Capítulo 3

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Algumas horas antes, tudo o que Rafaella era capaz de pensar era em sua cama; no sossego de seu quarto, mas como seguir pensando nisso quando se descobre que sua voz estimula o cérebro de uma pessoa que está em coma há longos e torturantes quatorze anos?

– E então, doutor, como isso funciona? – Rafa perguntou. Era por volta das quatro horas da manhã quando o doutor conseguiu arrumar tudo para o novo tratamento de reanimação cerebral com ultrassom.

– É uma técnica não-invasiva que usa pulsações de baixa intensidade para agitar os neurônios. As ondas sonoras serão direcionadas para o tálamo, que é parte do cérebro responsável por funções como regulação de consciência, sono e estado de alerta e, se der tudo certo, essas ondas despertarão a paciente.

– Eu só preciso... falar? – Rafaella perguntou repuxando o canto da boca. O doutor sugeriu fazerem isso pela tarde do dia seguinte, mas Rafaella disse que teria que estar no hospital em seus horários de prática. Madalena, com medo de perder a oportunidade, pediu ao médico que fizesse o quanto antes e que dinheiro não seria o problema.

– Apenas converse com ela, já sabemos que ela te ouve. Só vou levar Madalena para assinar alguns papéis. Se importa de esperar? - Rafaella negou.

– De jeito nenhum. – Ela respondeu, bocejando no momento seguinte. Estava, de fato, morta de cansaço, contudo, também se via ansiosa.

– Certo. Com licença. - Ele pediu, saindo com Madalena. Rafaella suspirou e caminhou até a cama de Gizelly novamente.

– Olá de novo, Gi – Rafaella disse, analisando com atenção cada detalhe da garota. Suas sobrancelhas eram grossas e, apesar do aparelho que mantinha sobre o rosto para ajudá-la a respirar melhor, Rafaella conseguia ver sua boca delicada e o nariz bonitinho. Ela parecia estar dormindo; Rafaella se atreveu a tocar a mão de Gizelly com cuidado. A pele estava um pouco fria e Rafa decidiu fazer algo em relação a isso. – Está com frio?

Perguntou por perguntar, afinal, o doutor já havia falado que pacientes nesse estado não sentiam nem calor e tampouco frio. Começou uma carícia lenta e gentil de sobe e desce na pele da menina, no intuito de aquecer a região.

– Seu médico me contou um segredo. – Rafaella disse rindo. -- Ele disse que você gosta da minha voz. – Rafaella deu um pulo quando sentiu o dedo anelar de Gizelly se mover. – Oh meu Deus! Isso foi um sim? – O dedo voltou a se mover e Rafaella abriu a boca em completo espanto.

Madalena precisava saber disso, era a única coisa que Rafaella pensava.

– Certo, vamos tentar de novo. – Rafaella disse sorrindo. – Eu comprei alguns caramelos no caminho para cá esta manhã. Você gosta de caramelos? -- O dedo voltou a tremer e Rafaella sorriu ainda mais empolgada. – Você está indo muito bem. - Rafaella disse animada. - Você sabe onde está?

Rafaella esperou e alguns segundos depois, quando ela já pensava que não obteria resposta alguma, o dedo voltou a mexer, porém dessa vez duas vezes.

– Duas vezes seria um não? – O dedo voltou a mexer uma vez e Rafaella sorriu – Bem, estou ficando realmente boa em entender você. -- Ela disse em um suspiro. – Eu não sei por que justo a minha voz te atrai, mas estou feliz por isto. É bom se sentir útil às vezes. Meu chefe não me dá sinais de que eu seja boa em algo, então obrigada por isso, Gizelly. – A mão de Gizelly apertou a de Rafaella, fazendo Rafaella se surpreender. – Uoou, você realmente gosta que eu diga seu nome, hm? - O dedo se moveu uma vez e logo em seguida a porta foi aberta.

– Demoramos? - O homem perguntou.

– Doutor, essa máquina é realmente boa. Ela já consegue mover a mão. – O homem franziu o cenho em confusão.

– A máquina não está ligada, Rafaella. Você tem certeza que ela se moveu?

– Sim, várias vezes. Veja... Gizelly, você poderia mostrar ao médico o mesmo que me mostrou? -- O dedo anelar voltou a se mexer e Rafaella sorriu. – Viu?

– Isso é incrível, mas pode ser apenas reflexos. Eu quero muito que isso dê certo, Madalena, mas não quero que crie expectativas demais ao ponto de se machucar caso ela não acorde ou tenha sequelas.

– Não se preocupe, eu sei. -- A mulher disse tristemente, porém firme.

– Hey, Gi... Sua mãe está linda agora. Ela está com saudades. Gostaria de abraçá-la? - O dedo, mais uma vez, se moveu uma vez e Madalena sorriu, sendo inevitável segurar as lágrimas.

– Rafaella, apenas continue. Vou ligar a máquina. - O médico disse seriamente, caminhando até o aparelho e o ligando. Rafaella encarou intensamente Gizelly, pensando em algo que ela gostaria de escutar, porém não conseguiu pensar em nada, então decidiu dizer algo que gostaria de dizer.

– Eu gostaria de poder ouvir a sua voz, Gizelly. – Ela disse. Lá fora tudo estaria um caos, afinal aquilo era um hospital, no entanto ali dentro o silêncio era preenchido apenas pelos sons emitidos pelas cordas vocais de Rafaella – Você gosta de ouvir eu dizer o seu nome, mas acho que ele deve soar mais bonito na sua própria voz. Poderia me ajudar com isso?

Um suspiro foi escutado, porém não fora de Rafaella, senão de Gizelly. A garota parecia estar realmente tentando.

– Não se preocupe, eu sei que está dando o seu melhor. – Rafaella disse, desviando seus olhos para a mão delicada e imóvel de Gizelly – Vou voltar a segurar a sua mão, eu posso? -- O dedo voltou a se mexer e Rafaella sorriu, esbarrando delicadamente sua mão sobre a de Gizelly – Quando o doutor te examinou eu reparei que seus olhos são castanhos. Eu trocaria todos os meus caramelos por voltar a vê-los, são lindos! – Disse um tanto envergonhada por estar revelando seus pensamentos em voz alta.

Madalena sorriu, não um sorriso simples, pelo contrário, era um sorriso que enfeitava de orelha a orelha. Rafaella era doce; mesmo sem entender quais razões levaram sua filha a se aferrar à voz daquela moça, de qualquer forma estava contente por isso.

Gizelly começou a se remexer inquieta na cama, fazendo Madalena começar a chorar e Rafaella se assustar. O médico retirou o aparelho que a ajudava a respirar, afinal, ele havia percebido que havia sido por aquela razão que Gizelly se mexera. O aparelho a incomodava.

– Gizelly? Pode me ouvir? -- O doutor perguntou em expectativa.

– Gizelly – Rafaella chamou e, assim como ela pediu, os olhos vagarosamente começaram a se abrir. Rafaella simplesmente paralisou; a garota abriu os olhos bem em sua direção, como se o tivesse feito unicamente para vê-la. A intensidade das orbes cor de avelã era intimidadora, mas em momento algum Rafaella desviou os olhos.

– Olá de novo – Rafaella proferiu, deixando que um sorriso dominasse sua expressão. Os castanhos piscaram pela primeira vez e o médico lhe olhou em expectativa.

– Os seus olhos também são lindos – A voz baixa, tímida e acompanhada de um pequeno sorriso. Era mesmo real, ela havia acordado.

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Por hoje é só!

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Se cuidem, até amanhã. (ou não)

Em um piscar de Olhos (Girafa)Onde histórias criam vida. Descubra agora