ℂ𝕒𝕡𝕚𝕥𝕦𝕝𝕠 𝟙𝟙: Entrando no personagem

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-- Será que não podemos pular essa ladainha e ir para a cena do beijo? Tenho certeza de que eu me sairia muito bem nela... -- Falou uma menina de voz arrastada e irritante. Ela deixava claro que suas intenções com aquela peça era unicamente agarrar meu homem.

Digo, agarrar Damian.

Revirei os olhos. Já estava cansada de esperar minha vez, ainda mais quando a maioria das garotas se comportavam da mesma maneira. De longe pude ler os pensamentos de Damian, ele estava odiando aquilo tanto quanto eu. Por já ser um aluno "titular" do clube de teatro, ele foi eleito Romeu sem dificuldades, mas agora ele tinha que segurar as pontas com o assédio dos fãs.

Senti seus pensamentos mudarem o rumo. Ele se sentiu alegre, e com uma expectativa velada, uma esperança não contada. Então, seus pensamentos ficaram claros: eu.

Olhei para cima e seu olhar já estava em mim. Pensei que ele fosse desviar como sempre fazia.

Mas ele continuou ali, me olhando como se quisesse decifrar a minha alma e afundar em meus segredos.

Então, eu que me senti constrangida. Virei o rosto, sem conseguir suportar o peso daquele olhar. Era intenso, como se tirasse todo o ar dos meus pulmões e não tivesse a pretensão de devolver.

Os avaliadores despediram a menina atirada falando que iam conferir, mas mesmo atrás da coxia eu podia perceber a cara de desgosto deles.

Estava chegando na minha hora de entrar.

Eu havia ensaiado muito em casa, mas a verdade é que eu só saberia o texto na hora H, e estava ansiosa. Respirei fundo, tentando entrar no personagem e incorporar toda a técnica de atuação que meu pai gastou anos me ensinando (sem saber).

Me imaginei muito longe dali, em um passado difícil, presa com meu amado numa rixa de famílias. Presa e sem escapatória: encurralada pelo próprio destino. Destinada a morrer ferindo o coração de todos aqueles que me queriam bem.

Senti que estava devidamente dentro do personagem.

Ouvi meu nome ser chamado, e uma auxiliar de palco entrou me entregando um papel com o roteiro, com uma parte grifada. Entregou o mesmo papel a Damian e nos avisou que tínhamos cinco minutos para nos habituarmos aos textos e depois começaríamos.

Agarrei a folha, nervosa. Ajeitei ela na minha mão, mas percebi que estava tremendo. Tentei respirar, mas não funcionou. Fechei os olhos para contar até 10, quando senti uma mão agarrar a minha. Abri os olhos e encontrei Damian sorrindo e acariciando minha palma.

Ele chegou perto do meu ouvido e disse baixinho, apenas para que eu escutasse:

-- Estou aqui, sou seu... Romeu. – Completou rapidamente. – Se ficar perdida é só olhar para mim, vai dar tudo certo.

Sorri involuntariamente e assenti, ajeitando o cabelo e passando os olhos por cima do texto. Eu o conhecia.

A assistente nos chamou até o centro do palco, e as cortinas se abriram. Olhei para Damian, que com um leve sorriso, começou:

-- Senhora, juro pela santa lua que acairela de prata as belas frondes de todas estas árvores frutíferas...

O interrompi, recheada de um voz emocionada e suave.

-- Não jures pela lua, que é inconstante e muda todos os meses em sua órbita circular, a menos que o seu amor seja igualmente instável.

-- Por que devo jurar? – Desmond disse, dando um passo a frente, diminuindo a distância e falando como se estivesse na cena original. Como se buscasse desesperadamente alguma forma de me agradar.

Virei o rosto.

-- Não jures nada, ou jura, se o quiseres, por ti mesmo, por tua nobre pessoa, que é o objeto de minha idolatria. Assim, te creio.

-- Se o amor sincero deste coração... – recomeçou.

-- Para! – o interrompi -- Não jures; muito embora sejas toda minha alegria, não me alegra a aliança desta noite; irrefletida foi por demais, precipitada, súbita, tal qual como o relâmpago que deixa de existir antes que dizer possamos: Ei-lo! Brilhou! Boa noite, meu querid-

-- Basta! -- Ouvimos alguém de fora gritar. Mas demorei a reagir.  Estava capturada naquele momento. Desejei viver aquele amor avassalador e arrebatador com Damian, com meu Romeo. Desejei ser sua.

Minha bolha particular foi estourada antes de minhas fantasias tomarem um rumo incalculável.

-- Vocês serão os protagonistas. Não houve nenhuma pessoa sequer que teve esse desempenho. Consegui sentir a emoção e a paixão escorrendo das palavras. Levem o roteiro para casa e estudem, que sexta que vem temos o primeiro ensaio. -- falou o avaliador principal e depois nos dispensou.

Um sorriso se estendeu por meu rosto enquanto a cortina fechava. Observei Damian, que deixava um sorriso orgulhoso e ousado vir a superfície. Virou para mim e comentou:

-- Quem diria, né, baixinha? Formamos uma ótima dupla.

Eu quis pular em seu pescoço, mas a vontade logo se esvaiu.

-- É metido. Formamos uma ótima dupla.

Sorrimos um para o outro, e pude notar em seus pensamentos o reflexo dos meus: queríamos diminuir a distância entre nossos corpos.

Senti uma repentina falta de ar, e um calor que subia do meu ventre até meu rosto. Me despedi dele, me afastando antes que essa reação ficasse evidente.

Me apressei pelos corredores e só consegui relaxar quando já estava na sala. Parei para respirar, relaxando em meu banco. Prensei a mão contra o peito, sentindo meu coração acelerar desenfreadamente.

Quando acalmei enfim, me ajeitei na cadeira e arrumei meu cabelo. Logo minha paz foi perturbada por minha melhor amiga e confidente: Becky.

-- E aí, conte logo, você passou em qual personagem?

Dei um sorriso ladino e respondi:

-- Você está olhando para a mais nova Julieta da peça.

Ela deu um gritinho fino e pulou batendo palminhas em comemoração.

-- Eu sabia que você ia conseguir! E agora você vai ficar de par com o Damian? Vai ser perfeito, um clichê romântico e perfeito!

Pedi que ela falasse mais baixo e reclamei:

-- Deixa de ser iludida amiga. Não tem nada entre nós dois.

Ela olhou para mim com os olhos apertados e indignados.

-- Depois de tudo o que rolou você ainda tem coragem de dizer isso? Por favor, né. Toda a escola já notou a tensão que existe entre vocês dois. Parecem que estão prestes a se moer na porrada e dar uns amassos o tempo todo. É até confuso de assistir.

Senti minhas bochechas esquentaram a medida que todo o meu sangue subia para o rosto.

-- Não diga essas coisas tão despretensiosamente. E outra: mesmo que seja interessante para os telespectadores, não rolou nada, nem vai rolar.

Ela cruzou os braços e revirou os olhos, rebatendo:

-- Você ao menos se deu conta do quê vocês estão encenando? Você vai beijar ele na frente da escola inteira, e dos pais também.

Senti minha ficha cair.

ferrou.

In my Mind -- Anya X DamianOnde histórias criam vida. Descubra agora