CAPÍTULO 30 - limite da dor

405 32 3
                                    

S/N POV

Millán: - S/n você tem visita.

Saray: -Puta que pariu, todo dia é isso.

Antônia: - A mulher tem mais visitas no mês do que eu tive em anos.

Realmente, eu sou uma das detentas que tem mais visitas. Mas é bem provável de que quem me visite seja minha irmã, eu não estou muito bem com ela, por causa da última visita em que ela me ofendeu. Eu senti que foi uma ofensa ela dizer que minhas amigas daqui são um atraso para a sociedade. Elas cometeram erros? Sim! Mas muitas delas lutam para mudar, como a Terê e Luna com o vício em drogas. Sem contar que ela não apoia mais meu relacionamento, acredito que a razão seja a fuga...

Chegando lá, não vejo minha irmã em nenhuma mesa de visita. Olho para todos lados possíveis mas não a encontro. Quando Millán aponta para uma mesa que estavam um casal de meia idade. Eu não enxergo direito quem são então vou me aproximando, quando começo a reconhecer o casal.

- Pais? Quer dizer, Vicente? Isabel? O que vocês estão fazendo aqui?  -olho para os dois espantada, ainda sem acreditar no que vejo. Me sento a mesa.

Isabel: - Filha meu amor, pode nos chamar de pais. - seus olhos estavam cheios de lágrimas e sua expressão era de pena e tristeza.

- Não, vocês já não me consideram assim, e eu já aprendi a não me considerar também. - digo firme.

Isabel: - Por favor, não faz isso com a mãe. - eu podia ver suas mãos delicadas tremerem grudadas uma na outra.

- O que vocês querem aqui?

Isabel: - Você está bem minha filha? Como está passando? Eles te dão o que comer? Oh meu deus, você está tão magrinha...

- Estou ótima,vá direto ao assunto.

Vicente: - Trate de tratar sua mãe com respeito! - ele diz firme, estava sério e com a mesma cara emburrada desde a primeira vez que o vi na minha vida.

- Agora vocês quem respeito? Depois de me abandonarem no meu pior momento? Depois de não acreditarem que eu era inocente, e nem mesmo querer saber minha versão? Ah tá bom. Se forem exigir respeito de mim, é melhor eu me retirar, porque não vai rolar.

Isabel: - Filha, ficamos sabendo que você não é culpada, você sai daqui á dois anos. Nos arrependemos de tudo isso que você disse, erramos como pais. Mas eu prometo que a partir em diante iremos dar tudo o que você precisar, vamos te visitar sempre que pudermos, vamos estar aqui por você!

- Agora vocês querem fazer papel de pais? Porra! Eu fiz um aborto, me meti em problemas de dívidas com traficantes, fui assediada, fui espancada, presenciei um assassinato entre outras mil coisas que eu passei aqui. Cacete, eu precisava de vocês comigo. - minha voz já estava alterada e falhando por segurar o choro.

Isabel: - Oh meu deus filha! Eu sempre quis um netinho... - ela olhava no fundo dos meus olhos, eu conseguia ver seu arrependimento, mas não do meu pai.

- Pois é, mas agora já era. A única que veio me visitar foi minha irmã. Ela não está apoiando meu novo relacionamento e minhas novas amizades mas agora que estou olhando para vocês e lembrando dessas coisas, a opinião dela sobre essas pequenas questões é o de menos. - Com minha mãe já chorando, eu começo a jogar merda no ventilador. Dizer tudo o que estava engasgado a alguns anos.

Vicente: - Um relacionamento aqui S/n? Eu espero que seja com um carcereiro ou um polici.. - logo corto "meu pai".

- É com uma detenta.

Vicente: - O QUE? UMA MULHER? E DETENTA AINDA POR CIMA? - ele grita e todos ao redor olham em nossa direção.

Isabel: - Ai meu Deus, eu acho que vou morrer de desgosto. - Ela bambeia e seus olhos reviram. A mesma pega sua garrafinha para tomar um pouco de água.

- Sim, uma linda mulher cigana. Inclusive, namorei com duas aqui dentro. Fiz amizades e inimizades. Aprendi muitas coisas com essas pessoas que fizeram meus dias melhores, me deram conselhos quando vocês não estavam aqui. - eu estava tomada pelo ódio, rancor e mágoa deles, não estava controlando o que dizia.

Eu conseguia ver a fúria e nojo de mim nos olhos de Vicente. Ele se levanta, puxa o braço de Isabel que ainda estava estática e mole na cadeira. A mulher estava branca! Acho que passei muita informação para ela em uma mesma hora.

Me levanto também, pensando que a visita já tinha encerrado. Quando Vicente, vulgo meu pai, golpeia meu rosto,me dando um tapa na cara. Eu fiquei ali parada, não conseguia olhar para ele, estava com vergonha e chateada. Por rabo de olho, olhando de canto, conseguia ver o rosto de minha mãe pasmo e com as mãos em sua face, paralisada.

Vicente: - Eu tenho nojo de lésbicas como você, eu não te criei com todo amor do mundo para isso. - ele olha no fundo dos meus olhos com desprezo. Suas palavras foram imperdoáveis para mim, a dor foi de como se ele tivesse me apunhalado pelas costas com a faca mais afiada que ele possui. Nunca imaginei ouvir algo tão repugnante vindo do meu próprio pai, nem sei se posso o chamar assim mais.

Millán me puxa de volta para os corredores e me dirijo direto para a cela. Eu não conseguia olhar direito para a carcereira, eu me sentia derrotada e envergonhada. Pois na visita, todos os olhos estava focados em mim, depois do tapa que Vicente me deu.

Naquele momento, Saray estava em cela, ela Zulema e Maca. Era tudo o que eu precisava naquele instante. Meu rosto ainda estava marcado.

Conto para as meninas tudo o que eu passei na visita. Eu só precisava ouvir a voz da Saray, sentir seu abraço, seu toque, seu perfume, depois daquele dia tão ruim. Ao mesmo tempo que eu não queria dizer nada, eu queria dizer muita coisa, queria desabafar tudo, estava exausta deles.

Ver meus pais sendo tão preconceituosos e homofóbicos foi tão doloroso. Eu imaginava que quando esse dia acontecesse,(SE acontecesse pois não queria ter contato com eles) eu iria estar preparada e não iria me importar com as opiniões deles. Mas não foi o que aconteceu, doeu na alma, pois afinal, as pessoas que me geraram ao mundo, que vivi por 18 anos, foram eles. Eu meio que ainda precisava da aprovação deles. No fundo, no fundo, eu ainda tinha um carinho muito grande por eles, mesmo com o jeito duro. Mas agora não mais...

Amar - ellos💛Onde histórias criam vida. Descubra agora