II Anúncios de mudanças: O vento do sul

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Nunca tive uma noite tão longa, tão comprida. Depois que o pai saiu e sumiu no horizonte, entramos para dentro em silêncio. Com Deivy ainda em meus braços organizamos o banho, enquanto Ozannia fazia a comida. Não trocamos conversa até que Deivy após o banho começou a chorar, logo nossa irmã o pegou e acalmou. Após comer organizamos as coisas, para que quando voltassem tudo estivesse em perfeita ordem. Somente trocamos alguns olhares, a noite estava diferente, silenciosa, triste, preocupante. O vento que soprava na janela trazia um breve sobressalto, fazendo me pensar que talvez fosse nossos pais que voltavam, mas não, era só o vento mesmo nos deixando ainda mais angustiados. Quando todos já se organizavam para deitar, aproveitei o momento e sai para a porteira de nossa casa, vê se avistava alguma coisa, conferir se nada tinha mudado no horizonte. O vento cortava balançando meu blusão a qual fechava juntando as mãos, andava meio curvo, estava bem frio, devia já ser tarde. Parei na porteira de nossa casa olhando para a velha estrada. Nunca tínhamos ficado sem nossos pais, crescemos juntos e estávamos sempre juntos fazendo os serviços de casa, conversando, brigando, implicando, mas juntos sempre. Às vezes tinha medo, imaginava cenas que não queria. E se as coisas não ficassem bem, e se pai não retornasse, sabia que a floresta não era tranquila. Às vezes queria ter o poder de não pensar, que essa habilidade não existisse, provavelmente ficasse em paz, sossegado. Talvez aceitasse mas as coisas como são e questionasse menos. O fato era que minha mente não parava, não descansava, nem me deixava em paz. Estava longe, quando ouvi bem distante:

- Ooou!

Meu coração acelerou, palpito. Tive um estalo de alegria, quando percebi que o horizonte estava limpo, então virei procurando, era minha irmã que gritava.

- O que faz aqui nesse friooo!? Quer ficar doente também seu cabeça de mamão!

Seu vestido xadrez vermelho balançava muito, com uma mão ela segurava o vestido e com a outra gesticulava para entrar. Dei uma última olhada para o horizonte e num salto desci da porteira e fui em direção a nossa humilde casa. Chegando na porta minha irmã iniciou um disparate.

- Darwin quer ficar doente, lá fora nesse frio! Tu enlouqueceu menino! Sem contar no perigo de ficar lá fora de noite, quer ser devorado? Mas não é possível...

Olhei em seus olhos, acho que não ouvi metade do que falava, tudo que eu conseguia ver era medo, sei por que estava brigando e agitada. Em um instante num súbito peguei sua mão e puxei lhe abraçando, ela quis empurrar de início mas logo encostou, ficou quieta por um minuto, senti ela soluçar, tirei ela levemente e olhei seu rosto que estava marcado por lágrimas, seus olhos e suas bochechas vermelhas, então falei para ela que tudo ia ficar bem. Tinha visto ela chorando poucas vezes, Ozannia sempre foi resistente a demonstrar emoções, sabia que não estava bem, na verdade já fazia um tempo que não estava bem, ela acha que mãe não lhe entende, se sente sem espaço. Compreendia muito bem seu sentimento, porém tudo veio a culminar naquele momento. Após estar mais calma ela foi para seu quarto, antes disso, disse que amanhã seria um novo dia, e que bem cedo eles estariam em casa. Tentei ir para o quarto onde dormia eu e Olavio, ele já dormia, ressonava profundamente. Fui até minha cama trançada com palha, feita pela minha mãe, que ficava à esquerda do quarto, parei bruscamente quando ia topando com o caixote feito de pequiá onde ficava a roupa minha e de meus dois irmãos. Dei uma pausa, identifiquei o ambiente e continuei rumo a cama, abri o lençol feito de algodão a qual lembrava também minha mãe. Fui invadido de boas recordações; eu, pai e meu irmão subindo a ladeira para pegar algodão, o sol nascendo os pássaros a cantar, os olhos meio fechados por causa do sol, meu irmão que some se escondendo atrás das árvores para nos assustar puxando o cabelo, pegando no calcanhar ou colocando o pé na frente para tropeçarmos, o ar úmido, o vento tímido batendo em nossos cabelos, o barulho das folhas ressoando, após o fim da subida o contemplar das nuvens rasteiras, as mesmas que podem ser tocadas com as mãos, os pés de algodão carregado era contemplar o céu se abrindo diante seus olhos. A voz de meu pai soprando, sobre como aquela paisagem lhe dava paz e alegria. Era sempre assim, meu pai homem de poucas palavras, sempre ao fim da subida recitava o mesmo verso; "que imagem de paz e alegria!" Consigo ver sua expressão, sua face de gozo, com os braços abertos, olhos fechados, rosto de regozijo, como se aquele lugar fosse o melhor lugar. Quem nunca teve seu lugar favorito? Seu céu particular? Era assim que ele se comportava. Para mim era a melhor visão, como era bom ver sua feição, me deixava tão tranquilo. Meu pai se encantava com as coisas simples da vida, sempre levei isso comigo como uma roupa que se usa em todos os lugares. Após essa jornada consigo ver minha mãe sentada na frente de casa com sua saia rosa floral rodada e sua blusa bege, parecendo um anjo, com seu semblante tranquilo e distante preparando os algodões para tecer, pois não havia tempo, a natureza anunciava a chegada do inverno. Ela tecia cachecóis, luvas, toucas e agasalhos; era um processo demorado que exigia paciência e destreza. Pareço ainda sentir sua mão me puxando, pegando em meu rosto aproximando bem devagar até seus lábios tocarem minha testa, suada e queimada do sol. Seu sorriso bobo e sincero falando, meu filho, meu menino amado. Como é reconfortante ouvir essas palavras. Suspirei por um instante e deitei em minha cama.

Quando pegava no sono acordei em um sobressalto com um barulho, pulei da cama e fui até a sala. Olhei pela janela, não via nada, continuei a procurar, talvez fossem meus pais que voltavam, não quis abrir a porta para não acordar Ozannia que dormia ao lado e tem o sono leve. Depois de um tempo em pé percebi que minhas esperanças se esmoreciam, se esvaiam, vi que era somente um animal, um barulho comum no mato, ninguém retornava. Se almenos tivesse respostas, isso me matava. Nesse instante o sono já tinha ido embora, já não havia vontade de deitar ou recostar o corpo, só havia angústia. Fui de encontro a cadeira de madeira que quando sentava reclinava, cadeira que meu pai amava sentar no fim do dia; estava no canto da sala, seu lugar favorito; e sentei com a perna contra o peito. Sentei e pensei, lembrei alguns fatos, alguns conselhos e inquietações que carrego.

Como o ser humano é sensível, passivo a fragilidade. Basta um detalhe para se perder tudo ou ter uma mudança brusca em sua vida. Um dia pode estar tudo bem e no outro pode não estar, afinal basta estar vivo para enfrentar constantes desafios. Reflito sobre como o ser humano não sabe de nada, constantemente descobrimos que não temos total compreensão ou que estávamos completamente errados sobre algo, sobre o outro. Na verdade cada ser individual é um mundo complexo e de muitos detalhes que está em constante transformação e em descoberta diária, pois nada está estático; podemos ser o melhor mas também podemos ser o pior na medida em que é conveniente ou conforme vemos a necessidade de mudança. A vida é uma surpresa, às vezes positivamente e as vezes negativamente o fato é que nunca estamos prontos para receber suas mudanças, sejam boas ou ruins sempre somos surpreendidos, nunca sabemos o que de fato virá, e essa surpresa me deixa extasiado, simplesmente não estamos no controle porém tudo flui em perfeita sincronia, o sol nasce, as estações vêm e vão, o tempo e sempre o mesmo, as sementes crescem, mesmo que eu seja somente um espectador neste ambiente fico feliz de também fazer parte dessas mudanças, e ser transformado com as diferentes paisagens que me rodeiam. Mesmo não sabendo o que virá sei que algo vai vir, as estações nunca chegam vazias mas trazem seus sinais, suas marcas, suas características únicas e individuais, assim sou eu no mundo; parte de algo lindo e maravilhoso, capaz de sentir, amar, chorar, doar é mudar quantas vezes for necessário. A sincronia do tempo, do animal a dar a luz ao seu bebê, dos olhos piscando, a sensação de frio e calor. Quem contou a alguém que chorava ou quem precisou avisar que sentia, ninguém precisou falar ou anunciar, são coisas que acontecem naturalmente desde que estamos na barriga de nossa mãe, no momento em que nascemos, faz parte de nós, a alegria, a comoção com o outro, o sentimento de estar em um lugar e ser ou não parte dele, está aqui falando conosco o tempo todo, e tudo isso é parte de nós. Já pensou alguém que não sente alegria, se relacionar com alguém que não pode ter nenhum sentimento relacionada ao amor ou ternura, eu imagino estas coisas sempre, como seria ter uma mãe que não sente preocupação, que não te ama, que não se chateia com você, que não traz um agasalho para você no fim da tarde, nem prepara a janta no por do sol, que não faz um chá e te coloca no colo quando está doente, pois todas essas ações são reflexos das emoções presente em nós desde o dia que nascemos, mesmo não podendo deixar ela nos dominar ela é tão presente e essencial quanto o ar que corre em nossos pulmões, sem ela não seria possível se quer ter o mínimo de empatia, de comoção com a dor e sofrimento do outro.

O pensar é um mundo tão infinito e de tantas possibilidades, como o céu azul estendido sobre nossas cabeças, como as nuvens que surgem e somem, que andam sem sabermos para onde vão, e surgem às vezes carregadas anunciando a chuva, medonha porém necessária...

O pensar é um mundo tão infinito e de tantas possibilidades, como o céu azul estendido sobre nossas cabeças, como as nuvens que surgem e somem, que andam sem sabermos para onde vão, e surgem às vezes carregadas anunciando a chuva, medonha porém ne...

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