𝖭𝗂𝗀𝗁𝗍𝗆𝖺𝗋𝖾

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Naquela noite tive um pesadelo, um dos piores e mais vívidos, pois refletiam o passado.

Meus olhos se abriram, piscando para tentar adaptar meus olhos a um novo ambiente, de paredes de metal e luz muito forte. Estava sentada, minhas mãos e pernas amarradas. Tentei me contorcer para sair, mas a única coisa que consegui foi me frustrar.

Meu corpo era menor e mais frágil, fraco como o de uma criança de 4 anos. Percebi então onde eu me encontrava: no laboratório, prestes a ser submetida a mais um teste.

Me joguei para o lado, desesperada por fugir. Queria escapar desta realidade, esquecer tudo. Me lancei para frente e para trás, tentando arrebentar as fivelas de couro, ou a cadeira. Mas ela era de metal, e os grilhões me arranhavam.

Tentei espernear, gritar e chorar, mas nada adiantou. Senti a energia se esvair de meu corpo, que cedia ao cansaço e desespero.

Respirei fundo, teria de passar por aquilo. 

Esperei, a cabeça baixa, rendida. E não demorou muito para que eu escutasse ao longe os passos contra o piso, reverberados pelas grossas paredes de metal.

Um arrepio desceu por minha coluna, aflita. Eu não queria passar por aquilo.

Logo a figura entrou em meu campo de visão: um homem de bigode cheio e óculos redondos. Comecei a tremer de medo involuntariamente. Ele se aproximou de mim, o jaleco branco, com bisturis nos bolsos, encaixando as luvas nas mãos.

Me debati e contorci, mas por fim me rendi. Baixei minha cabeça e esperei a dor dos cortes expostos. Pensei em qual cicatriz eu conseguiria daquela vez, e quanto tempo demoraria para desaparecer.

Porém, o que senti foi pior:

O homem agarrou meu cabelo e jogou minha cabeça contra a cadeira. Senti o impacto deixar minha visão turva e gemi de dor.

Ele manteve minha cabeça erguida, a prensando contra a superfície fria. Conectou pequenos fios com um gel gelado a minha cabeça. Então começou a ativar uma máquina, alavancas e botões, e eu percebi que seria algo grande.

Olhou para mim e disse:

— Vamos tratá-la com choques. Precisamos curar o erro no crescimento de seu cérebro, senão, você não vai viver por muito tempo. Isso, é claro, se você sobreviver ao tratamento.

Ele apertou um último mecanismo, e um choque forte e entorpecedor atravessou minha cabeça. Não consegui me conter e gritei de dor. Vários choques vieram e eu me contorcia e chorava, exaurida. Soluçava e esperneava, meu corpo tremendo em um pane. Senti uma dor insuportável cruzar minha mente enquanto eu atravessava o limiar entre a vida e a morte.

Voltei a vida apenas para sentir uma dor cortante. Desejei morrer mais intensamente do que nunca. Eu queria muito acabar com tudo isso.

Mais um choque cortou meus pensamentos, me fazendo gritar de dor e ranger os dentes. Meus nervos pareciam estourar como cabos sobrecarregados, meus tendões sendo tão forçados que eu teria luxações.

Rangi os dentes, sentindo as lágrimas escorrendo e os gritos que escapavam de minha boca, pouco a pouco, perdendo seu fulgor.

Porém, quando o próximo e definitivo choque estava para vir, ouvi uma voz, distante e confusa. Ouvi a voz de uma criança de minha idade, que dizia para meu torturador:

— Papai, o que está fazendo com essa menina?

O homem olhou para ele com olhar de repreensão e disse:

— O que você está fazendo aqui? Devia estar lá em cima.

Ele deu de ombros.

— Os gritos me assustaram.

O menino ignorou as reclamações do pai, meu carcereiro, e se aproximou de mim. Se aproximou muito.

As mãos rechonchudas tocaram em meus braços magros de fome, pela falta de apetite em meio ao luto violado. Ele ergueu minha cabeça e tocou em minhas bochechas, delineando meus traços com seus dedos gordinhos e precisos.

Tentei abrir completamente os olhos, mas meu corpo não reagia. Tentei falar, mas minha língua parecia ser um pudim. A única coisa que tive certeza de ver e gravar foram os olhos dele: amarelos e dourados.

Ele abraçou o meu corpo e pondo-se entre mim e seu pai, reclamou.

— Desse jeito ela vai morrer. Não a machuque mais, por favor.

O seu pai agarrou o ombro do menino e o lançou para trás. Avançou em minha direção, indo ligar novamente os choques. Porém, o garoto começou a gritar, e pude enxergar ele, ajoelhado com a testa no chão.

— Pai, para, por favor. — escutei sua voz embargar, e eu estava confusa. Por que ele estava se humilhando tanto para salvar alguém que não conhecia? — Eu te imploro, não machuque mais ela.

O homem olhou de canto para a criança e por fim desligou o aparato. Me desprendeu do banco e eu despenquei. Deitei no chão frio e tremi, chorando fraco, não suportando a dor e o alívio.

Quis falar com o menino e agradecê-lo. Mas não consegui nem emitir algum som. Meu corpo reclamava e tremia, falhando.

— Ela vai sobreviver por enquanto. Mas quanto a você, garoto insolente. — o homem prosseguiu, agarrando o braço do menino e o puxando para fora da sala. — Você aprenderá bons modos, e entenderá de uma vez por todas que os Desmond nunca abaixam a cabeça pra ninguém, e jamais devem demonstrar suas fraquezas.

E o menino foi levado, com os passos arrastados. Eu senti medo por ele. Mas não podia reagir.

O garoto me visitou mais duas vezes durante o ano, para conferir se eu estava bem. E na última visita, acabou deixando a porta aberta.

Se foi acidental ou proposital, até hoje não sei.

Só sei que foi por àquela porta, graças a aquele menino, que eu consegui minha liberdade.

In my Mind -- Anya X DamianOnde histórias criam vida. Descubra agora