Capítulo 1

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Por entre as paredes brancas daquele hospital caminhava uma garota a passos largos. Estava desesperada, mais um dia onde ela estragaria as coisas, isso era inconcebível. O fisioterapeuta responsável por ela – Talles – era rude, impaciente e extremamente impetuoso. De que forma a pobre moça lhe explicaria que sua simples tarefa de encontrar o quarto vinte e três falhara miseravelmente?

Ou seria vinte e seis?

Rafaella era péssima de memória e estava no ano de prática em fisioterapia, seu último ano, e naquele mesmo dia passara em mais de quinze quartos, porém algum estúpido derrubou café em seu jaleco, manchando o último número do quarto que ela deveria ir.

Estava exausta, só precisava de um bom banho e de sua cama. Até não ligaria caso Bianca – Sua melhor amiga desparafusada e parceira de quarto na república em que morava – estivesse ouvindo música alta naquele dia. Estava tão exausta que certamente apagaria assim que encostasse a cabeça no travesseiro.

Rafaella tinha vinte e dois anos, era dona de uma beleza crua, porém bela, Odiava maquiagens e afins para seu rosto, sempre preferiu o natural. Seus cabelos eram castanhos e ligeiramente ondulados; era alta e, apesar do perfil delicado e doce, não tinha sorte na vida amorosa, motivo este que sempre a fez ser completamente nerd.

– Tudo bem, respire. – Ela disse, ajeitando seu jaleco e retirando uma mecha de cabelo de seus olhos. – Você consegue fazer isso. – Os olhos verdes focaram no número vinte e três na porta. – Se não for este você se desculpa e tudo ficará bem.

– Rafaella, tudo bem? -- A voz engasgada de Talles lhe assustou, fazendo soltar um gritinho fino e levar sua mão até o peito. Droga! Droga! Droga!

– S-sim. – Ela disse gaguejando, vendo o homem descer o óculos até a ponta do nariz e lhe fitar seriamente.

– Então por que está parada em frente a essa porta ao invés de ir ao trabalho?

– Eu.. É... Já estava indo. – Ela disse, sorrindo amarelo para ele antes de levar sua mão ao trinco, cor prata da porta e abri-la.

Ela entrou rapidamente, fechando à porta e respirando aliviada.

– Pois não? – A voz de uma mulher fez Rafaella tomar o segundo susto e dar outro pulo, se virando para a dona da voz. A mulher tinha olhos castanhos e sua pele era clara. Ela estava sentada em uma cadeira ao lado da cama de uma paciente; seus olhos eram fundos, com olheiras e totalmente sem brilho. Ela carregava consigo um kit de tricô.

– Eu... – Rafaella caminhou até a beira da cama, já sabendo que tinha cometido um erro, porque seu último paciente era um homem idoso e, ao contrário disso, na cama havia uma linda garota, bastante pálida, porém linda e jovem. – Desculpe incomodar. É que sou nova neste hospital e acabo de perceber que me enganei quanto ao número do quarto.

A risada doce, mas ainda assim cheia de dor preencheu o quarto antes da mulher fitá-la meticulosamente.

– Em que ano está?

– Perdão? - Rafaella perguntou confusa.

– É alguma interna ou estudante de algo da área da saúde, aposto! Deixe-me ver... – Ela disse, não olhando para o jaleco, pois ali estava a profissão e ela adorava adivinhar. – Cirurgia.

– Ew! Não. – Rafaella disse rindo. – Não sou médica, estou no último ano de fisioterapia.

– Oh, linda profissão! – A mulher disse sorrindo gentilmente. – Não se preocupe, querida, ao longo destes quatorze anos você não foi a primeira a passar por nosso quarto. – Os olhos curiosos de Rafaella se desviaram para a garota ali desacordada. – Acho que já passou de mil, na verdade. Este hospital é imenso.

– Desculpe, mas... O que ela tem? – A mulher exalou o ar dos pulmões e fitou a garota ali na cama.

– Está em coma. Os médicos já sugeriram o rompimento do uso das máquinas, mas não sou capaz de abrir mão de minha única filha. – Ela disse tristemente. – E nunca serei.

Oh droga! Ela não poderia apenas ter se desculpado e saído? Como iria arrumar palavras que consolassem tal dor? Impossível! Nada seria capaz de aquecer o coração daquela pobre mãe desamparada.

– Perdão, a senhora mencionou quatorze anos? – A mulher assentiu devastada.

– Era só uma pobre e inocente criança. – A mulher disse sentindo uma lágrima escorrer. – Naquele dia eu quebrei um braço, perdi meu marido e, bem, minha filha, após passar por quatro cirurgias no cérebro, entrou em coma.

Só uma criança. Só uma criança. Só uma criança.

Merda.

Rafaella não suportava histórias tristes, seu coração não aguentava, ela sempre chorava no fim do dia.

– Como ela se chama? – a senhora arregalou os olhos surpresa pela pergunta.

– Gizelly. – Rafaella assentiu.

– E a senhora?

– Madalena

– Bem... -- Rafaella disse, se inclinando um pouco e olhando para a garota desacordada, ela aparentava estar em plena calma. – Olá, Gizelly, Eu me chamo Rafaella. – Disse com toda a doçura que havia em seu ser. – Será que você poderia acordar hoje? Sua mamãe está morrendo de saudades, anjinho. – Óbvio que não teria resposta. – Espero que acorde logo para podermos brincar, hm? Tenho uma irmãzinha mais nova e ela adora bonecas, posso te emprestar algumas, combinado?

Os olhos castanhos de dona Madalena procuraram por algo, porém não encontraram.

– Obrigada, criança. – Ela disse comovida.

– Não fiz nada, senhora. Não me agradeça, apenas conversei um pouco com ela. – Rafaella disse gentilmente. – Mais alguém a visita?

– Uuh, faz uns doze anos que não. – Confessou. – Desistiram dela, mas como eu disse, não sou capaz de fazer isso. – Rafaella sentia vontade de chorar, mas deveria se conter.

– Gizelly, eu preciso ir, meu chefe é um homem muito chato... - Rafaella disse rindo baixinho. – Mas vou orar para que você acorde logo.

– Vá com Deus, querida. – Madalena disse.

– Fiquem com ele vocês duas também. – Ela disse, vendo Madalena começar a chorar compulsivamente. – O que houve? A senhora está bem? -- Perguntou, se aproximando da mulher.

– Não ligue para esta velha. – Ela disse. – É que de todas as mil pessoas que entraram por engano, você foi a primeira a conversar com ela.

– Bem...

– Obrigada, criança. Isso significou o mundo para mim.

– Não chore, dona Madalena. – Rafaella suplicou. – Eu preciso mesmo ir, mas...

– Oh, claro. Não quero incomodar. Vá, querida. – Rafaella assentiu, levando uma mão ao rosto de Madalena e se atrevendo a enxugar as lágrimas da mulher.

– Posso voltar no fim do meu turno? Está quase acabando.

– Não precisa se incomodar com minha pobre alma solitária, criança. – Madalena disse sorrindo simpática.

– Eu vivo cercada de pessoas do bem, mas minha alma também é solitária. Que tal se nos fizermos companhia? – Um sorriso sincero nasceu nos lábios da mulher.

– Te esperarei. – Madalena disse e Rafaella abriu um lindo sorriso.

– Até mais tarde então, Senhora. – Disse se levantando. – Até mais tarde, Gizelly – Disse, caminhando até a porta. Assim que abriu se deparou com Talles ainda ali, de braços cruzados.

– Eu estava esperando para ver quanto tempo você demoraria para descobrir que atendeu o paciente errado – Merda! Sua maré de azar acabaria algum dia?

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Espero que gostem!

Em um piscar de Olhos (Girafa)Onde histórias criam vida. Descubra agora