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O caminho até a lavoura como de costume foi bem silenciosa.
Seria de fato, se minha mente não estivesse tão barulhenta; o sonho, a reunião na igreja, as palavras ditas e as que não foram diretamente recitadas pareciam dançar em minha mente, sempre tive dificuldade em calar meus pensamentos, mas ultimamente estava pior.
Trabalhamos o dia separando e catando espigas. Pela região ser agrícola, essa era praticamente a base comercial, provavelmente não nos faltaria serviço, o que era bom. Tentei evitar, mas passei o dia praticamente preocupado, e com a alma transtornada. Sabia que aquele sonho tinha um significado e precisava entendê-lo. A forma com que repassava tudo como um filme em minha mente era a certeza que tinha que compreender a mensagem transmitida, não sabia explicar, mas não era só uma preocupação comum, era uma inquietação de espírito. Minha vida parecia uma sucessão de coisas confusas e estranhas; a morte repentina de minha mãe, a águia no céu de nossa fazenda um dia após saber que minha mãe tinha falecido, o pastor e seu ensino (o significado de negar, perder a vida, achar a vida, tomar a cruz), esse sonho, tudo estava conectado de alguma forma eu só não sabia entender. Me sentia aflito, não sabia interpretar nada do que acontecia.
Por que?
Uma mensagem deve ser compreendida.
Só há duas respostas para esta questão. Quando duas pessoas falam a mensagem deve ser clara e deve-se falar a mesma linguagem para a compreensão de quem fala-escuta, neste caso, ou a mensagem não está sendo clara, pontual e objetiva ou o idioma (o meio usado para contato), não é familiar ou é totalmente estranho. Mas por que alguém supremo falaria para não ser compreendido? Não conseguia entender, parecia um paradoxo.
Minha vida parecia estar fora dos trilhos; será que retornaria a normalidade?
Na volta para casa pai estava furioso, prendemos o velho caminhão por alguns minutos procurando por Olavio que não se encontrava mais lá, na verdade eu fiquei furioso, Olavio estava muito inconsequente, ele precisava repensar um pouco suas ações, ninguém tinha paciência nem tempo para atender todas as suas crises todas as vezes em que ela se manifestava. Provavelmente tinha resolvido por conta própria ir embora sem avisar ninguém. Teria andado bastante, mas isso era uma escolha sua e de mais ninguém, agora, não avisar, não afetava somente ele. Após procurar ele por um tempo, decidimos ir embora, o caminhão nos esperava e não poderíamos perder o único meio para chegar em casa.
Ao chegar em casa não poderia ter melhor surpresa!
Minha irmã se encontrava na companhia das pessoas certas. Ao abrir a porta meu coração se encheu de alegria.
Meu pai logo exclamou admirado:
- Mãe! O que a senhora faz aqui?
Meu coração aos poucos se acendia, aquecia como a brasa que é alimentada por madeiras novas postas pelo lenhador. Ter a presença de minha avó naquele momento era maravilhoso.
Ficamos na cozinha, tomamos um café, pai desabafou sobre Olavio, neste instante saímos da cozinha ao pedido de nosso pai:
- Deixe-me a sós com sua tia e sua avó.
Falou de forma pontual, em seguida eu e minha irmã já nos retiramos.
Não sei ao certo o que meu pai tentava esconder, era claro como o dia que Olavio por enquanto estava perdido, sentia prazer em se opor, em levar as pessoas ao extremo, em ter uma atitude resistente e revoltosa. Meu pai com esforço tentava seu melhor, mas com Olavio decidido em se opor não sei quanto tempo este "melhor" conseguiria manter as coisas em ordem. Temia que pai a qualquer hora estoura-se.
Para meu pai, se conectar com as pessoas e compreender seus problemas era uma tarefa muito difícil. Meu pai era um homem matuto, rude, cresceu na área rural, com pessoas simples, era um homem bom em lidar com a terra, com a madeira, com animais selvagens. Quem conseguia uma ótima conexão com as pessoas era minha mãe, mas ela não estava aqui, aliás, fazia muita falta. Eu poderia tentar fazer o papel de minha mãe, mas meu pai jamais deixaria, se sentiria enfraquecido, pois era um filho, e meu irmão nunca me ouviria, seu orgulho não deixaria, estava no mesmo degrau que ele. Por mais que tentasse chegar em um bom resultado para o problema, eu só conseguia uma conclusão intermediária. Me restava controlar os ânimos para que não se exaltasse a um nível que não pudesse ser controlado, somente isto, nenhuma solução efetiva. Tinha esperança que minha avó pudesse ajudar, sei que meu pai a ouviria, e minha avó era a pessoa certa para dar um bom conselho.
Enquanto isso, em meu quarto, como de costume, pensava em mil e uma coisas. Uma delas era a possibilidade de prosear com minha avó, precisava falar com ela. Por mais que o contato tivesse sido pouco, sabia que ela era a pessoa certa para contar o sonho que tive na noite anterior, que me daria ao menos uma instrução.
Em meu quarto observava atento ao menor sinal de despedida. Aguardava o ressoar de sua voz nos chamando para ir até ela nos despedir, só então partiria rumo a sua casa.
Ao sinal do som de sua voz me levantei e fui de encontro a sala, ela se encontrava parada em frente ao corredor que dava para os quartos. Seu vestido longo, verde escuro, de mangas curtas, seu cabelo todo para trás em um coque, ela ainda era uma mulher finíssima, muito bem posturada, com um ar requintado.
Com certeza não perderia a oportunidade de pedir para acompanhá-las até sua casa.
- Darwin, sua avó já está acompanhada.
Suas palavras me desferiram um golpe, era minha esperança de ter um tempo com minha avó. Ela, com seus olhos fitos no meu, levemente acrescentou ao meu pai.
- Que mau há?
Pausou e logo prosseguiu.
- Somos duas mulheres, a companhia de um homem, ainda mas sendo meu neto é muito bem vindo.
Sua fala me lembrava o motivo de ter a certeza que precisava conversar com minha avó.
Sua colocação deixava meu pai sem muitas opções de resposta, era certo que ele diria sim. E disse. Meu pai não poderia combater sua fala, seria grosseiro, principalmente por que ela foi bem singela. Após ela se despedir de minha irmã, e beijar o Deivy saímos rumo à sua casa. Meu esperado momento havia chegado.
"Será que Darwin encontrará as respostas que procura???"
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Voo | O chamado
RomanceNós, seres humanos, somos tantas faces e tantas cores. Somos euforia, alegria, determinação, esperança, um oceano de possibilidades. Mas, em alguns tempos também somos revolta, raiva, angústia, medo. O personagem (Darwin Kay) exemplifica bem isso...