.
Dava para vê-los perfeitamente do outro lado. Free se escondia atrás dos ombros de Reis, como era de seu comportamento evasivo normal, e Reis assistia à cena de olhos arregalados mas com um toque de entusiasmo estranho.
Wendy se prostrou diante de Peter, do lado contrário da parede, analisando sua imagem com cuidado, procurando por pontos de raiva, pontos de dor, algum sinal de uma pessoa revoltada por traíção. Não havia nada em sua voz além de um tom baixo, quase nervoso, ao perguntar:
"Há quanto tempo você pode fazer isso?"
O fato de que ele olhava para ela como se não a reconhecesse tornava toda a situação pior.
Wendy engoliu, devagar, olhando para uma de suas mãos. Mesmo com o sol da Terra do Nunca, ela nunca tinha deixado de conseguir ver as linhas coloridas de suas veias perfeitamente por baixo dela. "Acho que esteve aqui por um bom tempo", sussurrou, juntando uma tapeçaria de cenas em mente. "Eu só não sabia que podia externalizar."
Os olhos de Peter tremeram, perdidos, através do gelo. "Quem... quem fez isso com você?"
Wendy vacilou, olhando para o nada. Tinha teorias, mas não uma resposta própria para aquela pergunta. E ele merecia uma resposta apropriada, justa. Que ela não tinha.
Mas Reis tinha.
"Não foi dado por ninguém", ele declarou, de repente, atrás dos ombros de Peter, com uma convicção de se invejar. Tinha o rosto mais calmo e tranquilo de todo o espaço. Na verdade, quase divertido, o rosto presunçoso de alguém que achou a peça faltando de um quebra-cabeça pessoal. "Ela desenvolveu sozinha. Eu diria que para sobreviver."
Peter olhou para trás, para ele, ainda mais alarmado. "O quê?"
Wendy usou a mão que estivera observando para tocar o próprio peito. "Meu coração", atestou; então, ergueu os olhos para Reis, acusatória. "Você sabia."
Reis sacudiu a cabeça, um meio sorriso. "Não fazia ideia", ele deu de ombros. "Mas eu estava lá para ver quando você passou uma semana congelada depois do reino das fadas. Eles te colocaram no quarto, esperando, e eu achei mesmo que fosse perecer. Nos primeiros dias, sim. Aí, um dia, você começou a se envolver numa espécie de casulo de gelo fino, cheio de cristais cobrindo toda a pele, e eu chequei para ver se ainda estava respirando e... estava. Eu não sabia onde já tinha visto aquilo antes, mas me pareceu familiar, então me lembrei que é o tipo de gelo que envolve as plantas rasteiras no inverno, para impedi-las de morrer. Dois dias depois de se envolver por completo, o casulo esquisito derreteu e você acordou. Viva e sem problemas, nem parecia perceber que o tempo tinha passado. Eu sabia que isso resultaria em alguma coisa mais tarde."
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The Peter Pan
FantasyHiato (06/04/23) Ela queria sumir da face da terra. Ele a ajudou a fazer isso. O desejo de exílio da garota despertou curiosidade no garoto exilado. De um lado do universo, há uma ilha inteira em crise. Do outro, uma adolescente devastada que não...