ℂ𝕒𝕡𝕚𝕥𝕦𝕝𝕠 𝟙𝟟: Efeitos colaterais da negligência

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O inferno começou as cinco da manhã.

Levantei da cama e corri para o banheiro vomitando tudo o que havia comido na noite anterior. Fiquei sentada no chão, inclinada sobre o vaso, sem aguentar dar nem um passo. Mesmo depois de botar tudo para fora, as náuseas permaneciam. Toquei minha cabeça, fadigada sem explicação.

Meu pai entrou correndo no quarto e ao me ver desamparada sob o piso frio, ele agiu rapidamente. Me segurou e ofereceu apoio. Me ajudou a ficar de pé para escovar os dentes e ver se melhorava a sensação ruim. Depois me deixou na beirada da cama e foi buscar um banquinho. O pegou e colocou dentro do box, me ajudando a caminhar e sentar.

Ligou o chuveiro no quente e deixou que a água caísse mesmo eu estando vestida. Foi um alívio para todo o corpo. Ele pegou xampu e começou a esfregar meus cabelos de um jeito carinhoso que só ele sabia. Mesmo que o enjoo não tenha sumido magicamente, isso melhorou consideravelmente meu estado geral.

Depois de enxaguar e começar a passar o condicionador ele resolveu quebrar o silêncio:

— O que foi que aconteceu filha? Está se sentindo melhor?

Sorri de leve, me sentindo acolhida.

— Eu acordei enjoada, e acabei largando tudo assim que cheguei no banheiro. E eu 'tô melhor, não estou  100%, mas ainda sim melhor.

Ele respirou mais tranquilo e voltou a massagear meu cabelo. Depois dessa limpeza do estômago naturalmente me sentia fraca, mas ao menos a náusea passava.

— Obrigada pai; de verdade.

Ele olhou para mim triste, e seu pensamentos ressoavam em harmonia e tristeza sem igual. Condenava-se por não ter percebido. Acreditava que se tivesse notado mais cedo o tratamento não seria tão penoso desde o início. Mesmo que soasse como não usar do bom senso eu não podia evitar. Tinha que confortá-lo.

-- Me desculpe pai, por não ter te contado desde o início. Eu fiquei com medo. Falando agora, percebo que foi tolice. Mas não se culpe por nada, ok?

Ele se inclinou e me abraçou, não se importando de ficar molhado. Me abraçou até que ficasse apertado.

-- Pai, não consigo respirar.

Ele riu e se afastou, mantendo as mãos em meus ombros. Limpou uma gota que escorria de meu rosto com o polegar calejado. Aquilo era do banho ou eram minhas lágrimas? Eu nem ao menos sabia.

-- Filha, você é o primeiro raio de sol a entrar em meu mundo. Não me imagino num lugar em que a Anya não exista. Obrigada por ser tão forte e corajosa. Você é meu maior orgulho. Eu te amo.

Agora sim eu tinha certeza de que o que escorria eram lágrimas.

-- Também te amo, pai. Obrigada por ter me resgatado daquele lugar. Obrigada por ser meu lar.

Encostamos nossas testas e ficamos assim até que qualquer enjoo dissipasse. Ainda não tinha muita energia, mas estava feliz.

-- Onde está a mamãe? – questionei curiosa.

-- Ela está no quarto. Disse que não se sentiu bem e que estava com cólicas. Pedi que não fizesse esforço, então está na cama. – respondeu enquanto ligava o chuveiro.

Pude não apenas ver, mas sentir a ansiedade de meu pai. Mesmo tomando todo cuidado pra disfarçar sua expressão, mexer com sua família é como declarar guerra a paz mundial; à paz de seu mundo. Essa foi a minha vez de consolá-lo.

Fiz uma força e me ergui para abraçá-lo.

-- Vai ficar tudo bem com a mamãe, não se preocupe.

Ele concordou e me abraçou de volta, suas mãos apertadas em minhas roupas molhadas. Ele tinha o hábito de querer sustentar tudo. Mas eu sabia o quanto doía fazer isso.

In my Mind -- Anya X DamianOnde histórias criam vida. Descubra agora