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Sentamos a mesa para jantar.
Ozannia alimentava Deivy, sentada à minha esquerda, eu pegava o prato e servia minha comida. Ao ajeitar a primeira colher para pôr na boca, Olavio passa, pega um prato, e senta ao lado de Ozannia, na ponta da mesa, lugar onde somente meu pai sentava. Sinto uma raiva subir subitamente e antes que pudesse pensar em controlá-la, me toma de forma rápida e intensa. "Olavio precisava aprender qual era seu lugar".
Bato na mesa e expresso incisivamente.
- Por que pegou o prato para jantar?! Você não vai jantar!
Olavio para por um minuto, me encara, e move sua mão até a concha, olhando em meus olhos. Instintivamente bato em sua mão bruscamente, fazendo com que a concha voe e o feijão posto se espalhe sobre a mesa e sobre Ozannia, que rapidamente reage.
- Ei!
Expressa batendo a mão no braço, limpando o feijão.
- O que é isso?! Será que podemos comer em paz?!
- Não podemos!
Rebato rapidamente em um tom áspero, e retorno o olhar para Olavio.
- Você, não vai jantar! Se quiser comer, vai retornar ao lugar de onde estava desaparecido há três dias. Não sei por que voltou.
Ele sorri descaradamente e retruca.
- Quem irá me impedir? Você? Seu pai foi, se você quiser ir também, fique à vontade.
Me pergunto rapidamente, em que instância Olavio teria se tornado aquela pessoa, horrível e intimidadora. Em qual momento aquela criança curiosa e aventureira tinha se tornado inconsequente e indiferente.
Sem nem pensar, me levanto bruscamente, pego seu prato e arremesso no chão, lhe encarando.
Ozannia no mesmo instante se levanta e súplica:
- Por favor, já não está ruim?! SÉRIO GENTE. Até onde vamos piorar?! ATÉ QUE PONTO SUPORTAREMOS ESTE INFERNO?
Ozannia estava exaltada, e Deivy começava naquele instante a chorar.
Olavio não passaria impune, ao menos umas boas verdades ele ouviria. Estava precisando ser humilhado, talvez assim aprendesse alguma lição:
- Está tudo bem Ozannia. Acalme-se.
Falava olhando de canto e me voltando imediatamente para Olavio.
- Você é um moleque!
Falava apontando o dedo em sua cara.
- Um garoto amedrontado se escondendo. É uma vergonha Olavio, sinto vergonha de ser seu irmão. Nunca pensei que você se tornaria uma pessoa tão baixa, tão desprezível. Falando e narrando sobre nosso pai como se fosse um troféu, se esquecendo que é sua a culpa dele ter saído de casa, sua a culpa por Deivy crescer sem pai, você não tinha o direito de tirar isso de Deivy.
Neste momento Olavio quis se defender. Eu, asperamente o interrompi, realmente neste momento já estava super exaltado, só queria humilhar Olavio, fazer ele sentir um pouco do que vinha fazendo inconsequentemente até aqui.
- CALE A BOCA OLAVIO! CALE A BOCA! Não sou meu pai, você começou, agora vai ouvir, CALADO, para se lembrar que toda a vez que infernizar a vida de alguém, A SUA TAMBÉM SERÁ INFERNIZADA.
- Você é uma cobra, pai e mãe criaram uma cobra perigosa. Você só se preocupa consigo, só ama a si mesmo. Você não consegue pensar nem em Deivy, que é apenas uma criança inocente.
Dei uma pausa, respirei e concluí.
- Um dia você estará na amargura, na miséria, por que é isso que pessoas como você atrai, você é uma pessoa lastimável. Eu sinto pena da pessoa que você é. Você lembrará Olavio, que a culpa por Deivy crescer sem mãe e crescer também sem pai é toda sua, somente sua. E ainda bem que ninguém aqui carregará esse peso. Você não passa de um peso morto dentro desta casa, e toda vez que vir aqui farei questão de te lembrar disso.
Neste momento a ira já tinha tomado o meu coração de uma forma, que senti prazer em ouvir o som de minha mão estalar em sua face. Ozannia assustou e se pôs em pé novamente, provavelmente esperando que perdesse o controle.
- VOCÊ NÃO É MEU IRMÃO! Eu não te conheço.
Dei a volta por Olavio e sai pela porta da sala desorientado. Meu coração gritava, bradava as piores palavras. "O que eu sentia por Olavio naquele momento era somente ódio. Eu o culpava, ele era culpado. Já não bastava minha mãe, quem era ele para fazer o que tinha feito? Para arrancar meu pai também. Eu sofri, eu estava escuro, transtornado, e a culpa era dele, dele, do seu descontrole e inconsequência. Todos nós pagávamos, era tão difícil assim compreender que éramos um todo, e o que ele fazia, se tornava uma conta cara para todos, tinha se tornado uma conta cara por demais, para mim, para Ozannia e principalmente para Deivy. Eu desejei sua morte, desejei que não tivesse nascido, e aquele ódio me assustava."
Andava pela rua sem saber ao certo o que fazia, levitava, trovejava, esbarrava, desejava que algo me acertasse, que minha unha fosse arrancada em um tropeção, queria ver sangue, queria sentir dor, talvez a dor do meu coração diminuísse, ao menos um pouquinho.
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Voo | O chamado
RomanceNós, seres humanos, somos tantas faces e tantas cores. Somos euforia, alegria, determinação, esperança, um oceano de possibilidades. Mas, em alguns tempos também somos revolta, raiva, angústia, medo. O personagem (Darwin Kay) exemplifica bem isso...