ℂ𝕒𝕡𝕚𝕥𝕦𝕝𝕠 𝟡: Clichê, pq a autora é uma iludida fudid@

1.5K 141 255
                                    

Quando acordei, ouvi os pássaros cantando, e o Sol radiante, brilhando num céu sem nuvens. Uma brisa fresca soprava as calçadas, recheadas de flores que desabrochavam em harmonia, exalando seus perfumes.

Estava tudo perfeito;

Perfeito demais.

Semicerrei os olhos, olhando para os lados. Se estava tudo bom demais, significava que logo algo ruim aconteceria.

Levantei rapidamente, sentindo uma tontura forte e repentina. Praguejei baixinho, sentindo minha força ser drenada rapidamente. Respirei fundo, me recompondo e começando a me arrumar lentamente, tentando me adaptar ao desconfortável incômodo em minha cabeça.

Fui pegar meu uniforme, quando reparei em minhas mãos: estavam tremendo.

Sabia o motivo.

Estava com medo, medo da dor do outro dia se repetir. Muito medo. Eu não queria, não queria mesmo. Balancei minha cabeça. Não é como se eu tivesse opção; os únicos que não sentem dor são os mortos, que não sentem nada.

Me arrumei, e tomei um chocolate quente com pão, que até aliviou a minha dor, brevemente. Andei até o ponto de ônibus com péssimas expectativas para o dia. O caminho foi tranquilo, mas a dor era insistente e aos poucos alcançava cada membro de meu corpo. Fraca, porém contínua e crescente.

Quando finalmente cheguei na escola, desejei nem ter saído da cama. Arrastei-me pelos corredores, sem nem olhar direito para onde ia. Quase alcançava a sala quando me senti ser puxada, rápida e violentamente, para dentro de um dos corredores proibidos.

Preparei meu punho e todos os anos de defesa pessoal aprendidos com mama, mas assim que virei, percebi quem era meu suposto raptor.

-- O que foi isso, Damian?! – Sussurrei de forma mais histérica possível.

-- Shhh... Não chame tanta atenção. – ele verificou se ninguém vinha e pegou um potinho, me entregando – Ontem falei com meu médico particular, e ele me disse que esse era um dos melhores remédios para dor que existem no país, mas que dá muita sonolência. Pedi a ele e consegui encomendar um tão eficiente quanto, mas sem sintomas adicionais.

Minha garganta se fechou, e eu quis chorar de tanta felicidade. Me aproximei de Damian e lhe dei um beijo na bochecha, em agradecimento. O ambiente estava escuro, mas pude ver seu rosto avermelhar. Fofo.

Sem nem pensar duas vezes, coloquei um na boca, o engolindo a seco.

-- Anya, acho melhor só usar quando perceber que vai ter outra crise. Não é um brinquedo. – ele analisou minha expressão, e pareceu já ter compreendido. – Você já estava se sentindo mal, né?

Virei o rosto, sabendo o que ele pensava:

*Suas crises estão aumentando a frequência. Isso está evoluindo rápido demais.*

Concordei internamente.

Estava rápido, muito rápido.

💭//°°

A dor parecia nunca ter existido, mas eu estava caindo de sono. Becky ou não tinha chegado, ou tinha saído para ir ao banheiro. Não aguentaria esperá-la, então fui até o lugar de Damian, o fazendo sentar na cadeira vaga da minha fileira, com apenas um propósito: ele seria meu travesseiro humano.

Encostei nele, e depois apaguei. Lembro de algumas coisas manchadas, mas sei que acordei só na segunda aula, e perguntei porque eles tinham me deixado dormir tanto. Becky e Damian agiam como cúmplices, dizendo que eu estava dormindo tão tranquilamente que não quiseram me atrapalhar.

Eu quis socá-los, mas acabei agradecendo. Eu acordei zerada, como uma pessoa saudável e sem problemas. Me sentia feliz, mas precisava descobrir o que havia rolado na primeira aula, então os perguntei. Becky começou:

-- A professora Camile, de teatro, entrou contando que teríamos uma peça daqui a três meses. Som e a iluminação foram logo preenchidas, e como você estava dormindo, acabou parando como candidata a elenco. Mas ainda vão ter as audições. Então não temos certeza. Quer dizer, Damian faz aula extra de teatro, então todos concordaram que ele deveria ser um dos protagonistas. É o único que tem essa certeza.

Nesse momento, entendi que a pior parte do meu dia era essa, não qualquer dor, e sim ser empurrada para uma miséria dessas. Massageei minhas têmporas, tentando relaxar antes de fazer a próxima pergunta.

-- Qual é a peça?

-- Romeu e Julieta. – respondeu Damian, e eu quis rir, mas o choro viria primeiro, então resolvi ficar quieta.

-- Nossa, tinha como ser mais clichê? – falei, descontente.

-- Acho que não. – retrucou Damian, igualmente infeliz.

-- Mas que falta de criatividade, roteiro previsível do car****. – Reclamou Becky, fazendo eu e Damian olhar para ela. O que essa menina estava falando?

Resolvi ir ao banheiro assim que tocou o intervalo. Comecei a planejar uma forma de me sabotar para não ser aceita no elenco e acabar parando numa área mais simples, como cenário, ou figurino.

Porém fui surpreendida quando Damian me puxou para um canto, apenas para dizer:

-- Nanica, por favor, não se sabote. Não quero ser o Romeu de nenhuma outra Julieta.

E saiu, me deixando imóvel enquanto pensava no que ele havia dito. Finalmente me dei conta do contexto: ele era um dos protagonistas: O Romeu, e toda aquela enorme lista de meninas como candidatas ao elenco queriam ser uma Julieta. Obviamente para encenar um trágico romance e um belo beijo com Damian.

Isso me deu asco mesmo em imaginação.

Eu não podia ver uma coisa dessas e ficar igual palerma esperando.

Foi aí que decidi: Eu seria a Julieta. E não qualquer uma: Eu seria a melhor Julieta que essa escola já viu.

Eu só não sabia como.

💭//°°

Peguei os papéis mais uma vez, tentando ajeitar meus pensamentos. Tentava gravar as falas de pelo menos uma cena. Contra encenaria com Damian na audição, que seria na sexta, e eu não podia me dar o luxo de falhar.

Ensaiava no quarto, tentando me concentrar, quando escutei o telefone da sala tocar. Meus pais estavam tomando banho, então fui atender.

-- Residência dos Forger, quem fala?

A voz abafada do outro lado me surpreendeu:

-- Anya, aqui é Damian. Que bom que foi você que atendeu, seu pai parece não gostar de mim e eu não sei o que faria se ele que respondesse do outro lado da linha. – ele deu uma pausa e continuou. – Consegui uma consulta para você. O médico manterá o sigilo, e pode descobrir o que está acontecendo. Pensei na quinta-feira de manhã. O que você acha?

Ele estava cuidando de mim, porque sabia que ninguém mais podia o fazer.

-- Acho perfeito. – Conti a emoção que escapava em minha voz, retomando – Eu só não sei o que posso dizer a meus pais para explicar que estou indo a um médico com você.

A voz dele silenciou-se por uns momentos e voltou cautelosa e envergonhada.

-- Diga a eles que é um encontro. Que vai numa cafeteria comigo.

Segurei a respiração por um momento, sem reação. Quando dei por mim, já havia respondido:

--... Ok, mas vai ter que me pagar um café depois. Não posso mentir para meus pais.

Ele riu aliviado, como se esperasse uma resposta diferente. Ri também. Com eles as coisas eram tão complexas, mas ao mesmo tempo tão simples.

-- Está marcado então. Até amanhã.

-- Até.

In my Mind -- Anya X DamianOnde histórias criam vida. Descubra agora