XXVI Indiferença

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Foram todos os quinze dias seguidos desta maneira, o sol nascia , eu torcia para se pôr, e depois, ele nascia novamente, talvez quisesse me punir. Afinal, cada nascer do sol, cada amanhecer era frio, distante e indiferente.

O sol despontava vagamente no horizonte. Andava em direção ao pau de arara, o velho caminhão que me levaria a próxima lavoura, desta vez de feijão. Andando um pouco cabisbaixo pude perceber de relance a presença de um homem que parecia andar em minha direção, levantei as vistas e percebi que era o pastor que vinha rapidamente em minha direção. Apressei automaticamente os passos até o pau de arara quando lhe ouvi me chamar, pensei rapidamente "ignore, finja que não ouviu", mas ele continuou insistindo.

- Deiwin! Derwin!

Minha mente logo interpelo fazendo me assustar, "Mas que chato! Será que ele não tem o que fazer? São cinco e trinta da manhã, ainda está escuro, e este pastor já está me perseguindo."

Assustei vagamente com meu pensamento, afastei-o de minha mente e tentei agir gentilmente ao notar sua presença.

- Acho que voltei a pronunciar seu nome de forma errônea.

Falou um pouco ofegante querendo rir.

- As vezes esqueço a forma correta de pronunciar seu nome.

"Não tem como esquecer o que não foi apreendido", ignorei novamente meu pensamento e continuei olhando fixo para ele que deu uma pausa e prosseguiu.

- Sinto muito pelo ocorrido em sua casa. Saiba que tenho orado pela sua casa, sei que Deus dará sabedoria e direção, para que possam lidar com tudo da melhor maneira neste momento.

"Se é que existe a melhor maneira".

Ele deu uma pausa e ao notar meu silêncio prosseguiu.

- Vamos na reunião de quarta-feira? Vai ser bom para você, sei que Deus irá falar com você, Ele sempre fala, tem compromisso com os seus.

Respondi diretamente.

- Vou ver, quem sabe eu apareço.

Despedi e continuei minha caminhada rumo ao meu destino.

"Tanta coisa para fazer é o pastor me chamando para reunião".

O camburão do caminhão chacoalhava, e eu, ligeiramente observava o frio, a indiferença da vida, que me encarava e me chamava para um novo ringue.

"Miserável é o homem que perde a fé em dias melhores. Miserável é o ser que anda olhando somente para o pé."


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Neste vai e volta do Olavio, ele estava novamente a três dias sem paradeiros, não tinha aparecido em casa.

Estava sentado na poltrona frente a prateleira, nesta posição, podia ver a extensão da sala até sua porta. Deivy do meu lado brincava com uma cenoura que tinha conseguido com Ozannia na cozinha, fingia que era uma espada em suas mãos. Na posição em que me encontrava observava sorrateiramente a porta da sala abrir, o que atraia minha atenção, aos poucos me virava até me deparar com os olhos de Olavio indo em direção ao corredor que dava acesso aos quartos e ao lavabo. Calado ele passou, como se eu fosse uma poltrona ou um móvel decorativo qualquer da sala. Contive a fúria que quis subir no meu coração, "era desta forma, ele sumia, ninguém sabia onde estava, voltava quando queria, não falava com ninguém, dormia na cama quente, comia comida boa, passava por cima de todo mundo e sumia depois quando bem queria". Fechei os meus olhos e esperei que minha alma se acalmasse novamente. Lembrava daquele menino simples, que gostava de mexer com os bichos na mata, de fazer pegadinha comigo e com meu pai, colocando o pé na frente se escondendo entre as árvores; era assustador o quanto uma pessoa podia mudar, para pior e para melhor, o quanto uma pessoa podia se tornar irreconhecível. Meu irmão era calado, gostava de aprontar às vezes, mas essa pessoa amarga, desafiadora e implicante eu não conhecia, na verdade nunca tinha visto.

Me surpreendi e fiquei assustado no instante em que subitamente ouvi novamente a voz de minha mãe a cantarola.

🎶Tem dias de chuva

Tem dias de flores

Tem dias de raios

e dias de amores.

Quem sabe ao certo que dia irá ocupar

Só mesmo o louco certeza terá.🎶

Quem poderia imaginar que dá pacata vida em nossa pequena fazenda, viveríamos tanta tempestade longe de casa. Me pergunto se devíamos ter vindo para cá, ainda sinto saudades de casa. Me pergunto se estivéssemos lá Olavio estaria tão terrível assim. Me pergunto qual o prazo para essa tempestade acabar, e se quando tudo passar restará alguma coisa em pé.

Em minha memória vejo mãe assobiar essa música novamente, é uma rápida paz envolve meu coração. Percebia neste instante o quão sombrio minha alma estava ultimamente, também quase não me reconhecia. Depois que pai sumiu na estrada sem retornar novamente, parece que algo em mim tinha ido junto com ele, lutava contra, mas o pessimismo, o descrédito, a indiferença, a descrença ultimamente tomavam meu coração, logo eu, que nunca fui este tipo de pessoa. Mãe não ficaria nem um pouco contente em me ver assim, na verdade se ela soubesse como está nossa casa ela choraria aos prantos. Mas como evitar? Como ignorar o óbvio? Tudo estava indo de mal a pior. 

Manter a esperança em dias difíceis e uma tarefa complicada, mas não é impossível

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Manter a esperança em dias difíceis e uma tarefa complicada, mas não é impossível...

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